Foram publicados, no “A Bem da Nação”, sob a rubrica “Colonialismo”,
dois textos de datas diferentes – um, escrito por Simone Weil - In “A propósito da questão
colonial nas suas relações com o destino do povo francês” (1943),
in Écrits historiques et
politiques, pág. 375, Paris, Gallimard, 1960. Outro escrito por Abdelwahab
Meddeb, In “A DOENÇA DO ISLÃO”, ed. Relógio d’Água, Lisboa, 2005, pág. 78.
O 1º
Texto, de Simone Weil:
«A América, não tendo colónias e, por conseguinte, prejuízos
coloniais e aplicando candidamente os seus critérios democráticos a tudo o que
não olha para ela, analisa o sistema colonial sem simpatia. Está, sem dúvida, à
beira de sacudir seriamente a Europa entorpecida pela rotina. Ora, tomando
partido pelas populações submetidas por nós, fornece-nos, sem o perceber, o
melhor apoio para resistir, no futuro próximo, à sua própria influência. A
América não o percebe; mas o que seria desastroso era que nós também não o
percebêssemos.»
O segundo texto, de Abdelwahab Meddeb
O colonialismo tradicional deu lugar, a pouco e pouco, a alianças
entre países soberanos, que se desdobram em protectorados implícitos onde o
poder protector partilha grande parte da riqueza com os autóctones que protege.
Na Arábia Saudita ou nos Emiratos Árabes Unidos, o visitante fica impressionado
com o conforto material que envolveu as cidades, cujo perfil é testemunho de
uma americanização mais global, muito para lá dos produtos luxuosos que
estorvam o quotidiano do povo. Contudo, a legislação daqueles países mantém a
aparência estrita da lei religiosa arcaica, mesmo se, no que respeita ao
direito dos negócios, garantia da participação local no mercado mundial, o
contratante autóctone se enrosque, mais do que admite, no molde do direito
internacional. Este tipo de acomodações faz-se às escondidas; e permite-se que
se aja desde que se salvem as aparências.
Verificamos,
por eles, uma progressão nos conceitos de colonialismo e descolonização
comandados pelo povo americano - de pujança benemérita em compatibilidade com a
sua pujança económica nos tempos de Simone Weil, de cooperação material na
reciprocidade dos benefícios, nos nossos tempos, segundo o texto de Abdelwahab
Meddeb.
A
necessidade de resistência aos desígnios americanos segundo a advertência de
Simone Weil não se processou contudo, seguindo-se as descolonizações - a nossa
exemplar, como gostamos de referir, na descompressão de responsabilidades,
nosso apanágio. Lembro-me de que, quando Kennedy foi assassinado – o meu João nasceu
daí a dias – eu apenas referi com pena os filhos que ficavam órfãos, esquecidos
os rancores para com quem usava do seu prestígio para destruir levianamente o contributo
de outros para o desenvolvimento africano.
Este
texto a propósito do conceito de colonialismos, anterior e actual, veio
despertar velhos rancores que também traduzi em tempos, como os passos
seguintes de “Ó cínica Inglaterra, ó bêbada impudente” (“Cravos Roxos”, 1981):
«Ultimamente
tenho-me lembrado muito dos versos do Guerra Junqueiro supracitados, tantas
vezes referidos pelo meu paizinho com um gosto que sempre me surpreendeu, pois acho
indispensável delicadeza em todos os nossos actos ou palavras, especialmente no
caso de tratarmos com pessoas ou com nações de um nível económico-sociocultural
superior ao nosso e nesse ponto não devemos ter veleidades de comparação com a
Inglaterra, muito mais no norte do que nós.
Chamar
hoje em dia, como no tempo do Guerra Junqueiro, bêbada à Inglaterra, é, por
outro lado, pura descortesia, em contradição com o decréscimo de exportações
sofrido presentemente pelo nosso vinho do Porto, facto esse notório de sobriedade
e abstinência que anulam irremediavelmente os dizeres excitados do Junqueiro,
declamados pelo meu paizinho com honrado vigor.
…Quanto
ao cinismo da Inglaterra, o Guerra Junqueiro estava evidentemente escamado por
causa da questão do mapa cor de rosa, quando a Inglaterra nos refutou a
ocupação da parte da África em cor de rosa no mapa, mas de facto, não vejo cinismo
nisso e apenas um fenómeno de atracção pela cor, comum a diversos seres.
Já
o abandono dos Estados Unidos no caso de Angola (e mesmo de Moçambique) me
surpreendeu, mas atribuí-o a uma ampla generosidade para com a Rússia, que tanto
tem demonstrado a sua necessidade de se ampliar, e incluí a questão dentro de
um justificativo de ordem bíblica, digno do apreço de Cristo e portanto do meu
também, como sua afeiçoada. ….»
O
excerto de Abdelwahab Meddeb «O colonialismo deu lugar a alianças
entre países soberanos» veio provar a razão daqueles que pensavam que os
tais países democráticos apenas desejavam ocupar os lugares dos primeiros
colonizadores, substituindo, é certo, domínio ou sujeição por colaboracionismo
independente e apenas lucrativo para ambas as partes.
E
eis a história desses donos do petróleo, nas suas realizações materiais de
esplendoroso fascínio.
Quanto aos povos africanos independentes e
livres, eles aí vêm em fuga dos seus espaços de ditaduras, os ditadores – esses
sim - gerindo os seus bens e a sua autoridade próprios, no meio da miséria, da
guerra e do infortúnio gerais, de vidas acabando, tantas vezes, no fundo desse
Mediterrâneo que é traço de união monstruoso entre Europa, Ásia ocidental e
África.
Quanto
às Arábias, essas explodem em luxo “asiático”, nas alianças feitas pela calada,
com o tal povo americano do domínio, a coberto de uma solidariedade que
redundou em tragédia, como era de prever.
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