Um artigo de um jornalista que
não desiste de querer para o seu país uma consciência cívica que arrume com
tanta penúria dela e esse facto é algo reconfortante para quem vai envelhecendo
“olhando para trás de si” - olhando em torno de si - “e tendo pena”,
mas sempre esperançada numa retoma de valores, que jovens e menos jovens vão revelando,
tentando desassombradamente desemaranhar a vasta teia de desmandos a que na sua
profissão ou nos seus estudos terão algum acesso. É o caso deste «Sócrates e os seus
viúvos», de João Miguel Tavares - um Sócrates que vai estrebuchando,
nadando nas vastas águas indecisas da aceitação pública, que acaba sempre por
lhe ser fiel, por conveniência própria dos comparsas, apesar das tentativas
justiceiras de uma eterna desmistificação das suas embrulhadas soezes.
E retenho a frase de Sócrates,
não o nosso mas o que viveu entre 470 – 399 a. C, numa Grécia pioneira, frase
que encima propositadamente a mesma página do artigo referido, e que demonstra
como os princípios são “escritos na pedra” para sua eternidade, para serem
seguidos por uma Justiça isenta. «Três coisas devem ser feitas por um
juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente».
A verdade é que os nossos “super-juízes” que se pretendem isentos,
não passam de patéticas amostras de uma falsa
manipulação dessa isenção, na indignação aparente e vaidosa que esses casos lhes provocam,
demonstrada no queixume irónico pueril de um seu representante, em entrevista
longamente debatida. Não julgo, pois, que resultem, artigos como este de
João Miguel Tavares, numa tessitura social tão extraordinariamente balofa:
Sócrates e os seus viúvos
17/09/2016
- 00:10
Neste país respira-se muito melhor do
que em 2008 ou 2009, mas as contas dos anos Sócrates ainda estão por fazer.
Toda
a gente pergunta como é possível a investigação a José Sócrates estar a demorar
tanto tempo. É muito fácil de explicar. Em primeiro lugar, porque o
poder político em Portugal nunca se mostrou realmente interessado em combater a
corrupção. As leis que regulam o seu combate são péssimas para os
polícias e excelentes para os ladrões. Em segundo lugar, porque aquilo que o
Ministério Público está a investigar não é uma simples ocorrência, um acto de
corrupção, mas sim um método de agir em inúmeros negócios, o que são coisas
completamente diferentes. Estamos a falar na possibilidade de Sócrates ser
o maior criminoso político da História da democracia portuguesa, coisa que não
parece impressionar por aí além todos aqueles que acham mais graves as
indirectas de Carlos Alexandre do que as explicações ridículas de José Sócrates
sobre a origem do seu dinheiro.
Sócrates
dá entrevistas e escreve depoimentos a queixar-se de que o Ministério Público
primeiro andava a investigar o favorecimento do grupo Lena, depois o
empreendimento de Vale do Lobo e que agora já está na PT. Que é como quem diz:
o Ministério Público não encontrou nada e anda desesperado à pesca de qualquer
coisa. Estranhamente, ou talvez não, nem José Sócrates nem os seus muitos
amigos que continuam espalhados pela política, pelas empresas e pelos jornais
admitem a hipótese de não ser “isto ou aquilo”, mas sim de ser “isto e aquilo”.
Não se tratam de conjunções alternativas, mas de conjunções copulativas: é
o grupo Lena, é Vale do Lobo e é a PT. Como antigamente era a Cova
da Beira, era o Freeport e era o Face Oculta. Não há aqui nenhuma novidade.
Há muito que muita gente alertava para o percurso, para a postura e para as
tentações de José Sócrates. Esta investigação é apenas a
confirmação de um infindável rol de suspeitas em relação às quais ele sempre se
justificou com os mesmos adjectivos canalhas que continua a utilizar.
É
verdade que o Ministério Público podia ter optado por avançar com uma acusação
de fraude fiscal e branqueamento de capitais, para a qual já deve ter prova
suficiente. Os investigadores quiseram ser mais ambiciosos e não deixar cair a
corrupção – que é obviamente o que está em causa, mas que, se fosse fácil de
provar, há muito que dezenas de políticos estariam presos. Não é. A lei
portuguesa faz distinções obscenas, como a corrupção para acto lícito e para
acto ilícito, apenas para facilitar a prescrição dos processos, e de cada
vez que se fala na hipótese da delação premiada, sem a qual jamais haveria
operação Lava-Jato, ou na criminalização do enriquecimento ilícito, há mil
vestes que se rasgam – as mesmas que depois se queixam dos “casos” e dos
“negócios” que morrem nos tribunais.
Neste
país respira-se muito melhor do que em 2008 ou 2009, mas as contas dos anos
Sócrates ainda estão por fazer. Na política e nos jornais, os seus
viúvos continuam por aí, e o número de textos que escrevem a criticar o
Ministério Público é proporcional ao número de textos que não escrevem
criticando o comportamento de Sócrates ou os anos que levaram a apoiá-lo. Em
nome de belos princípios, limitam-se a defender os seus almoços e as suas
opiniões entre 2005 e 2011, fazendo todos os dias figas para que a investigação
falhe redondamente. A
derrota do Ministério Público seria para eles a vitória dos seis anos de
mediocridade e autoritarismo que nunca se cansaram de patrocinar. O destino de
Sócrates apenas lhes interessa porque é também o seu.
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