quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Amigos, amigos… negócios à parte


Isto dos pactos me lembra o que Fausto fez com Mefistófeles para este lhe desvendar os segredos do Universo, que tanto apetecia a sua ânsia de saber, à conta disso podendo atingir os espaços infinitos, mas tendo como contrapartida a venda da sua alma ao demónio, que nem a paixão pela doce Margarida conseguiu deter. É esse o grande problema nos pactos, a venda das almas, pelo menos das pertencentes às grandes cabeças, como era a do Dr. Fausto, sempre insatisfeito, sempre consciente da precariedade dos seus saberes, aspirando ao seu domínio absoluto. António Barreto refere as várias tentativas de pactos ao longo da nossa história mais recente – embora já nem tanto assim – para constatar que os pactos, pelo menos os de gente com o nosso carisma, desleixada no cumprimento das regras, não são para se levar até ao fim, a contento de ambas as partes. Há sempre uma parte que fica a perder, se é que não perdem as duas, quando não ganha a mais perspicaz, geralmente na falcatrua. António Barreto conta os vários casos para contestar a proposta de pacto – de Justiça – de Marcelo Rebelo de Sousa, que bem se esforça por querer encobrir as nossas modéstias em questão de princípios, no seu discurso optimista, que não convence ninguém.

Pactos
António Barreto
DN, 11/9/16
Em recente intervenção pública, na abertura do ano judicial, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa distinguiu-se com a apresentação da sua proposta para um novo Pacto de Justiça. Consciente de que tinha havido, no passado, várias experiências efémeras e diversas tentativas goradas, logo acrescentou que a sua sugestão implicava um novo método, uma maneira original de elaborar tal pacto. Não seria recomendável que este fosse o resultado de negociações partidárias nem imposto pelas autoridades ou pelos órgãos de soberania. Pensa-se que a sua ideia era a de que o pacto deveria começar a ser preparado pelas "pessoas", pelas organizações, pelos "agentes", pelos "actores" ou pelos "protagonistas" da Justiça.
Por outras palavras, os preparativos pertenceriam aos juízes e suas associações, aos procuradores e seu sindicato e aos conselhos de magistratura, assim como à Procuradoria-Geral, ao Provedor, aos supremos tribunais, ao Tribunal Constitucional, à Ordem dos Advogados, aos sindicatos e às associações de oficiais de Justiça, às polícias e seus sindicatos e associações. Já agora, porque não, aos eternos esquecidos que são as faculdades de Direito. Depois de elaborado e após a sua discussão, seria a vez de os partidos políticos e as instituições (Presidente, Parlamento e governo) se pronunciarem e darem força política e de lei ao que seria esse pacto.
Vale a pena fazer um breve exercício de memória e recordar que já houve um Pacto de Justiça efectivo e várias tentativas. Em particular o Pacto de Justiça entre o PS e o PSD, durante o governo de José Sócrates, com Alberto Costa ministro da Justiça e Luís Marques Mendes líder do PSD. O então presidente da República, Cavaco Silva, patrocinou o acordo. Depois, já com Luís Filipe Menezes à cabeça do PSD, o pacto foi denunciado, gesto de que os dois partidos se culparam reciprocamente. Percebeu-se na altura que o Pacto de Justiça era simplesmente um acordo de conveniência, parcial e parcelar, sem fé nem sinceridade. Não durou. Não deu frutos. Não teve vida feliz nem longa.
Antes disso, Laborinho Lúcio tentou, em vários momentos e diferentes posições institucionais. Rui Machete também se esforçou por isso. António Guterres, líder do PS e primeiro-ministro, tentou fazer um pacto, formulado e desenvolvido por Almeida Santos, mas nada conseguiu. Ainda em 2012, na abertura do ano judicial, o presidente Cavaco Silva pedia, sem eco nem resposta, um Pacto de Justiça.
A história recente dos pactos políticos pode começar lá atrás, nos famosos pactos MFA/Partidos I e II e incluir acordos políticos que, sem se chamarem pactos, serviram como tal: por exemplo, a Constituição e suas duas principais revisões. Um pouco de recordação dá rápidos frutos e lembra-nos vários princípios. Há pactos que o não são, pois resultam da imposição pela força: foi o caso do Movimento das Forças Armadas em 1975. Quanto aos pactos voluntários só existem quando um partido de governo pretende camuflar a sua impotência ou deseja ter um aliado para partilhar problemas. Segundo, os pactos em Portugal são facilmente denunciados e por isso mesmo não são levados a sério. Terceiro, os chamados protagonistas (magistrados, procuradores, advogados, policias, etc.) são justamente os responsáveis pelas principais divergências corporativas e deles, por iniciativa própria, só se pode esperar guerra e não um início de entendimento. Quarto, não há elaboração de pacto sem que haja um árbitro com influência, um mediador com autoridade ou um líder respeitado com legitimidade. Finalmente, não existe qualquer hipótese de pacto, sectorial ou de regime, sobre o que quer que seja quando o país está dividido entre esquerda e direita, o que hoje acontece, com tendência para agravamento. O Presidente da República sabe isto muito bem.


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