Pertencem a Vasco Pulido Valente,
vêm nos Públicos de 6, 27 e 28 de Março, um festival informativo
de variedades, ilustradas por um pensamento coerente, sóbrio, preocupado e como
sempre fortalecido pelo saber feito de estudo, ultimamente mais sintonizado com
um inesperado conservadorismo de tipo “Velho do Restelo”, que a experiência de
vida tornou mais entristecido, apesar da acutilância habitual.
«Tradições do Império» (6/3/15) utiliza o
paralelismo entre o estalinismo responsável pela morte de 10 milhões, com o
assassinato de um orador refractário - Kirov - desencadeador do “Grande
Terror”, e o putinismo, provavelmente na origem de novo Terror, que o
assassínio de Boris Nemtsov perspectiva: “E, por mim, acredito que a continuação da história provará que sim.
Nemtsov é o Kirov do nosso tempo”.
«Henrique Neto» (27/3) entra de chofre com a descrição sobre um candidato socialista
presidencial – mais um, e a procissão ainda vai no adro – desdenhado à partida por
membros socialistas - talvez com repulsa por ser candidato bem sucedido, é certo,
na realização laboral e capitalista, mas sem diploma universitário - entre os
quais António Costa, a quem é indiferente, o que merece a Pulido Valente
questionário cerrado a Costa sobre outros digníssimos candidatos socialistas, sinteticamente
e significativamente descritos e com diplomas, mas afinal tão vazios ou nulos como
os demais, prenunciando catástrofe. Quanto aos candidatos de direita, a ironia do
articulista os destrói, donde se segue que Henrique Neto se torna o candidato
aprovado por Pulido Valente: «No meio disto, desta pobreza e desta
inconsciência, porque não a extravagância de Henrique Neto?»
«Viagem à Europa» historia o “passeio dos
tristes” que António Costa tem feito pela Europa, exteriormente com
fotografias de praxe e apertos de mão da pose sorridente, interiormente não se
saberá talvez o teor das combinações, se algumas houve. É pessimista o conceito
de Pulido Valente a respeito do futuro da União Europeia, pessimismo a que
Costa não pode ser alheio, sem grandes ilusões sobre as suas políticas de
futuro continuador ministerial, numa Europa a esfrangalhar-se.
Os textos de Vasco Pulido Valente, num folar pascal
com os ingredientes precisos, envoltos em “sal ático” a substituir o pouco açúcar:
Tradições
do império
Sergei Mironovich Kirov, de quem hoje ninguém se lembra,
era secretário da Comissão Central do PCUS (Partido Comunista da União
Soviética) e também primeiro-secretário da organização de Leninegrado. Em 1 de
Dezembro de 1934, foi assassinado por um militante desconhecido, Nikolaiev,
protegido por Yagoda, nessa altura chefe d
a NKVD, predecessora da KGB.
Este
crime, aparentemente inexplicável, inaugurou o “Grande Terror” de 1935-1938, em
que morreram, pelo menos, 10 milhões de pessoas. Hoje está provado que Estaline
o mandou matar. Porquê? Porque Estaline queria reduzir o Estado, o Partido, o
exército e o povo a uma condição de obediência absoluta, eliminando qualquer
possível centro de resistência ao seu poder e à sua vontade. Popular em
Leninegrado e nos meios do PCUS, e ainda por cima um óptimo orador, Kirov não
podia ser deixado à solta.
Não
tendo a NKVD, nem o Gulag (como existia na URSS), Putin é obrigado a recorrer a
uma espécie de milícias, que lembram as SA do nazismo antes de 1923, e a grupos
de “segurança” indescritos que o Estado paga. Mas precisa, como Estaline, de
eliminar a oposição (por fraca que pareça) para continuar a desenvolver a
política, já abundantemente manifesta, de acabar com a União Europeia e a NATO
e de rever a favor da Rússia o status quo, estabelecido em 1989-1991. A Rússia
intervém hoje na República Checa, na Eslováquia, na Hungria (de Vítor Orban),
na Grécia e até em França, para não falar da Crimeia e da Ucrânia. A dimensão e
o radicalismo da estratégia de Putin exigem um clima de histeria nacionalista
na Rússia e a liquidação imediata de qualquer dissidência.
Boris
Nemtsov acabou com quatro tiros nas costas, porque tinha sido vice
primeiro-ministro e chefe de partido; porque era conhecido e um activista; e
porque naturalmente se opunha à louca e maléfica aventura de Putin. E é curioso
que o próprio Putin, como Estaline, declare agora que o assassinato de Nemtsov
foi um crime político, porque isso lhe permite daqui em diante descobrir
conspiração atrás de conspiração e liquidar mansamente quem se atrever a
contrariar os seus desígnios, à capa de um pretexto embaraçoso para o Ocidente.
Alexandre Navalny, apesar de preso, declarou que Putin dera a ordem para matar
Nemtsov. A lógica das coisas sugere que sim. E, por mim, acredito que a
continuação da história provará que sim. Nemtsov é o Kirov do nosso tempo.
