domingo, 11 de setembro de 2016

A irreparável leveza do ataque


Um artigo sobre Pedro Passos Coelho  - e Maria Luís Albuquerque – expressão de uma malignidade que me parece um tanto paranóica, de um azedume próprio de quem pertence a terrenos ideológicos díspares, como parece ser o caso, consultada a Internet, sobre este que se diz Fundador do Partido Socialista e que agora, por quaisquer desencontros colegiais, singrou pelo Bloco de Esquerda, o que, no actual contexto, não é coisa relevante, amigos para sempre, mas com mais peso dramático na expressão, como se verifica no tal artigo. Pode aliás, tal autoridade esgrimista de conceito paranóico, resultar também do emproamento que as muitas condecorações  nele produziram – produzem sempre, como a crista no galo – contra pessoas reduzidas à insignificância de não ter nenhumas, nem, provavelmente, sequer a medalhinha oferecida pela madrinha de baptismo, ou de guerra, de que Passos Coelho, evidentemente, já não usufruiu, jovem que foi, extinta a guerra.
O título do texto, A fixação obsessiva de Passos Coelho, aponta, pois, para uma equiparação com o caso chileno, de uma teoria económica de empobrecimento como alavanca para o enriquecimento futuro, pretexto para Alfredo Barroso se lançar em medonha diatribe contra tal política de Pinochet no Chile, autêntica “orgia automutiladora de reformas empobrecedoras”, como ele bem explica apoiado na  bibliografia  própria, que não me compete contestar, leiga que sou, atida a princípios caseiros equivalentes aos de PPC, que me fizeram comprometer sempre as minhas ambições de riqueza, pagando escrupulosamente as prestações mensais das minhas ambições burguesas de conforto. O que Alfredo Barroso omite sonsamente na sua diatribe, é o considerar a dívida monstruosa herdada pelo governo de PPC e o recomeço, após quatro anos de austeridade necessária e mais séria, num novo período de maior progresso e credibilidade, caso não lhe tivessem extorquido o comando, os Barrosos da malignidade e do caloteirismo. Por isso, continuo a achar de puro psitacismo vaidoso de ostentação de sabedoria própria e maldoso no achincalhamento à ignorância alheia estes tais artigos dos troca-tintas que assim escondem a falta de princípios éticos de aboletamento de dinheiros alheios, que a verdadeira honradez manda saldar.

A fixação obsessiva de Passos Coelho
ALFREDO BARROSO , Fundador do Partido Socialista, ex-secretário de Estado
Público, 26/08/2016

