«Mas que Observatório é este?»,
um texto de
João Miguel Tavares, saído no Público de 2/4/15. É sobre a manipulação
dos dados estatísticos, desta vez sobre o desemprego nacional, que ultrapassou
fronteiras, segundo informação colhida no “El Mundo”, por via do escândalo do “décalage”
entre os números apresentados pelos do Governo e os do Observatório sobre
Crises e Alternativas da Universidade de Coimbra, bem mais assustadores os
últimos, naturalmente.
Assim, João Miguel Tavares
indigna-se como Carvalho da Silva sabotou os dados da sua sondagem sobre o
desemprego manipulando informações ao sabor dos seus interesses partidários,
criando categorias de desemprego que não lembrariam ao diabo.
Um texto de João Miguel
Tavares, de natural indignação e preocupação sobre a forma como se cria “ciência”
no país, destituída de rigor, para favorecer especulações demagógicas.
Foi Jane Austen que escreveu
romance imortal sobre uma tal sociedade aristocrática inglesa tolamente racista
no seu preconceito exagerado de escalões hierárquicos, vencidos, contudo, pelo
poder do amor, quando este se impõe por idêntica altivez e consciência igualitária.
“Orgulho e Preconceito” se chamou essa obra de título dicotómico, de descritivo
social rico e que o cinema transpôs ao écran em série de extrema graciosidade e
encanto musical e paisagístico, com riqueza de costumes e variedade de figuras e
conflitos sociais.
“Sensibilidade e Sanha” é o
título que adapto a este texto de João Miguel Tavares, dicotomia aplicável ao
grupo de extremistas que, neste país, pretendem fazer chegar a sua mensagem
piedosa, de sensibilidade pelos oprimidos – cuja existência, todavia,
favorecem, no seu contributo destruidor do equilíbrio da nação, pela constante demonstração
colérica contra os que se aplicam na reconstrução desta.
«Mas
que Observatório é este?»
«Notícia do El Mundo de 27 de Março: “No princípio deste
mês, o Eurostat revelava que Portugal era o terceiro país onde mais se havia
reduzido a taxa de desemprego, até 13,3% em Janeiro passado. No entanto, um
estudo divulgado hoje pelo Observatório sobre Crises e Alternativas da
Universidade de Coimbra revela que estes números oficiais podem estar muito
abaixo dos números reais. Segundo esse estudo, a taxa real de desemprego em
Portugal estaria nos 29%.” A notícia tinha como título: Estará Portugal a
maquilhar os seus dados do desemprego?
Eu
não tenho dúvidas de que os números do desemprego em Portugal sejam altíssimos
— aliás, segundo o mesmo Eurostat, o desemprego subiu para 14,1% em Fevereiro.
Também sei que muitos postos de trabalho estão a ser criados artificialmente
desde 2013 através do esquema de estágios anuais subsidiados pelo IEFP. Mas,
ainda assim, 29% de desemprego real? Vinte-e-nove-por-cento?!? Só para termos
uma noção, estima-se que a taxa de desemprego nos Estados Unidos em 1933, pleno
pico da Grande Depressão, tenha batido nos 25%. Teremos nós um nível de
desemprego real quatro pontos percentuais acima da maior depressão do século
XX? Foi para tentar perceber como ocorreu este milagre da multiplicação dos
números do desemprego que eu decidi ir observar o Observatório sobre Crises.
***
E
aquilo que observei, num boletim intitulado Barómetro das Crises n.º13, seria
coisa para ficar excelentemente no portal da CGTP, mas que é uma vergonha
constar de um site que invoca a caução científica da Universidade de Coimbra.
Carvalho da Silva saiu da liderança da CGTP para a investigação no Centro de
Estudos Sociais do professor Boaventura Sousa Santos, mas os métodos de
trabalho mantiveram-se inalterados. Para chegar aos 29%, o Observatório que ele
lidera soma aos desempregados propriamente ditos um conjunto de categorias
criativas de quem nem Karl Marx se lembraria: os “desempregados ocupados” (que
são, na verdade, empregados subsidiados), os “inactivos desencorajados” (que
incluem aqueles que por opção de vida não querem trabalhar, como Kiki Espírito
Santo), os “activos migrantes” (mais conhecidos por emigrantes) e o
“subemprego” (trabalhadores a tempo parcial que gostariam de trabalhar mais
horas). É somando isto tudo que o Observatório sobre Crises e Alternativas
chega à conclusão de que o desemprego real em Portugal é de 29,1%.
Bravo!
Mas, ainda assim, e se era para dar largas à imaginação, acho que poderiam ter
ido um pouco mais longe. Bastava juntar o número de empregados que não estão
satisfeitos com o seu trabalho (“activos infelizes”), os que estando
insatisfeitos ainda não o conseguiram admitir para si próprios (“activos que
não saíram do armário”), os que gostariam de passar mais tempo em casa, se
tivessem essa possibilidade (“inactivos potenciais”), os que acham que recebem
mal em relação ao que trabalham (“activos descontentes”), ou os que sonham em
ganhar o Euromilhões (“activos sonhadores”), e penso que Carvalho da Silva,
Boaventura e a malta do CES conseguiriam com facilidade conduzir a taxa de
desemprego até perto dos 100%.
Devo
garantir que eu adoro diversidade e gente que discorda de mim. Mas
assegurem-me, por amor de Deus, que não é este o género de “ciência” que se
anda a praticar nas universidades portuguesas. E, de caminho, jurem-me que nem
um cêntimo dos meus impostos está a servir para pagar o Observatório sobre
Crises e os fetiches ideológicos do senhor Boaventura.»
João Miguel Tavares, jornalista
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