sexta-feira, 16 de setembro de 2016

«Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma»

Não quero lembrar, com o título alheio, a história que li do livro da Irene Lisboa, duma vida em dois momentos – a infância meiga e fantasiosa, e a juventude mais vivida, que a renega, quando desmascarada num sentimento incómodo, porque pueril. Uma bailarina de papelão colorido, pendurada numa parede de uma casa visitada por Gustavo, com que se entretinha na infância, em horas esquecidas, puxando-lhe pelos cordéis, fazendo-a dançar nos seus jeitos graciosos. Tempos passaram, a bailarina perdeu as cores, Gustavo esqueceu-a, conheceu outra real, também bonita, também colorida, bailarina no casino, vaga paixão mal apercebida. Gustavo volta à casa das tias, pega de novo na bailarina de papelão, fazendo-a esticar braços e pernas, quando é surpreendido pela tia mais nova, sorridente, que lhe lembra o seu amor da infância e lhe oferece a boneca de papelão. É a vez de Gustavo, surpreendido e envergonhado no seu devaneio, se rebelar contra a percepção alheia de um segredo que julgava seu, fingindo desprendimento ao recusar a boneca .
Não se trata, de facto, de explorar os recônditos dos pensamentos menos fantasistas mas mais pedantes das zangas que refere João Miguel Tavares, dos vários intervenientes das discussões do nosso ridículo social. Mas João Miguel Tavares os reconta e bem, e eu apenas me limito a concluir sobre a inanidade de tais disputas, integradas no vazio em que nos vamos movendo. Por isso me servi do título, muito mais poético em Irene Lisboa, mas igualmente significativo de puerilidade. Conquanto adulta, e merecendo a crítica bem urdida do articulista.
Os emojis de Gabriela
Público, 23/06/2016
O problema está no irresistível impulso do PS para controlar, para não ter a menor noção do que deve ser a postura de um político face à comunicação social.
Vinte e cinco de Abril de 2015. António Costa não aprecia um texto assinado pelo director-adjunto do Expresso João Vieira Pereira e envia-lhe um SMS: “A coberto da confusão entre liberdade de opinar e a imunidade de insultar, [o jornalismo] é degradado por desqualificados, que têm de recorrer ao insulto reles para preencher colunas. Como não vale a pena processá-lo, envio-lhe este SMS para que não tenha a ilusão que lhe admito julgamentos de carácter, nem tenha dúvidas sobre o que penso a seu respeito.”
Sete de Abril de 2016. João Soares não aprecia um texto assinado pelo crítico Augusto M. Seabra e escreve no Facebook: “Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir. Estou a ver que tenho de o procurar, a ele e já agora ao Vasco Pulido Valente, para as salutares bofetadas. Só lhes podem fazer bem. A mim também.”
Dois de Maio de 2016. José Magalhães não aprecia um gráfico sobre a dívida pública portuguesa que José Rodrigues dos Santos exibe na abertura doTelejornal e escreve no Facebook: “Este talibã toma por parvos e desmemoriados os que lhe suportam as homilias troikistas. Julgo que cumpre com prazer o papel de enxotar audiências do serviço público.”
Dezanove de Junho de 2016. Gabriela Canavilhas não aprecia uma reportagem assinada pela jornalista do PÚBLICO Clara Viana a propósito da manifestação em defesa da escola pública. Escreve no Facebook: “Esta jornalista ainda não foi despedida por escrever factos falsos?” Os “factos falsos” relatados consistiam em: 1) na afirmação de que Jerónimo de Sousa e Catarina Martins tinham estado no palco ao lado de Mário Nogueira, quando eles estiveram apenas diante do palco em frente a Mário Nogueira; 2) na divulgação, por parte da jornalista, dos números estimados pela polícia – 15 mil pessoas – e dos números estimados pela organização – 80 mil pessoas –, em vez de somente os números estimados pela organização. Tudo questões da mais alta gravidade, como se pode ver, e com as quais Gabriela Canavilhas parece entreter os seus desconsolados dias, certamente por já estar fartíssima de ouvir as Variações Goldberg e os Nocturnos de Chopin. Em declarações ao Observador, Canavilhas desdramatizou o pedido de demissão da jornalista e informou que usa a rede social de modo “informal” e “descontraído”. “Foi um desabafo”, esclareceu. Só não se compreende porque não foi desabafar e descontrair para o piano, tendo essa oportunidade. Ao Expresso, a antiga ministra da Cultura garantiu não ter apelado ao despedimento de Clara Viana. “Apenas perguntei.” “Se tivesse terminado com uns emojis como é meu hábito teria tido esse efeito?”, inquiriu. Eu diria que depende do emoji: se fosse com o sorriso malandro de António Costa, talvez passasse; se fosse com o esgar furibundo de José Sócrates, não.
Mas o problema, receio bem, não está na escolha dos emojis, tenham eles carinha laroca ou ar trombudo. O problema está no irresistível impulso do PS para controlar, para rosnar de forma destemperada e para não ter a menor noção do que deve ser a postura de um político face à comunicação social. Estamos a falar de primeiros-ministros, ministros e deputados com intervenções desbocadas em pouco mais de um ano. Isto não é acaso – é estilo. Um estilo que o PS desenvolveu com o caso Casa Pia, elevou ao seu expoente máximo com Sócrates e que, para mal dos nossos pecados, continua bastante viçoso com Costa. Em linguagem de Gabriela :-((


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