É de 21 de Julho o seguinte artigo
de João Miguel Tavares - 0,0035% - da última página do Público, que
passou, pois, há mais de um mês, página encimada na epígrafe «Escrito na Pedra» com a sentença do escritor e político irlandês Edmund Burke (1729-1797): «Quanto
maior o poder mais perigoso é o abuso” que o nosso adagiário popular traduziu
por “Se queres conhecer o vilão, põe-lhe a vara na mão”. Tal sentença, quer a erudita quer a em vernáculo, adapta-se lindamente ao texto de João M. Tavares, na
caracterização da nosso 1º Ministro e as cerimónias de apresentação do O.P.P.,
que meteram estrado, palanque, etc., etc., além da comunicação social.
J.M.T. considera tal exercício
de especulação sobre os dinheiros a entregar às autarquias, bem ridículo, não
só pela insignificância desses dinheiros - 0,0035% do
Orçamento geral – como
pela distribuição morosa da sua gestão, mais uma prova da nossa incapacidade de
gerir dinheiros, o que nos afundou numa dívida sem fim à vista, além,
evidentemente, desse aparato formal na apresentação de um projecto, em
princípio positivo, de alargamento às Câmaras da gestão do Orçamento,
pomposamente apelidada de OPP, Orçamento Participativo de Portugal.
Quanto à sentença que encima a página
do Público, ela aplica-se, sobretudo, aos ditadores que passaram e passam na
história, os quais, à conta desse poder ilimitado, praticaram os mais horrendos genocídios.
Neste caso do nosso PM não se trata disso. Somos hipocritamente bonacheirões
quando nos convém, ou críticos inflamados quando atacamos o rival e por aí nos
quedamos, preferindo manobrar pela calada, em manobras de face oculta de
resultado pessoal mais visível. Não! Perigoso prepotente é o chefe da Coreia do
Norte, Kim Jong-un, que alia parlapatice visual a ferocidade natural amansadora
do seu povo. Tal como Estaline, a ser aplaudido pelos partidários, reais ou
insinceros, em palmas ininterruptas, nenhum se atrevendo a ser o primeiro a
interrompê-las, o olhar inquisitorial do chefe reflectindo o íntimo gozo, como vi há dias, num programa do 2º
canal.
Nós vivemos em democracia, temos um
poder mediano, afirmado com natural vaidade, explicando as nossas simpatias, e
apresentando as nossas soluções, no espalhafato e na morosidade. Mas disso não
passamos, mesmo quando nos apoderamos ilicitamente de um poder que não nos
pertencia. Velhacaria sim, mas à nossa medida. João Miguel Tavares explica.
0,0035%
Qual é
o meu problema com o vistoso arraial do Orçamento Participativo de Portugal? É
este: três milhões de euros.
É verdade que tenho escrito muitos textos a atacar
António Costa. Mas admitam: o homem dá-me todos os dias boas razões para isso.
Na segunda-feira, o nosso querido primeiro-ministro foi ao Museu Nacional de
Arte Antiga anunciar, com toda a pompa e circunstância, o primeiro OPP –
Orçamento Participativo de Portugal. Levou estrado, palanque, microfones, projectores
e, pelo menos (foi os que consegui contar), um primeiro-ministro, três
ministros e alguns secretários de Estado. A comunicação social deu o seu OK ao
OPP e respondeu em força: a cerimónia foi abordada logo nos primeiros minutos
dos telejornais da SIC e da TVI e o PÚBLICO dedicou-lhe uma página inteira no
dia seguinte.
A
atenção compreende-se. O Orçamento Participativo de Portugal pretende ser uma
réplica à escala nacional dos orçamentos participativos que têm vindo a ser
desenvolvidos com sucesso em vários municípios, com destaque para Lisboa. A
ideia nasceu no tempo em que António Costa era presidente da câmara, tem
corrido bem, aproxima os cidadãos da política, convida-os a tomar a iniciativa
de melhorar as suas cidades, e permite concretizar pequenos projectos úteis e
criativos, após votação pública. Tudo coisas, como diria Artur Jorge, boas e
bonitas – e, ainda por cima, descentralizadoras e liberais. Música para os meus
ouvidos. Pode discutir-se, claro, se aquilo que faz sentido localmente faz sentido
nacionalmente – eu acho que não, mas nem quero ir por aí. Vou até admitir, que
é para os meus queridos leitores não acharem que isto é só má vontade, que a
ideia é estupenda e faz todo o sentido ser implementada a partir do Terreiro do
Paço.
Qual
é, então, o meu problema com o vistoso arraial no Museu Nacional de Arte
Antiga? É este: três milhões de euros. O orçamento do Orçamento Participativo
de Portugal tem o valor de três milhões de euros, 0,0035% do orçamento do
Estado para 2016 (85,4 mil milhões de euros, mais coisa, menos coisa), para
aplicar em quatro áreas: cultura, agricultura, ciência e formação de adultos, o
que dá uns estupendos 750 mil euros por área. E agora deixo-vos a descrição que
o PÚBLICO faz dos vários passos do processo até chegar à atribuição desse
incrível montante. Até final do ano, “decorre a fase exclusivamente dedicada à
divulgação da iniciativa, junto de autarcas, associações, empresários e
cidadãos”. Entre Janeiro e Abril de 2017 há quatro meses para apresentar
ideias, durante os quais “governantes andarão pelo país” a “falar com as
pessoas”. Depois vem a “discussão e elaboração” das propostas, em assembleias
participativas. Em Maio, “terá início a fase da análise técnica”. Entre Junho e
Agosto os cidadãos poderão votar online ou por sms. E segue-se,
em Setembro, a apresentação pública dos projectos vencedores. Fixaram tudo?
Óptimo.
Agora façam as contas. Se somarmos os custos da apresentação do OPP, da
divulgação do OPP, da organização do OPP, da discussão do OPP, da votação do
OPP e da implementação do OPP, desconfio que a burocracia e os meios envolvidos
na atribuição de uns ridículos três milhões de euros serão superiores a três
milhões de euros. Não só António Costa andou entretido em cerimónias de
propaganda por causa da alocação de 0,0035% dos recursos do Estado, como
certamente vai ser maior a despesa da propaganda do que o investimento que
propagandeia. Digam-me: sou eu que tenho mau feitio? Ou andar a perder tempo e
dinheiro com uma iniciativa destas, no actual contexto do país, é mesmo uma
vergonha?
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