O que mais avulta num político de recursos tão limitados como Pedro Passos Coelho (PPC) é a sua fixação febril, obsessiva e obtusa na «teoria» do empobrecimento deliberado do país e do povo, para servir de alavanca a um enriquecimento futuro de tal modo incerto que nem ele próprio se atreve a prognosticar. Quanto à sua ex-professora e ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, cujas limitações também são óbvias, tornou-se a sua mais repetitiva discípula política e não passa de um epifenómeno, ou seja, de um sintoma que sobreveio numa «doença» já declarada (por PPC). Constituem ambos uma parceria política de meter medo ao susto.
Mas o que mais impressiona na teimosia obtusa de PPC é a semelhança inquietante das ideias que insiste em defender com os ditames de Milton Friedman e dos seus Chicago Boys, quando estes fizeram do Chile de Pinochet o primeiro grande «laboratório» de aplicação prática das suas teorias neoliberais, de acordo com a «santíssima trindade» — privatização, desregulamentação e redução das despesas sociais — formulada na obra matricial Capitalismo e Liberdade (!?). Como escreveu Naomi Klein, no seu livro The Schock Doctrine, The Rise of Disaster Capitalism, foi o Chile que marcou a génese da contra-revolução ultraliberal, nascida no terror, que pretendia ser «uma verdadeira revolução, um movimento radical rumo à liberalização total dos mercados», como escreveu o Chicago Boy José Piñera, ministro do Trabalho e das Minas de Pinochet.
O resultado do «tratamento de choque» que o próprio Milton Friedman foi ao Chile aconselhar a Pinochet — uma «orgia automutiladora» de reformas, como salientou a insuspeita revista The Economist — traduziu-se num brutal empobrecimento (noção que viria a ser tão cara ao «nosso» PPC) com o objectivo de empurrar o Chile até à «liberalização completa dos mercados», provocando um enorme aumento do desemprego (que os Chicago Boysconsideravam ser «provisório») e desmantelando o Estado-Providência, no intuito de estimular o nascimento de uma «utopia capitalista pura». O ano crucial foi 1975, quando a inflação já atingira os 375% (mais do dobro do que durante o governo de Allende) e o balanço é simplesmente aterrador.
As despesas do Estado foram reduzidas, de uma só vez, em 27%. A Saúde e a Educação foram os sectores mais duramente atingidos (uma das medidas mais emblemáticas foi o corte do abastecimento de leite às escolas). A rede de escolas públicas foi substituída por escolas privadas à la carte, às quais se tinha acesso com «cheques de ensino». Os serviços de saúde foram submetidos ao princípio do «utilizador pagador», os jardins de infância e os cemitérios foram vendidos ao sector privado. Mas a medida mais radical foi a privatização da Segurança Social. Mais de 500 bancos e empresas públicas foram igualmente privatizados, ao «preço da chuva». As empresas locais foram destroçadas e, entre 1973 e 1983, o sector industrial perdeu 177.000 postos de trabalho. Cerca de metade da população chilena foi, pura e simplesmente, excluída da economia. A corrupção, o compadrio e a fraude escaparam a qualquer controlo. As pequenas e médias empresas públicas foram dizimadas. A riqueza passou do sector público para o sector privado enquanto os passivos passaram do sector privado para o sector público. Aconselhado por Milton Friedman e pela sua ignominiosa e corrupta quadrilha de Chicago Boys, o general Augusto Pinochet mergulhou deliberadamente o Chile numa profunda recessão.
Claro que os únicos beneficiários das reformas ultraliberais executadas no Chile pelos Chicago Boys locais — designadamente pelo seu chefe de fila, o ministro das Finanças Sérgio de Castro (antigo aluno de Milton Friedman em Chicago) — foram as grandes empresas estrangeiras e um pequeno grupo de financeiros oportunistas, a que os chilenos chamavam «piranhas», que nunca se cansaram de ganhar, à custa da especulação desenfreada, milhões e milhões, partilhando-os com os Chicago Boys estrangeiros e locais. O resultado das reformas ultraliberais só podia ser, como de facto foi, o de aspirar a riqueza de baixo para cima e, à custa dos sucessivos choques, empurrar a classe média de cima para baixo, para o desemprego e a despromoção social.
A lógica neoliberal do «tratamento de choque» (o mesmo que a troika e o governo de PPC quiseram impor a Portugal entre 2011 e 2015) fez Naomi Klein evocar, no seu livro já citado, o «parentesco» impressionante com a lógica dos psiquiatras que, nas décadas de 1940 e 1950, estavam convencidos de que bastava provocar deliberadamente as crises de epilepsia para que o cérebro dos pacientes voltasse a funcionar «normalmente». Para tanto, esses psiquiatras prescreviam o recurso massivo aos electrochoques, tal como Milton Friedman, e depois a UE, o BCE e o FMI (isto é, a troika) — com apoio de governos como o de PPC — receitaram e continuam a receitar os «tratamentos de choque» aos países periféricos em sérias dificuldades. Como então descreveu a também insuspeita revista Business Week, o que se viu no Chile foi «um mundo digno do doutor Strangelove, onde a depressão é provocada voluntariamente».
As propostas de Friedman foram de tal forma brutais e desumanas, que um seu antigo discípulo, André Gunder Franck, escandalizado com o horror que testemunhou no Chile, escreveu que tais propostas «não teriam podido ser aplicadas sem os dois elementos-base em que se apoiavam: a força militar e o terror político». Eu diria, sem constrangimentos ou papas na língua, que foram estes dois elementos-base que, felizmente, faltaram em Portugal, entre 2011 e 2015, para criar um cenário tão dantesco, não só como o do Chile, mas também como o da Argentina, do Brasil e de outras ditaduras militares sul-americanas igualmente «aconselhadas» pelos Chicago Boys.
Não duvido de que seja grande a capacidade dos grandes potentados económicos e financeiros — assim como da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional — para desestabilizarem governos cujas políticas tenham em vista a melhoria das condições de vida e do bem-estar das populações. Se pudessem contar com a força militar e o terror político — como a multinacional norte-americana ITT contou no Chile— é quase certo que não hesitariam. Mas, onde a democracia ainda funciona, esses potentados não têm outro remédio se não contar com a truculência de políticos tão soturnos, rebarbativos e obtusos como Passos Coelho.


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