O véu da viúva para encobrir a dor, os véus da moda para
despertar o interesse masculino, o véu da noiva para indiciar a sua pureza,
tudo isso foi à viola, na evolução dos tempos, embora haja ainda quem reivindique tais aprestos. Agora anda-se mais destapado, excepto nas
zonas frias ou no inverno, e se os vestidos não chegam aos pés - mas voltaram a
chegar, com a China a impor os seus panos esvoaçantes, de linhas tortas – usam-se
os mais variados trajes, as calças fazem parte da moda feminina, como trajo
prático, e nas praias os corpos bronzeiam-se, em grande parte descobertos. Sem exibicionismo,
ou mesmo que o seja, na aceitação do “outro”, na liberdade da condição humana, desde que não pegue a moda do nudismo integral provocatório, a não ser nos redutos próprios.
Não sei como era dantes, com as muçulmanas, sei que vi
fotos de gente do oriente vestida à maneira do ocidente, gente bonita, no
Afeganistão, no Egipto, como em Israel… de repente, tirando Israel, o mundo
feminino oriental cobriu-se de pano. O Público de 27/8, mostra os mais diversos
trajes femininos que retirou da Internet – burka, hijab, niqab, chador, shayla –
com mais ou menos rosto a descoberto – e pernas, nem vê-las. A pudicícia ganhou
relevo lá pelo Oriente, desde que o Xá do Irão – Reza Pahlavi – foi deposto. Muitos
males sucederam, muitas guerras se engendraram, o Islão – ou parte dele - virou
Estado, o medo difundiu-se com a invasão do terrorismo, que ganhou adeptos. E a
França democrática deixou que a burka – ostensiva – de repente penetrasse, mesmo nas escolas. E, com
as provocações de parte a parte, ditaram-se leis, em França, a proibir os
mantos da moda islâmica, os hijabs, que a nós lembram os lenços na cabeça das
raparigas e mulheres do campo que não iam à escola e carregavam canastras e cestos
à cabeça, cheios de produtos dos campos. Algumas, nos meus tempos de aldeia, ao
entrarem na escola, largaram o lenço, trazendo arejamento, suponho que
definitivo, pois com os estudos, ainda que menores, deixaram de apreciar tal
ornamento, que aos domingos era substituído por outro, mais lavado, para a
missa e o dia do Senhor, que se respeitava.
Não julgo que seja o caso dos islâmicos, de
civilização antiga e capacidade expressiva. Ao imporem às mulheres os trajes da
submissão, estão a recuar no tempo, e a provocar o Ocidente, quando a exigência
é feita em países estrangeiros. O facto é que outros países, salvo a França,
não têm estes problemas, o lenço virando moda aqui, por respeito democrático. Mas
o ambiente não é mais o mesmo, dizem, em França, o medo instalou-se, as pessoas
fingem aceitar tão grotesca moda do lenço, que intimamente desprezam.
Lenço na cabeça, a assinalar orgulhosamente a origem
do seu possuidor, ainda vá que não vá. Em África as mulheres indianas mostravam-se
nos seus saris, mais ou menos ricos, mais ou menos enxovalhados, mas não nos
importávamos, era o seu traje, era a sua cultura. Com eles mantínhamos relações
indiferentes ou cordiais. Mas os tempos mudaram. E, no fundo, ao proibirmos as
burkas nas praias, mostramo-nos menos solidários do que antigamente. Talvez porque
o medo se fixou, exigimos caras lavadas, a descoberto. Daí que as leis
repressivas de que trata o texto que segue, sejam em minha opinião, muito
aceitáveis. Democracia sim, mas devagar. Sobretudo quando a moda é puramente
ostensiva, como parece ser a desses trajes nas praias francesas. Corpos assim
tapados não precisam de praia. Outros sóis os bronzeiam.
Em França, o véu é um inimigo legal
França foi o primeiro país a proibir o véu integral,
com uma lei que entrou em vigor em 2011, que interdita a “dissimulação do rosto
no espaço público”, embora sem definir o que é esse espaço. Regulamentação
posterior define-o como “locais abertos ao público, aos quais o acesso é livre
(praias, jardins públicos)”, ou aos quais se acede através de pagamento, como o
cinema. Ou então lojas, bancos, estações de transportes públicos e aeroportos,
serviços e instituições públicas.
Esta lei respondia a uma ansiedade da população francesa –
63% declarava-se então contra o uso de véu islâmico que cubra o rosto e,
segundo o Le Figaro, essa percentagem tem-se mantido estável. Poderá ser a
base da contestação actual ao uso do burkini nas praias francesas.
A lei, na verdade, não fala de mulheres nem da
religião muçulmana. Assenta apenas na noção de “ordem pública”, que se for
violada por ser punida com multas até 30 mil euros.
Outra lei, de 2004, interdita o uso de “símbolos ou roupas” nas escolas
públicas, “através das quais os alunos manifestem de forma ostensiva uma filiação religiosa”, e já
gerou também muitos conflitos. Alunas que usam ohijab (um véu que cobre a
totalidade da cabeça e se prolonga até ao peito) ou saias compridas foram
expulsas das escolas secundárias, bem como rapazes com turbante.
Em 2012, França foi condenada pelo Comité dos Direitos
do Homem da ONU, a partir de uma queixa de um jovem sikh, expulso da escola por
se recusar a deixar o seu turbante. O Estado francês “não apresentou provas
irrefutáveis de que o estudante afectasse os direitos e liberdades dos outros
alunos, ou afectado o bom funcionamento da escola”, disse o Comité, e a sua
expulsão “constituiu uma punição desproporcionada”. C.B.
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