quinta-feira, 30 de abril de 2015

Dubai



Foram publicados, no “A Bem da Nação”, sob a rubrica “Colonialismo”, dois textos de datas diferentes – um, escrito por Simone Weil - In A propósito da questão colonial nas suas relações com o destino do povo francês” (1943), in Écrits historiques et politiques, pág. 375, Paris, Gallimard, 1960. Outro escrito por Abdelwahab Meddeb, In A DOENÇA DO ISLÃO”, ed. Relógio d’Água, Lisboa, 2005, pág. 78.
O 1º Texto, de Simone Weil:
«A América, não tendo colónias e, por conseguinte, prejuízos coloniais e aplicando candidamente os seus critérios democráticos a tudo o que não olha para ela, analisa o sistema colonial sem simpatia. Está, sem dúvida, à beira de sacudir seriamente a Europa entorpecida pela rotina. Ora, tomando partido pelas populações submetidas por nós, fornece-nos, sem o perceber, o melhor apoio para resistir, no futuro próximo, à sua própria influência. A América não o percebe; mas o que seria desastroso era que nós também não o percebêssemos.»
O segundo texto, de Abdelwahab Meddeb
O colonialismo tradicional deu lugar, a pouco e pouco, a alianças entre países soberanos, que se desdobram em protectorados implícitos onde o poder protector partilha grande parte da riqueza com os autóctones que protege. Na Arábia Saudita ou nos Emiratos Árabes Unidos, o visitante fica impressionado com o conforto material que envolveu as cidades, cujo perfil é testemunho de uma americanização mais global, muito para lá dos produtos luxuosos que estorvam o quotidiano do povo. Contudo, a legislação daqueles países mantém a aparência estrita da lei religiosa arcaica, mesmo se, no que respeita ao direito dos negócios, garantia da participação local no mercado mundial, o contratante autóctone se enrosque, mais do que admite, no molde do direito internacional. Este tipo de acomodações faz-se às escondidas; e permite-se que se aja desde que se salvem as aparências.
Verificamos, por eles, uma progressão nos conceitos de colonialismo e descolonização comandados pelo povo americano - de pujança benemérita em compatibilidade com a sua pujança económica nos tempos de Simone Weil, de cooperação material na reciprocidade dos benefícios, nos nossos tempos, segundo o texto de Abdelwahab Meddeb.
A necessidade de resistência aos desígnios americanos segundo a advertência de Simone Weil não se processou contudo, seguindo-se as descolonizações - a nossa exemplar, como gostamos de referir, na descompressão de responsabilidades, nosso apanágio. Lembro-me de que, quando Kennedy foi assassinado – o meu João nasceu daí a dias – eu apenas referi com pena os filhos que ficavam órfãos, esquecidos os rancores para com quem usava do seu prestígio para destruir levianamente o contributo de outros para o desenvolvimento africano.
Este texto a propósito do conceito de colonialismos, anterior e actual, veio despertar velhos rancores que também traduzi em tempos, como os passos seguintes de “Ó cínica Inglaterra, ó bêbada impudente” (“Cravos Roxos”, 1981):

«Ultimamente tenho-me lembrado muito dos versos do Guerra Junqueiro supracitados, tantas vezes referidos pelo meu paizinho com um gosto que sempre me surpreendeu, pois acho indispensável delicadeza em todos os nossos actos ou palavras, especialmente no caso de tratarmos com pessoas ou com nações de um nível económico-sociocultural superior ao nosso e nesse ponto não devemos ter veleidades de comparação com a Inglaterra, muito mais no norte do que nós.
Chamar hoje em dia, como no tempo do Guerra Junqueiro, bêbada à Inglaterra, é, por outro lado, pura descortesia, em contradição com o decréscimo de exportações sofrido presentemente pelo nosso vinho do Porto, facto esse notório de sobriedade e abstinência que anulam irremediavelmente os dizeres excitados do Junqueiro, declamados pelo meu paizinho com honrado vigor.      
…Quanto ao cinismo da Inglaterra, o Guerra Junqueiro estava evidentemente escamado por causa da questão do mapa cor de rosa, quando a Inglaterra nos refutou a ocupação da parte da África em cor de rosa no mapa, mas de facto, não vejo cinismo nisso e apenas um fenómeno de atracção pela cor, comum a diversos seres.
Já o abandono dos Estados Unidos no caso de Angola (e mesmo de Moçambique) me surpreendeu, mas atribuí-o a uma ampla generosidade para com a Rússia, que tanto tem demonstrado a sua necessidade de se ampliar, e incluí a questão dentro de um justificativo de ordem bíblica, digno do apreço de Cristo e portanto do meu também, como sua afeiçoada. ….»

O excerto de Abdelwahab Meddeb «O colonialismo deu lugar a alianças entre países soberanos» veio provar a razão daqueles que pensavam que os tais países democráticos apenas desejavam ocupar os lugares dos primeiros colonizadores, substituindo, é certo, domínio ou sujeição por colaboracionismo independente e apenas lucrativo para ambas as partes.
E eis a história desses donos do petróleo, nas suas realizações materiais de esplendoroso fascínio.
 Quanto aos povos africanos independentes e livres, eles aí vêm em fuga dos seus espaços de ditaduras, os ditadores – esses sim - gerindo os seus bens e a sua autoridade próprios, no meio da miséria, da guerra e do infortúnio gerais, de vidas acabando, tantas vezes, no fundo desse Mediterrâneo que é traço de união monstruoso entre Europa, Ásia ocidental e África.
Quanto às Arábias, essas explodem em luxo “asiático”, nas alianças feitas pela calada, com o tal povo americano do domínio, a coberto de uma solidariedade que redundou em tragédia, como era de prever.

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