Não quero lembrar, com o título alheio, a
história que li do livro da Irene Lisboa, duma vida em dois momentos – a infância
meiga e fantasiosa, e a juventude mais vivida, que a renega, quando
desmascarada num sentimento incómodo, porque pueril. Uma bailarina de papelão
colorido, pendurada numa parede de uma casa visitada por Gustavo, com que se
entretinha na infância, em horas esquecidas, puxando-lhe pelos cordéis,
fazendo-a dançar nos seus jeitos graciosos. Tempos passaram, a bailarina perdeu
as cores, Gustavo esqueceu-a, conheceu outra real, também bonita, também
colorida, bailarina no casino, vaga paixão mal apercebida. Gustavo volta à casa
das tias, pega de novo na bailarina de papelão, fazendo-a esticar braços e
pernas, quando é surpreendido pela tia mais nova, sorridente, que lhe lembra o
seu amor da infância e lhe oferece a boneca de papelão. É a vez de Gustavo,
surpreendido e envergonhado no seu devaneio, se rebelar contra a percepção
alheia de um segredo que julgava seu, fingindo desprendimento ao recusar a boneca
.
Não se trata, de facto, de explorar os
recônditos dos pensamentos menos fantasistas mas mais pedantes das zangas que refere
João Miguel Tavares, dos vários intervenientes das discussões do nosso ridículo
social. Mas João Miguel Tavares os reconta e bem, e eu apenas me limito a
concluir sobre a inanidade de tais disputas, integradas no vazio em que nos
vamos movendo. Por isso me servi do título, muito mais poético em Irene Lisboa,
mas igualmente significativo de puerilidade. Conquanto adulta, e merecendo a
crítica bem urdida do articulista.
Os
emojis de Gabriela
Público, 23/06/2016
O problema está no
irresistível impulso do PS para controlar, para não ter a menor noção do que
deve ser a postura de um político face à comunicação social.
Vinte e cinco de Abril de 2015. António Costa
não aprecia um texto assinado pelo director-adjunto do Expresso João
Vieira Pereira e envia-lhe um SMS: “A coberto da confusão entre liberdade de
opinar e a imunidade de insultar, [o jornalismo] é degradado por
desqualificados, que têm de recorrer ao insulto reles para preencher colunas.
Como não vale a pena processá-lo, envio-lhe este SMS para que não tenha a
ilusão que lhe admito julgamentos de carácter, nem tenha dúvidas sobre o que
penso a seu respeito.”
Sete
de Abril de 2016. João Soares não aprecia um texto assinado pelo
crítico Augusto M. Seabra e escreve no Facebook: “Em 1999 prometi-lhe
publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir.
Estou a ver que tenho de o procurar, a ele e já agora ao Vasco Pulido Valente,
para as salutares bofetadas. Só lhes podem fazer bem. A mim também.”
Dois
de Maio de 2016. José Magalhães não aprecia um gráfico sobre
a dívida pública portuguesa que José Rodrigues dos Santos exibe na abertura
doTelejornal e escreve no Facebook: “Este talibã toma por parvos e
desmemoriados os que lhe suportam as homilias troikistas. Julgo que cumpre
com prazer o papel de enxotar audiências do serviço público.”
Dezanove
de Junho de 2016. Gabriela Canavilhas não aprecia uma
reportagem assinada pela jornalista do PÚBLICO Clara Viana a propósito da
manifestação em defesa da escola pública. Escreve no Facebook: “Esta jornalista
ainda não foi despedida por escrever factos falsos?” Os “factos falsos”
relatados consistiam em: 1) na afirmação de que Jerónimo de Sousa e Catarina
Martins tinham estado no palco ao lado de Mário Nogueira, quando eles estiveram
apenas diante do palco em frente a Mário Nogueira; 2) na divulgação, por parte
da jornalista, dos números estimados pela polícia – 15 mil pessoas – e dos
números estimados pela organização – 80 mil pessoas –, em vez de somente os
números estimados pela organização. Tudo questões da mais alta gravidade, como
se pode ver, e com as quais Gabriela Canavilhas parece entreter os seus
desconsolados dias, certamente por já estar fartíssima de ouvir
as Variações Goldberg e os Nocturnos de Chopin. Em
declarações ao Observador, Canavilhas desdramatizou o pedido de demissão
da jornalista e informou que usa a rede social de modo “informal” e
“descontraído”. “Foi um desabafo”, esclareceu. Só não se compreende porque não
foi desabafar e descontrair para o piano, tendo essa oportunidade. Ao Expresso,
a antiga ministra da Cultura garantiu não ter apelado ao despedimento de Clara
Viana. “Apenas perguntei.” “Se tivesse terminado com
uns emojis como é meu hábito teria tido esse efeito?”, inquiriu. Eu
diria que depende do emoji: se fosse com o sorriso malandro de António Costa,
talvez passasse; se fosse com o esgar furibundo de José Sócrates, não.
Mas
o problema, receio bem, não está na escolha dos emojis, tenham eles carinha
laroca ou ar trombudo. O problema está no irresistível impulso do PS para
controlar, para rosnar de forma destemperada e para não ter a menor noção do
que deve ser a postura de um político face à comunicação social. Estamos a
falar de primeiros-ministros, ministros e deputados com intervenções desbocadas
em pouco mais de um ano. Isto não é acaso – é estilo. Um estilo que o PS desenvolveu
com o caso Casa Pia, elevou ao seu expoente máximo com Sócrates e que, para mal
dos nossos pecados, continua bastante viçoso com Costa. Em linguagem de
Gabriela :-((
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