Isto dos pactos me lembra o que Fausto fez com
Mefistófeles para este lhe desvendar os segredos do Universo, que tanto
apetecia a sua ânsia de saber, à conta disso podendo atingir os espaços
infinitos, mas tendo como contrapartida a venda da sua alma ao demónio, que nem
a paixão pela doce Margarida conseguiu deter. É esse o grande problema nos
pactos, a venda das almas, pelo menos das pertencentes às grandes cabeças, como
era a do Dr. Fausto, sempre insatisfeito, sempre consciente da precariedade dos
seus saberes, aspirando ao seu domínio absoluto. António Barreto refere as
várias tentativas de pactos ao longo da nossa história mais recente – embora já nem
tanto assim – para constatar que os
pactos, pelo menos os de gente com o
nosso carisma, desleixada no cumprimento das regras, não são para se levar até
ao fim, a contento de ambas as partes. Há sempre uma parte que fica a perder,
se é que não perdem as duas, quando não ganha a mais perspicaz, geralmente na
falcatrua. António Barreto conta os vários casos para contestar a proposta de
pacto – de Justiça – de Marcelo Rebelo de Sousa, que bem se esforça por querer encobrir
as nossas modéstias em questão de princípios, no seu discurso optimista, que não
convence ninguém.
Pactos
António
Barreto
DN,
11/9/16
Em
recente intervenção pública, na abertura do ano judicial, o Presidente Marcelo
Rebelo de Sousa distinguiu-se com a apresentação da sua proposta para um novo
Pacto de Justiça. Consciente de que tinha havido, no passado, várias
experiências efémeras e diversas tentativas goradas, logo acrescentou que a sua
sugestão implicava um novo método, uma maneira original de elaborar tal pacto.
Não seria recomendável que este fosse o resultado de negociações partidárias
nem imposto pelas autoridades ou pelos órgãos de soberania. Pensa-se que a sua
ideia era a de que o pacto deveria começar a ser preparado pelas
"pessoas", pelas organizações, pelos "agentes", pelos
"actores" ou pelos "protagonistas" da Justiça.
Por
outras palavras, os preparativos pertenceriam aos juízes e suas associações,
aos procuradores e seu sindicato e aos conselhos de magistratura, assim como à
Procuradoria-Geral, ao Provedor, aos supremos tribunais, ao Tribunal
Constitucional, à Ordem dos Advogados, aos sindicatos e às associações de
oficiais de Justiça, às polícias e seus sindicatos e associações. Já agora,
porque não, aos eternos esquecidos que são as faculdades de Direito. Depois de
elaborado e após a sua discussão, seria a vez de os partidos políticos e as
instituições (Presidente, Parlamento e governo) se pronunciarem e darem força
política e de lei ao que seria esse pacto.
Vale
a pena fazer um breve exercício de memória e recordar que já houve um Pacto de
Justiça efectivo e várias tentativas. Em particular o Pacto de Justiça entre o
PS e o PSD, durante o governo de José Sócrates, com Alberto Costa ministro da
Justiça e Luís Marques Mendes líder do PSD. O então presidente da República,
Cavaco Silva, patrocinou o acordo. Depois, já com Luís Filipe Menezes à cabeça
do PSD, o pacto foi denunciado, gesto de que os dois partidos se culparam
reciprocamente. Percebeu-se na altura que o Pacto de Justiça era simplesmente
um acordo de conveniência, parcial e parcelar, sem fé nem sinceridade. Não
durou. Não deu frutos. Não teve vida feliz nem longa.
Antes
disso, Laborinho Lúcio tentou, em vários momentos e diferentes posições
institucionais. Rui Machete também se esforçou por isso. António Guterres,
líder do PS e primeiro-ministro, tentou fazer um pacto, formulado e
desenvolvido por Almeida Santos, mas nada conseguiu. Ainda em 2012, na abertura
do ano judicial, o presidente Cavaco Silva pedia, sem eco nem resposta, um
Pacto de Justiça.
A
história recente dos pactos políticos pode começar lá atrás, nos famosos pactos
MFA/Partidos I e II e incluir acordos políticos que, sem se chamarem pactos,
serviram como tal: por exemplo, a Constituição e suas duas principais revisões.
Um pouco de recordação dá rápidos frutos e lembra-nos vários princípios. Há
pactos que o não são, pois resultam da imposição pela força: foi o caso do
Movimento das Forças Armadas em 1975. Quanto aos pactos voluntários só existem
quando um partido de governo pretende camuflar a sua impotência ou deseja ter
um aliado para partilhar problemas. Segundo, os pactos em Portugal são facilmente
denunciados e por isso mesmo não são levados a sério. Terceiro, os chamados
protagonistas (magistrados, procuradores, advogados, policias, etc.) são
justamente os responsáveis pelas principais divergências corporativas e deles,
por iniciativa própria, só se pode esperar guerra e não um início de
entendimento. Quarto, não há elaboração de pacto sem que haja um árbitro com
influência, um mediador com autoridade ou um líder respeitado com legitimidade.
Finalmente, não existe qualquer hipótese de pacto, sectorial ou de regime,
sobre o que quer que seja quando o país está dividido entre esquerda e direita,
o que hoje acontece, com tendência para agravamento. O Presidente da República
sabe isto muito bem.
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