Muitas vezes sinto precisão de aplicar também à minha
pessoa este queixume, que geralmente serve para usar na 3ª pessoa, em referência às do espectáculo mediático,
quer se trate das vítimas das tragédias diárias, distantes ou mais próximas, quer
das referidas pelas pessoas da humanidade prestável, que passa de largo, contudo,
as minhas queixas não mediáticas, mas nem me ralo, habituada que estou às
desconsiderações da vida.
E é a minha amiga o carrasco pois, quando acorda com
os azeites, só vê o mal em tudo o que vê, não desculpa nada nem ninguém, até me
lembra a Catarina Martins que agora está moda, por causa das ironias que diz,
capazes de consertar o mundo de um governo que não lhe serve, e o que todos nós
acima de tudo prezamos é o bota abaixo dela, por isso está na moda, fazendo
sentir a todos que, se fosse ela que mandasse, tudo seria melhor na questão das
vítimas e dos direitos, passando de lado a questão das dívidas, coisa de
somenos, por isso não esclarece sobre como faria para não entrar neste clima de
austeridade que é o nosso e que ela ironiza em ademanes faceiros.
Todos estes queixumes de vitimização me vêm do café do
domingo passado, que não passámos com a minha irmã, em Paris com a filha mais
velha e os netos, em passeios de fazer inveja, embora eu pense que agora já
ninguém me arrancaria do doce lar do meu reumático, até porque nele também me
passeio em belezas trazidas pelo progresso que a gente inteligente fabrica, limitando-me
à caminhada suavemente deslizante na calçada das compras - quando não enfio, é
certo, o sapato nalgum buraco disponível, o que me obriga a andar de olhos
baixos, na preocupação da pesquisa desses.
Foi, precisamente, o tema da conversa da minha amiga,
no domingo passado, não sei se para me fazer sentir que a terra que eu deixara
lá ao pé dela e nos permitia, nesses tempos, fazer saídas diárias, é muito mais
chique do que esta onde me vim enfiar. Em vez de ser eu a ir ter com ela, veio
ela ter comigo, trazida pelo filho, e depois do café e do queque na esplanada
por baixo do meu apartamento, fomos dar uma volta até à praia, não só para
andarmos um pouco, coisa que ela faz todos os dias com a elasticidade
necessária e que eu recuso, no recolhimento natural da osteoporose que se preza,
como também para ela rever espaços desta terra do seu conhecimento antigo.
Passámos pelo parque, com lago e patos e pombas e
baloiços e esplanada, onde os meus netos por vezes vão e a minha mãe já ia, e a
minha amiga, sempre sagaz na observação e nos remoques, logo me perguntou como
se chamava o parque, como se eu tivesse culpa de o parque não ter nome nenhum, é
o parque da Parede e mais nada e nem eu nunca pensara em lhe atribuir qualquer
outro distintivo. Mas lembrei os parques de Lourenço Marques, todos com nomes, o
Vasco da Gama, o José Cabral, o Silva Pereira, outros havia bem conhecidos, o
Bois de Boulogne, que a minha irmã visitou agora, o Hyde Park… O da Parede era incontestavelmente apenas parque,
nenhum outro nome estava lá escrito, o que fez a minha amiga, sempre exigente,
lançar-se em doestos contra o presidente da Câmara de Cascais. Mais moderada, expliquei-lhe
que o parque já era antigo e presidentes houve muitos.
Depois, foi o sol que assustou a minha amiga, na praia
que logo abandonámos. E a seguir a calçada, e as amigas que caíram nela recentemente, uma partindo o pé, outra,
mais velha, o colo do fémur… Perguntou-me se eu sabia a origem da calçada e eu
respondi-lhe que talvez esta fosse inspirada nas estradas romanas de lajes
fortes, como havia tantas por cá, mas essas eram eternas, de pedra larga, ao
passo que a nossa calçada era de pedra miúda, a condizer com o nosso tamanho, e
de vez em quando abre buracos deixando as pedras soltas para a topada, ou os
buracos para a queda, além dos altos e baixos da sua flutuação igualmente propícia
aos tombos. A minha amiga gosta de saber tudo com pormenor e não acredita na
minha ciência de imaginação, a respeito da origem da calçada, mandando-me ver
na internet. Ainda lhe expliquei que também ela podia procurar na dela, mas replicou
que é um pouco avessa à internet, até porque prefere os prazeres da conversa com as suas amigas
diárias, não é como eu, aqui agarrada à cadeira da minha curiosidade e da
minha osteopatia. Por isso docilmente, procurei na internet e achei o longo
texto explicativo, feito, naturalmente, por um brasileiro. Dele extraio o
seguinte passo - mas a minha régia amiga não vai agradecer, sempre confiante na
minha docilidade, vítima que sou:
«…
A calçada à portuguesa, tal como o nome indica, é originária de Portugal,
tendo surgido tal como a conhecemos em meados do século
XIX. Esta é amplamente utilizada no calcetamento das áreas pedonais, em
parques, praças, pátios, etc. No Brasil, este foi um dos mais populares
materiais utilizados pelo paisagismo do século
XIX, devido à sua flexibilidade de montagem e de composição plástica. A sua
aplicação pode ser apreciada em projetos como o do Largo de São Sebastião,
construído em Manaus
no ano de 1901 e que inspirou o famoso calçadão
da Praia de Copacabana (uma obra de Roberto Burle Marx) ou nos espaços da antiga Avenida
Central, ambos no Rio de Janeiro[1]
.»
Um comentário:
Mãe:
Chama-se Parque Morais - Mas conhecido por toda a "Sociedade da Parede" por O Parque dos patinhos...
Situado no centro histórico da Parede foi, no início do século XX, propriedade de Domingos José de Morais, industrial abastado, dono da fábrica "Portugal e Colónias".
Beijos
Artur
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