Nos anos sessenta a humanidade
confrontou-se com perguntas novas, escreve mansamente Rui Tavares, que começa
por informar sobre as quedas do espaço em terreno estrangeiro, para
seguidamente focar o tema grato das descolonizações que não está nos tópicos,
mas a que responde com a sigla ONU, que a eles deu resposta, sendo esta, na
altura, “o parlamento do mundo”. Por aqui se vê que as unidas nações e
em especial os Estados Unidos, tiveram um papel preponderante na atribuição dos
territórios africanos aos seus povos primeiros, provavelmente no fito de
expulsarem de si os africanos de quem primeiro precisaram e que escravizaram, e
que agora lhes convinha que retornassem pacificamente ao habitat de origem,
agora de espaços independentes, cada macaco no seu galho, a África para os
africanos, a América para os americanos, a Europa para os europeus, a Ásia para
os asiáticos e pouco mais, que a Terra até é pequena para tanta gente e qualquer
dia falta a água e vai-se a vida, com os excessos demográficos e a redução dos
continentes a acompanhar os degelos e a perder húmus com as secas que os
incêndios mais desolam.
Rui Tavares mostra, assim, quanto
convinham aos países da ONU, as independências africanas que ele também apoiou
é claro, e bem assim António Guterres. Daí o ataque à actual ONU que já não
possui sentimentos tão poderosamente humanitários, a não ser para os seus
chefes se mostrarem politicamente correctos, segundo a doutrina democrática,
posição por vezes posta em causa. É claro que Guterres segue-a sempre, afagando
os pobres desprotegidos dos novos desentendimentos bélicos e já se esqueceu daquela coisa da Declaração dos Direitos de
cada macaco no galho respectivo. Agora, toca de abrir os braços aos
desprotegidos invasores da Europa, o que a Angela Merkel também faz e bem que
se trama, pessoalmente falando, mas também trama todos os que acham que com tal
invasão, a que sobretudo a Europa costuma ser atreita, desde os tempos
pré-históricos, agora é que não haverá safa por cá. Guterres até é dos que fica
bem na foto, protegendo os escorraçados da Ásia e da África, e assim Rui
Tavares o defende, porque tendo ganho por quatro vezes para Secretário-Geral da
ONU, a sua escolha ainda não está segura, o Conselho de Segurança tendo a
última palavra sobre o caso. Daí o receio de Rui Tavares e o ataque à batota: «Parte disso é culpa própria: se antes a ONU discutia o
que fazer quando os humanos fossem à lua, hoje tem dificuldades em entender
que um homem que ganhou quatro votações destacadas para Secretário-Geral da ONU
é provavelmente o melhor Secretário-Geral para a ONU. A verdade é que, para Rui Tavares, e Guterres,
naturalmente, seria necessária a «emissão de um Passaporte Internacional Humanitário que desse segurança
física e legal aos refugiados. Ideias que, à partida, qualquer Conselho de
Segurança chumbaria.»
E assim se explica a simpática defesa de Rui Tavares
do, outrora, aparentemente adversário
político.
Para
que serve a ONU?
21/09/2016
A ONU já foi, em tempos, o parlamento do mundo. E hoje
não tem a mesma relevância.
Nos anos sessenta, a humanidade confrontou-se
com perguntas novas. Como por exemplo: o que fazer quando um astronauta cai
do espaço num país que não é o seu?
O
lugar óbvio para lhes dar resposta era a Organização das Nações Unidas.
Durante anos, uma comissão especializada da ONU foi avaliando este e outros
casos até chegar ao Tratado sobre o Espaço Exterior, “incluindo a Lua e
outros Corpos Celestiais”. E chegou no tempo certo: no dia em que foi
assinado, 27 de janeiro de 1967, ocorreu um acidente na Apolo I em que
pela primeira vez morreram três astronautas.
Em
terra, a missão mais complicada era a descolonização, e Portugal estava num
dos lugares mais desconfortáveis (depois de o nosso país chegar tarde à ONU
porque Salazar desconfiava de internacionalismos). A Comissão da
Descolonização dedicou muito do seu trabalho aos territórios sob administração
portuguesa. Em 1975, após o 25 de Abril, mudou-se para Lisboa e acompanhou o
estado do debate entre os movimentos de libertação e o novo governo democrático
em Portugal.
De
cada vez que um país africano se tornava independente, muitas vezes com apoio
norte-americano, dava-se um ricochete: os movimentos negros insistiam com os
seus camaradas nos novos países para que estes denunciassem na ONU o estado das
questões raciais nos EUA. Malcolm X usou essa tática. Martin
Luther King discursou em frente ao seu edifício em Nova Iorque para
pressionar o governo do seu país perante as consciências do mundo.
Em
resumo: a ONU já foi, em tempos, o parlamento do mundo. E hoje não tem a mesma
relevância.
Parte
disso é culpa própria: se antes a ONU discutia o que fazer quando os humanos
fossem à lua, hoje tem dificuldades em entender que um homem que ganhou
quatro votações destacadas para Secretário-Geral da ONU é provavelmente o
melhor Secretário-Geral para a ONU. Toda a gente sabe que as regras
desatualizadas do Conselho de Segurança são um problema para a ONU, mas
quem o admitir está excluído à partida de tentar melhorar a situação.
A
ONU é também vítima, por assim dizer, dos seus sucessos (e das organizações que
o seu internacionalismo inspirou). A descolonização está, em grande medida,
feita. A missão da paz na Europa foi transferida para a UE e mantida de forma
mais duradoura do que nunca. As crises que há para resolver hoje, como a das
alterações climáticas, passam por negociações multilaterais que a ONU facilita
sem centralizar. A ONU tem ainda uma enorme importância; mas ela é menos
visível e menos relevante — e isso é um problema.
Para
a ONU voltar ao lugar que já teve nas imaginações da humanidade seria
preciso mudá-la por dentro. Isso poderia passar pela criação de uma
Assembleia Parlamentar das Nações Unidas, um Tribunal Internacional contra os
crimes ambientais e pela emissão de um Passaporte Internacional Humanitário que
desse segurança física e legal aos refugiados. Ideias que, à partida, qualquer
Conselho de Segurança chumbaria.
Precisamente
por isso — e porque precisamos da ONU mais do que nunca — é necessário
um Secretário-Geral com a visão e a experiência necessárias para por as coisas
a andar. Convinha era o Conselho de Segurança perceber que já o escolheu.
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