Pertence ao poema “Tabacaria”
de Álvaro Campos:
«Em outros satélites de outros
sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como
versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas»
Álvaro de Campos bem o sabia, quando
escreveu “Não sou nada”, o começo desse seu poema, de desagregação
interior e sonho, e, simultaneamente, extrema percepção de um mundo infinito e
provavelmente mais repetitivo do que imaginamos, nesta nossa solidão universal, de único espaço sideral
povoado.
O artigo “Planetas extra-solares”
de Nicolau Ferreira (Público, 25/8/16) foi para mim um deslumbramento, nessa
questão de “acompanhamento habitado” nos espaços planetários, embora tenha
encontrado outros mais trechos na Internet sobre pesquisas e descobertas de outros
possíveis exo-planetas com condições de vida idênticas às do nosso. Aliás,
muito tempo antes, já Voltaire, conhecedor das descobertas de Newton sobre a
atracção universal, e das especulações de Kepler sobre a possibilidade de mundos
habitados, se divertira a criar um Micromégas de extraordinário
tamanho, habitante de um planeta de Sirius, que, com o seu anão de Saturno
chegaram à Terra para pôr a ridículo os conceitos de grandeza e importância dos
humanos. Mais recentemente, Antoine de Saint Exupéry, se encontraria com
um comovente “Petit Prince”,
vindo dos espaços, tão enternecedor e poético como o E.T . de Spielberg.
O texto aí está, enriquecedor
nas perspectivas de descobertas de outras Terras a girar por esses espaços
fora. Entretanto, no mesmo Público de 25 de Agosto entre variadas notícias dos
nossos desmandos ou acertos terráqueos de momento, encontro, na última página,
o artigo de João Miguel Tavares – “Deixem o burkini em paz”
- assunto que foquei ontem, mais de
acordo com as atitudes de franceses faccionários ou talvez impacientes. Mas
este artigo de M.S.T. é bastante equilibrado, e gostarei de o mostrar um dia
aos camaradas do Próximo b da constelação Centauro, quando daqui
partir.
Planetas
extra-solares
Nicolau Ferreira
E aqui perto de nós descobriu-se
uma outra Terra. Tudo indica que a estrela mais próxima do nosso sistema solar
tem um planeta com condições para albergar vida. Nas próximas décadas, o agora
anunciado planeta Próxima b será um objecto aliciante para a astronomia.
ESO/M.
KORNMESSER
Há
boas razões para se imaginar que o brilho vermelho da estrela Próxima do
Centauro está a iluminar vida, a meros 4,2 anos-luz. Uma equipa
internacional de astrofísicos descobriu um candidato a planeta que gira
pertíssimo daquela estrela, a mais próxima do nosso sistema solar. E não é
um planeta qualquer. O Próxima b—o nome que lhe foi dado — é rochoso
e o seu tamanho é semelhante ao da Terra: tem 1,3 vezes a massa do nosso
planeta. Apesar de estar colado à Próxima do Centauro, uma anã-vermelha com 12%
da massa do nosso Sol e muito pouco energética, a parca radiação que atinge o
planeta torna possível a existência de água líquida à sua superfície, caso haja
atmosfera, explica um artigo publicado hoje na revista Nature.
Há
ainda muitos “ses” sobre o Próxima b, é necessário inclusivamente confirmar se
o planeta realmente existe. Mas por estar tão perto de nós e por
ter condições tão semelhantes às do nosso mundo, esta nova Terra acaba de subir
para o primeiro lugar dos exoplanetas promissores para a procura de vida fora
do nosso sistema solar.
“É
um planeta do tipo da Terra”, resumiu Ansgar Reiners, da Universidade de
Göttingen, na Alemanha, e um dos 31 autores do artigo científico.
“Provavelmente tem atmosfera e alguma água líquida”, explicou o astrofísico
numa conferência de imprensa telefónica organizada pela própria Nature.
Por
ser tão pequena, a Próxima do Centauro não se consegue observar à noite, a olho
nu. É necessário um telescópio. No entanto, o astro poderá estar ligado ao
sistema estelar binário da Alfa do Centauro Ae B, a 4,3 anos-luz de nós. Estas
duas estrelas, uma maior do que o Sol, a outra mais pequena (mas ainda assim
bastante maior do que a Próxima do Centauro), giram em torno uma da outra. Por
sua vez, a Próxima do Centauro poderá estar a viajar lentamente à volta deste
sistema binário, ainda que não haja certezas.
Já
há algum tempo que se estuda a possível existência de um planeta em torno
daquela anã-vermelha. “As observações iniciais do planeta foram feitas há mais
de 15 anos, em Março de 2000. A primeira vez que submetemos um artigo sobre o
planeta foi em Fevereiro de 2013”, revela Hugh Jones, da Universidade de
Hertfordshire, em Hatfield, no Reino Unido, também autor do artigo (citado num
comunicado da Universidade Queen Mary de Londres). “O meu colega Mikko Tuomi
[outro dos autores] tinha encontrado uma ‘pegada’ do planeta em
informação arquivada [sobre a estrela] que tinha sido obtida antes de 2009. Mas
não tínhamos provas suficientes que fundamentassem uma descoberta tão
importante.”