Henrique Neto
Henrique
Neto, um velho socialista, achou de repente que o país precisava das suas luzes
e resolveu apresentar a sua candidatura a Presidente da República.
Está
no seu direito, mas foi logo zelosamente insultado pelas luminárias do PS. Ao
admirável José Lello, lembra Beppe Grillo. Para Augusto Santos Silva, com a sua
elegância habitual, não passa de um bobo. E António Costa declarou à pressa que
o episódio lhe era “indiferente”: Henrique Neto, para efeitos práticos, não
existia. No que não deixa, em certa medida, de ter razão. Sem dinheiro, sem
apoio no partido, sem uma organização própria, sem um nome nacional, Neto com
certeza que não irá longe. Costa podia talvez mostrar alguma curiosidade pelos
motivos que levaram um homem de 78 anos, modesto e com uma excepcional carreira
na indústria, a sair da sombra. Infelizmente, Costa não se interessa por essas
bagatelas.
Só
que, posto de parte cavalheiramente este fantasma da Marinha Grande, ficam
algumas perguntas, que merecem resposta. Será, por exemplo, que, a benefício de
uma amnésia incurável e total, Costa já esqueceu o que foram os bons tempos de
António Guterres: a indecisão diária, a desordem no Governo, a ausência de
autoridade, o populismo intermitente de um primeiro-ministro católico? A sério
que gostava de ver esse melancólico espectáculo repetido em Belém? Ou prefere
Vitorino, o advogado de negócios, que nunca abriu a boca sobre o estado, o
destino e o caminho de Portugal? Ou a invenção de Soares, que dá pelo nome de
António Nóvoa, e que não se recomenda por mais do que uma oratória com um
século de atraso e uma vacuidade absoluta? Esses não são bobos, nem Grillos,
nem indiferentes?
A
direita não comentou a candidatura de Henrique Neto. Por motivos tácticos mais
do que óbvios, mas também porque evidentemente não se sente segura. Durão
Barroso, eleito pelos portugueses para primeiro-ministro, arranjou na “Europa”
um emprego melhor. Marcelo Rebelo de Sousa é um comentador (exclusivamente
preocupado com a “apresentação” das políticas) a quem, ao fim de 30 anos de
televisão, não se conhece uma convicção, um princípio, um objectivo. Rui Rio,
fora a importância que ele a si mesmo se atribui, é uma personagem secundária
do Porto. E Santana Lopes continua heroicamente Santana Lopes. No meio disto,
desta pobreza e desta inconsciência, porque não a extravagância de Henrique
Neto?
Viagem
à Europa
Chegou
a vez de António Costa fazer o passeio dos tristes. Foi a Itália falar com
Renzi (e aproveitou como bom jacobino para cumprimentar o Papa de “esquerda” e o
convidar para vir a Lisboa, com um pretexto frívolo). A seguir foi a França
falar com Hollande (um grande amigo, claro) e exibir-se sorridente e grave à
porta do Eliseu.
Fora
que nem Renzi, nem Hollande o podem ajudar, a viagem talvez não tenha sido inútil.
É possível que esta espécie de turismo eleitoral impeça Costa de repetir as
figuras de Varoufakis em Bruxelas, para as quais, de resto, não é
emocionalmente dotado. E também não é de excluir que de caminho aprendesse em
primeira mão alguma coisa sobre o estado lastimoso da Europa e sobre o pouco
que pesam as desgraças de Portugal na balança política dos “grandes”.
Claro
que António Costa já lera com certeza centenas de relatórios sobre o assunto.
Mas nada substitui a confirmação de quem sabe e viu. A sra. Merkel e o sr.
Hollande (já sem força política) estão os dois perante a presuntiva
desagregação da Europa. Ao contrário do mito que mais tarde sustentou a
propaganda oficial, a Europa nasceu de uma série de circunstâncias largamente
aleatórias e, mais do que isso, irrepetíveis. Acontece que hoje as
circunstâncias lhe são desfavoráveis. Para a Europa do Leste (que a Rússia
ocupava), a “Europa” era a solução para o seu isolamento e a sua pobreza. Mas
não foi. O Estado social, sempre uma ilusão, continua hoje como era ontem; a
democracia é, excepto na Polónia, uma democracia limitada e muito vigiada; a
miséria não desapareceu e até, para muita gente, aumentou; e o isolamento
continua. A sra. Merkel e o sr. Hollande, com pouco dinheiro ou sem dinheiro
nenhum, precisam de mudar tudo isto.
Não
vale a pena insistir nas depredações que a evolução do mundo acabou por trazer
à economia da Europa Ocidental. Vale a pena perceber que o desastre não foi
uniforme e que a Catalunha, a Lombardia, a Escócia, os departamentos do Sudeste
da França, que não deixaram de prosperar e de se expandir, se querem livrar dos
velhos limites nacionais numa Europa que não interfira na sua vida. Para tratar
destes problemas os “contribuintes líquidos” variam entre quatro e cinco e
contribuem regularmente menos. É neste campo de aflição e derrota que António
Costa desembarca, agitando as desventuras de Portugal. Não se deve surpreender
se não o tratarem com a compreensão e complacência que ele espera.
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