sexta-feira, 31 de julho de 2009

“Olha lá os reis”

- Olha lá os reis, que estão a ser recebidos sabe por quem?
Não sabia.
- Então não viu o noticiário?
Não tinha visto, confirmei tristemente, com o peso na consciência. Desculpei-me:
- A essa hora dá o “Allô, allô” e logo a seguir o “Sherlock Holmes”, não posso prescindir.
- Mas já deram tanta vez!
- O que é bom nunca cansa. De resto, é mais uma necessidade de evasão das brutalidades da vida que me faz perder, às vezes os noticiários. Mas eles vão repetir
.
Estávamos a falar do aumento de inscrições na disciplina de espanhol em substituição do francês, nas escolas e logo a minha amiga considerou que não tarda aí a integração do nosso Portugal na Espanha.
Estrebuchei de raiva, incapaz de assumir tal perspectiva. Continuou, indiferente ao meu estrebuchar:
- Então não sabe? Recebidos na Madeira, por aquele doido do Jardim. Ele tem que se portar bem à mesa, tem que ter cuidado!
- Ah! Os Reis de Espanha já estão habituados às parolices, mesmo em espanhol. O Rei Juan Carlos até mandou calar o Hugo Chaves, cheio de razões para isso. À Madeira vai só de visita, e o Alberto João sabe com quem lida. Servilismos são connosco e o Jardim não foge à regra, se lhe convier.
- É verdade, mas eu acho que é o doido que ainda faz obra!
- Mas foi ele a recebê-los?
- Não, o Cavaco foi lá à Madeira, com a esposa, prestar vassalagem. Não vi o Jardim. Mas ele deve ir a qualquer repasto de gala.
- Esperemos, então, que se porte à altura e que não trate desta vez o Presidente por Sr. Silva.
Vivemos num país em franca erosão, é certo, mas não se pode admitir tudo, mesmo ao Jardim, que, embora rei na sua quinta, não lhe dá isso o direito de desconsiderar o Presidente do seu país da maneira como o faz.
A propósito disso, porque me parece que ambos o amam, já que pertencem à velha guarda que respeitava o solo pátrio, vou contar uma fábula de La Fontaine sobre a necessidade de sermos todos solidários, para salvaguardarmos a nossa independência e as nossas vidas, embora em diferentes escalões:
É a história de um burro que levava o dono no dorso, ao mercado, acompanhados do cão. O dono adormeceu e o burro não esperou mais: pôs-se a roer os cardos à volta, até ficar de papo cheio. O cão pediu então: - “Baixa-te um pouco para eu poder comer do pão do cesto.” – “Estás maluco, respondeu o burro. “Espera que o nosso amo acorde primeiro”. O cão, esfomeado, submeteu-se, não estando em condições de competir, por ser baixo. Nisto, um lobo aparece ao longe. –“Amigo, pede o burro apavorado, defende-nos do lobo.” – “Ná, agora não posso, que estou debilitado. Espera que o nosso amo acorde primeiro. Podes sempre ferrar um par de coices no lobo.” Mas o lobo foi-se ao burro que nem sequer teve tempo para tugir, quanto mais para escoucear! E o lobo o levou na goela, que estava também a precisar de retemperar as forças da sobrevivência.
Tinha razão o cão. A solidariedade é imprescindível, nesta coisa da sobrevivência, na luta contra o inimigo. Se o burro que leva o dono quer tudo para si e trata com cinismo o cão, chegada a ocasião quem fica cínico é o cão, como aliás lhe compete por etimologia.
E lá vai tudo por água abaixo, a ponto de nos perguntarmos, por o desconhecermos, preocupados com mais este alerta integracionista que várias vezes tenho escutado à minha amiga e que faz parte de uma corrente antiga de iberismo salvador: “Que mais nos irá acontecer? Será que vamos parar à boca do lobo?”

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