Por
isso, foi necessária uma campanha científica para tentar confirmar a existência
do Próxima b. O estudo utilizou o efeito de Doppler — um efeito que se observa
facilmente na Terra com as ondas sonoras. O exemplo clássico é o da sirene de
um comboio a passar por nós numa estação. À medida que o comboio se aproxima e
emite o som, as ondas sonoras chegam à estação a uma frequência maior. Depois,
quando o comboio se afasta, a frequência das ondas vai-se espaçando. Isto
resulta num som mais agudo quando o comboio vem em direcção a nós e mais grave
quando se afasta.
Nas
estrelas, a detecção deste fenómeno em relação às ondas electromagnéticas pode
indicar a presença de planetas. Apesar de as estrelas serem muito maiores do
que os planetas, influenciando-os com a força da gravidade, os planetas também
têm um efeito gravítico nas estrelas consoante o seu tamanho e a sua distância.
Esse efeito faz com que a estrela oscile ligeiramente.
Em
relação à Terra, esta oscilação de estrelas distantes significa que essas elas
estão continuamente a aproximar-se e a distanciar-se do nosso planeta.
Na escala do cosmos, este movimento é minúsculo. Mas um bom telescópio
consegue detectar uma diferença na luz que recebe dessas estrelas quando elas
se aproximam e se afastam. Tal como o som proveniente do comboio, quando uma
estrela se aproxima a frequência das ondas electromagnéticas é maior e o
telescópio detecta luz mais próxima do comprimento de onda do azul. Quando a
estrela se afasta, a frequência das ondas é mais espaçada, e a luz que chega ao
telescópio está mais próxima do vermelho.
Fizeram-se
estas observações na primeira metade de 2016 usando um telescópio instalado no
deserto do Atacama, no Chile, e que pertence ao Observatório Europeu do Sul
(ESO). “Estava sempre a confirmar a consistência do sinal a cada uma
das 60 noites da campanha”, lembra Guillem Anglada-Escudé, da Universidade
Queen Mary de Londres, outro dos autores do artigo. “Os primeiros dez dias
foram prometedores, os primeiros 20 dias foram consistentes com as
expectativas, e ao 30º dia bastante definitivos”, diz, citado num comunicado do
ESO.
As
observações indicavam a existência de um planeta com 1,3 massas da Terra, a
cerca de 7,5 milhões de quilómetros da Próxima do Centauro (quase oito vezes
mais perto da sua estrela do que Mercúrio do Sol) e que dá uma volta à estrela
a cada 11,2 dias. Por estar tão perto da estrela, deverá ter sempre a mesma
face virada para a Próxima do Centauro.
Os
cientistas fizeram várias análises para confirmar que as oscilações da estrela
não eram causadas pela sua actividade. As anãs-vermelhas são muito activas, e
as manchas solares que surgem à superfície poderiam estar a originar um sinal
que se confundiria com o efeito de Doppler. “Assim que se confirmou que as
oscilações não foram causadas por manchas solares soubemos que tinha de ser um
planeta a orbitar na região [à volta daquela estrela] onde a água pode
existir”, diz por sua vez John Barnes, da Universidade Aberta, no Reino Unido.
“Se investigação futura concluir que as condições da sua atmosfera são
apropriadas para o planeta ter vida, esta é uma das mais importantes
descobertas científicas que teremos feito.”
Mas
Nuno Santos, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, do pólo no
Porto, pede ponderação. “Parece-me que há efectivamente um sinal”, comenta
ao PÚBLICO o astrofísico que tem descoberto muitos exoplanetas mas não está
ligado a este estudo. “Não temos uma detecção directa do planeta. Ainda há
alguma probabilidade de os autores terem sido enganados pela estrela.”
“Há
muitos detalhes sobre estas anãs-vermelhas que não compreendemos muito bem. Há
vários casos na literatura científica de sinais que pareciam ser planetas mas
depois não o eram”, explica, adiantando que espera que outras equipas de
astrofísicos analisem os dados publicados sobre o Próxima b para confirmar a
sua existência. Caso assim seja, então “a descoberta será certamente um marco”,
sublinha Nuno Santos. “Já descobrimos outros exoplanetas com massas semelhantes
à da Terra, mas não estão na zona habitável.”
A
equipa do novo estudo tentou ainda calcular a probabilidade de o planeta ter
atmosfera e água líquida. Isto dependerá de vários aspectos como o local de
formação do planeta no sistema solar ou a actividade da estrela ao longo da sua
vida. Segundo os cientistas, se aquela anã-vermelha esteve muito activa no
início da sua vida (a estrela terá cerca de 5000 milhões de anos) e o planeta
se formou no local onde se encontra agora, então uma eventual atmosfera foi
rapidamente varrida pela radiação energética da Próxima do Centauro e o planeta
hoje será uma rocha seca.
Porém,
se o planeta se formou num local mais longínquo do seu sistema estelar e,
posteriormente, migrou para a região que hoje habita, então poderá ter
atmosfera e água. De acordo com os modelos dos cientistas, “há uma
probabilidade diferente de zero de haver atmosfera”, diz Ansgar Reiners. Nesse
caso, as temperaturas à sua superfície variarão entre os 30 graus Celsius
positivos no lado iluminado e os 30 negativos no lado escuro.
O
futuro poderá ajudar a esclarecer todas estas questões. “Estão a ser
desenvolvidos novos instrumentos que irão melhorar as observações”, salienta
ainda Nuno Santos. Poderá ser possível não só analisar a atmosfera do
planeta, como até obter imagens do Próxima b.
Mas,
por enquanto, resta-nos sonhar com este lugar, com o seu sol vermelho no
horizonte e a possibilidade de o nosso pequeno canto do Universo estar povoado
de vida.
(Se a investigação futura concluir que as
condições da atmosfera do planeta são apropriadas para ter vida, esta é uma das
mais importantes descobertas científicas. John Barnes Astrofísico).
Entretanto,
como temos ainda muito que esperar para sabermos das virtudes e das
malfeitorias lá pela Próxima b, “em outros Céus diferentes, que Deus té’gora
escondera”, contentemo-nos modestamente com as nossas próprias. Leiamos o
sensato parecer de João Miguel Tavares a
respeito da nova moda em praias de França:
Deixem
o burkini em paz
A
proibição do burkini é não só ridícula como contraproducente.
Eu sou a favor da proibição do uso da burka e
do niqab no espaço público. Entendo, por várias razões,
a principal das quais é a segurança, que não devem ser autorizadas roupas que
não permitam ver o rosto de quem as usa. Mas o burkini não é
uma burka para usar na praia. O burkini é uma peça de roupa
com um nome infeliz. O rosto das mulheres está bem visível. Tem enormes
parecenças com um fato de mergulho. Ou com a roupa que as nossas avós usavam na
praia há não mais que trinta anos. A sua proibição é não só ridícula como
contraproducente.
Contraproducente,
desde logo, pela imagem de polícias franceses a mandar despir uma mulher
muçulmana numa praia de Nice e a multá-la com o argumento de não estar a usar
“roupa que respeite os bons costumes e o secularismo”. A metade lúbrica do meu
cérebro agradece muito que andar de biquíni seja a nova definição de “bons
costumes” em França. Mas a metade ponderada do meu cérebro não consegue
vislumbrar de que forma pode isto ser uma boa ideia. Ninguém suporta ver quatro
polícias armados de cassetetes e gás pimenta a obrigarem uma mulher muçulmana a
tirar a roupa em frente a uma filha que chora, enquanto entre a multidão de
veraneantes há gente a gritar “vai para casa”. A senhora nem sequer estava a
usar um burkini, o que significa que os polícias marítimos necessitam de vigiar
os areais acompanhados de personal stylists, de forma a apurarem as
diferenças entre um burkini genuíno e um combinado
de leggings mais camisa.
Há
75 anos, a vida dos polícias portugueses estava mais
facilitada, porque os regulamentos tinham outro detalhe. No decreto-lei n.º 31:247 de 1941 exige-se
o escrupuloso cumprimento das “condições mínimas a que devem obedecer os fatos
de banho”, de forma a “evitar a corrupção dos costumes”. Na época balnear de
1940 as “concepções morais e mesmo estéticas” do povo português haviam sido
postas em causa com a chegada da primeira leva de refugiados da Segunda Guerra.
Os editais desse tempo passaram então a ordenar que o fato de banho fosse
“inteiro” e sem “decote exagerado, a ponto de descobrir os seios”, e, nas
costas, “sem prejuízo do corte das cavas que devem ser, quanto possível,
cingidas às axilas”. Também não era permitido o uso de fatos de banho que se
tornassem “imorais pela sua transparência ou pela excessiva elasticidade do
tecido”.
Querer
agora o exacto contrário disto é tão ridículo quanto querer isto. É
impossível regulamentar roupa para usar na praia sem que o resultado seja
patético. Atenção: eu não estou a dizer que o burkini seja apenas
um trapo insignificante e simbolicamente neutro. Ele significa, de facto,
direitos desiguais e uma cultura de subordinação da mulher ao homem, razão pela
qual me entristece que esteja à venda em lojas como a Marks & Spencer,
quando há um óbvio conflito civilizacional entre modos de vida. O ocidente deve
lutar pelo valor da igualdade de género e não apenas por uma economia de
mercado sem regras morais que apenas nos diz: “há aqui uma nova área de
negócio, vamos aproveitar”.
Contudo,
qualquer bom liberal tem de ter um cuidado extremo com a supressão de direitos
individuais, entre os quais obviamente se inclui a roupa que cada um de nós
leva à rua. O excesso multiculturalista é um mal e acho importante que o
ocidente estabeleça linhas vermelhas na sua relação com as comunidades
islâmicas, até para impedir o descontrolo da xenofobia. Mas traçar essa linha
na areia da praia é um péssimo sítio por onde começar.
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