É Jean-Paul Sartre que, em “Les Mots”
conta a sua relação com o seu avô Charles Schweitzer, casado com a avó Louise, com
os quais viveram, ele e a sua mãe Anne-Marie, após a morte de seu pai,
Jean-Baptiste Sartre, Jean-Paul com apenas dois anos de idade. Desde cedo criança precoce,
tornou-se o ídolo do avô, nos seus jeitos de exibicionismo narcisista, para
atrair as atenções gerais e do seu avô em particular, derretido com os
prodígios de raciocínio da criança que ele ajudava a esculpir. Escrito em tom
jocoso, desmistificador, o olhar do narrador não pretende deixar-se comover por
sentimentos de simpatia pelo órfão desvalido que, afinal, ele não foi, ou
sequer pela família burguesa que o protegia e que ele escalpeliza com a ironia de quem, acima de tudo, pretende
desmascarar-se a si próprio, nos seus artifícios malabaristas que o levam ao
mundo dos livros da biblioteca do avô, como meio de exibir perante os mais as suas graças de geniozinho.
Foi um programa passado na TV24, em
25 de Abril, que me fez lembrar-me da autobiografia de Sartre, não pela
semelhança de situações mas pela semelhança de malabarismos exibicionistas,
neste caso de adultos lembrando aos jovens alunos assistentes, que eles
próprios foram jovens, protagonistas de algo que se fizera quatro décadas antes,
que despertara o país para horizontes mais amplos de ideologias mais abertas e
modernas, ao que parece, respeitadoras dos direitos humanos.
Freitas do Amaral, Jerónimo de Sousa,
Marcelo Rebelo de Sousa, Ângelo Correia, Jorge Miranda, Basílio Horta - contaram
a história em que foram participantes, revelando que, graças a eles e a outros jovens
da altura, o país dera meia volta. E contaram do quartel do Carmo e da
Constituição, e do que fora mudado, do que significava o regime anterior, do
que significava a democracia actual, que os estudantes estavam fartos de
conhecer, não conheciam outra.
Mas contaram das mazelas também.
Sobretudo Jerónimo de Sousa, que tinha que pôr o dedo na ferida das muitas
desgraças que por aí vão, ressabiado por não ser ele a promovê-las. O regime
tinha que ser botado abaixo, isso era mais que sabido, e fora, mas não contaram
do país que também fora deitado abaixo, porque dizê-lo seria falar em traição e
essa parte ninguém quis assumir porque era feio reconhecê-lo, e um mau exemplo,
para todos os efeitos. Se bem que talvez nem se apercebessem disso, esses
conceitos de traição sendo muito relativizados hoje, o patriotismo mais do
conhecimento geral em termos futebolísticos. Falaram da Constituição e doutras
questões de glória, mas também esconderam os empréstimos e outras mazelas, malabaristas
orgulhosos, sofismando e sonegando dados, mas não há tempo para contar tudo,
que aliás está morto.
São heróis. Eles são os nossos heróis.
Cavaleiros felizes desdobrando-se em recontos dos seus heroísmos, na cavalgada
do tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário