A pergunta da minha amiga hoje, feita do modo inquisitorial que não há meio de perder, como se fosse da minha competência a resolução dos problemas que a enervam, versou sobre a calçada à portuguesa, que ela achou própria de um mundo arcaico, sem funcionalidade, imprópria para o livre trânsito de pessoas, velhos, deficientes, senhoras de tacão alto e mesmo baixo, pois a cada passo uma pedra calcária ou basáltica, solta do seu lugar, rola sob a topada do nosso pé incauto, ou vamos parar ao chão nalgum baixio, após a subida de uma lomba, com que a calçada à portuguesa nos brinda sem contemplações. Aconteceu com ela, aconteceu comigo e com amigos respectivos. Mas também é da idade, concordo, e disso a calçada não é responsável. Por enquanto tem sido o pé o mais azarado mas ela tem amigos a quem foi o fémur que levou à cama.
O problema que põe é, pois, se os serviços de estatísticas, ou de sondagens que tanto nos apraz utilizar, já determinaram a percentagem dos acamados da calçada – a) os de ossos partidos, que apesar de tudo saem mais baratos, com a maior comparticipação dos serviços sociais, b) os de sobrolho esfarrapado, ou mesmo o olho, mais grave ainda, e óculos partidos, com menor comparticipação dos mesmos serviços. O c), dos outros casos, ela não explorou, apenas atenta aos da sua experiência..
“Herdámos a calçada”, constata indignada, “o remédio é andar de cabeça baixa, a olhar para o chão”.
Isso já eu faço, numas cautelas imprescindíveis, ora apoiada no companheiro, de piso mais certo, ora nalgum corrimão ocasional, que não favorece a ligeireza ou a elegância da marcha, há muito retiradas da minha frustração, limitando-me a olhar apreciativamente o donaire das damas que passam de cabeça erguida. O chão, sempre o chão, por mim mirado com cautela periclitante, desdenhando, em orgulhosa aparência de aprumo, o apoio da bengala que me vão aconselhando, em função da calçada.
Comentamos estes luxos de paciência lusa, que já nos deram a azulejaria mourisca, e que nos conduzem directamente à romanização, e aos mosaicos das ruínas romanas com que enriquecemos a nossa conversa, depois de apaziguada a causa dela. Mas na Internet lemos que foi em meados do século XIX que se iniciou o trabalho dos calceteiros, “de cócoras, em linha”, “com lentidão, terrosos e grosseiros”, calçando, “de lado a lado a longa rua”, na visualização aliterativa de Cesário. E vimos belos exemplares de calçadas nas imagens também ali oferecidas, espalhadas pelo mundo lusófono.
Mas, na sua altivez progressista, a minha amiga desdenhou a arte e o esforço, exigentes de muitos gastos supérfluos a um país sem condições para os ter, nem sequer para os consertos, ainda lembrando as deficientes condições que nele se oferecem aos que sofrem de deficiências, e que os actores de revista, não sei se do Parque Mayer, com Marina Mota à cabeça, tinham, pouco antes, revelado exaltadamente e emotivamente, na TVI.
“A calçada à portuguesa lixa o português, trata-se de uma velha e danada herança penalizadora”, diz.
E eu apoio: “Um país que, assim atento a desenhar o chão, não só nos impede de progredir, como, a cada passo, nos tira o tapete de debaixo dos pés...”
O problema que põe é, pois, se os serviços de estatísticas, ou de sondagens que tanto nos apraz utilizar, já determinaram a percentagem dos acamados da calçada – a) os de ossos partidos, que apesar de tudo saem mais baratos, com a maior comparticipação dos serviços sociais, b) os de sobrolho esfarrapado, ou mesmo o olho, mais grave ainda, e óculos partidos, com menor comparticipação dos mesmos serviços. O c), dos outros casos, ela não explorou, apenas atenta aos da sua experiência..
“Herdámos a calçada”, constata indignada, “o remédio é andar de cabeça baixa, a olhar para o chão”.
Isso já eu faço, numas cautelas imprescindíveis, ora apoiada no companheiro, de piso mais certo, ora nalgum corrimão ocasional, que não favorece a ligeireza ou a elegância da marcha, há muito retiradas da minha frustração, limitando-me a olhar apreciativamente o donaire das damas que passam de cabeça erguida. O chão, sempre o chão, por mim mirado com cautela periclitante, desdenhando, em orgulhosa aparência de aprumo, o apoio da bengala que me vão aconselhando, em função da calçada.
Comentamos estes luxos de paciência lusa, que já nos deram a azulejaria mourisca, e que nos conduzem directamente à romanização, e aos mosaicos das ruínas romanas com que enriquecemos a nossa conversa, depois de apaziguada a causa dela. Mas na Internet lemos que foi em meados do século XIX que se iniciou o trabalho dos calceteiros, “de cócoras, em linha”, “com lentidão, terrosos e grosseiros”, calçando, “de lado a lado a longa rua”, na visualização aliterativa de Cesário. E vimos belos exemplares de calçadas nas imagens também ali oferecidas, espalhadas pelo mundo lusófono.
Mas, na sua altivez progressista, a minha amiga desdenhou a arte e o esforço, exigentes de muitos gastos supérfluos a um país sem condições para os ter, nem sequer para os consertos, ainda lembrando as deficientes condições que nele se oferecem aos que sofrem de deficiências, e que os actores de revista, não sei se do Parque Mayer, com Marina Mota à cabeça, tinham, pouco antes, revelado exaltadamente e emotivamente, na TVI.
“A calçada à portuguesa lixa o português, trata-se de uma velha e danada herança penalizadora”, diz.
E eu apoio: “Um país que, assim atento a desenhar o chão, não só nos impede de progredir, como, a cada passo, nos tira o tapete de debaixo dos pés...”
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