Os Estados Unidos da América
são realmente uma poderosa nação, de muitos milhões de pessoas, que até se dão
ao luxo de aceitar nas suas hostes – e talvez de o promover – um candidato com
a espessura mental do seu Trump, espessura alimentada pela imensidão de dólares
que tornou o seu espírito imune a quaisquer outras investidas espirituais, até
mesmo as da boa educação. Não estávamos habituados a tanta elementaridade de um
comportamento absurdo, por descontrolado, inexplicavelmente apoiado por – ver-se-á
- metade ou talvez mais, de uma população seduzida pelo ouro do guerreiro que a
torna indiferente às grosserias da sua actuação. Isso nos faz pensar na
similitude dos comportamentos humanos quer se trate de países poderosos quer de
países de ínfima projecção como o nosso, que aceitámos, como candidato
presidencial, um Tino de Rans apalhaçado, a botar uns discursos cheios da
energia popular da reivindicação esmoler fácil de captar e de aceitar por um
povo de tristeza e de pagode.
As perfídias de Trump, Teresa
de Sousa as descreve, com o seu saber e lógica habituais, defendendo a candidata
Clinton, com um empenhamento feito de conhecimento das políticas mundiais, que
assentam nos Estados Unidos, como força motriz no comando das nações. Será disso
que os americanos estão fartos para escolherem personagem tão caricata? De resolver
problemas alheios, sacrificando os próprios filhos? Mas isso os tornou
poderosos, indispensáveis para resolver conflitos que eles, de resto, ajudaram,
tantas vezes a criar.
Mas é assim que gira o mundo. Talvez
Trump queira mudar isso. Daí, ter abolido os convencionalismos do politicamente
correcto. Que Deus nos acuda. Estamos habituados a presidentes estadunidenses
com o seu aprumo próprio que lhes vem também da consciência do seu poderio no
mundo. O próprio Obama, afável e risonho no seu país, quando desce à Europa, mantém
um perfil de superioridade comprovativo dessa consciência do poder.
Um Trump na Europa como será?
Mas talvez ele não queira descer à Europa, quando os seus poisaram na Lua e tão longe mais …
Como combater o populismo?
Público, 18/09/2016
1. Durante uma semana a pneumonia de
Hillary apoderou-se da campanha para a Casa Branca. Deu jeito a Donald
Trump, que passa a vida a dizer que a sua adversária está doente. Como
é seu hábito, vai repetindo uma ideia sem qualquer sustentação, até conseguir
que ela crie desconfiança na opinião pública. A questão é outra: por que
razão toda a gente quer discutir a pneumonia de Clinton como se fosse a coisa
mais importante na escolha de um Presidente? O primeiro argumento não é
sobre a gravidade da doença. É sobre o facto de a candidata não ter revelado
imediatamente que estava com pneumonia. Ela própria já veio dizer que achou que
podia ultrapassar o seu estado de saúde sem deixar a campanha. Bill também já
veio pedir desculpa por ter dito que a sua mulher estava apenas constipada.
Esta obsessão pela transparência total, muito politicamente correcta, mas
também bastante estúpida, afasta a opinião pública daquilo que realmente
interessa. É essa, aliás, a estratégia de Trump, que, por sinal, mente dia sim,
dia não. Mas o facto é que as sondagens voltaram a apertar o
intervalo entre Clinton e Trump. A campanha de Hillary está tudo menos
descansada. O próximo desafio são os debates televisivos em que a
grosseria e o primarismo de Trump criam um clima inóspito para outro tipo de
linguagem e de discurso. O problema de Hillary, escreve Gerald Seib no Wall Street Journal, é o mesmo que levou à derrota os
12 candidatos que disputaram as primárias contra Trump. “Como se corre
contra um candidato tão fora dos padrões habituais, tão duro e tão brutal?”
Aconselha Hillary a não entrar num combate directo. “Quando Rubio e Cruz
decidiram entrar num combate de facas com Trump, acabaram cortados às fatias”.
Clinton corre esse risco.
A
novidade seguinte foi o inesperado reconhecimento de que Obama tinha nascido,
mesmo, na América. Há quatro anos, Trump exigiu que apresentasse a
certidão de nascimento. Mas o candidato republicano não faz nada que possa
beneficiar o adversário. O que se seguiu foi a insinuação de que tinha sido
Clinton há oito anos, nas primárias, quem primeiro levantara a questão. Como
é que se responde a uma insinuação destas? É difícil e obriga a adversária,
tal como a pneumonia, a desgastar-se em questões de pura chicana política mas
que vão fazendo mossa. Ontem, a certidão de nascimento já tinha sido
substituída por outro facto, ainda mais grave. Trump desafiou Clinton a
tirar as armas aos seus guarda-costas para ver o que aconteceria. Mais uma vez,
avança com a insinuação de que lhe pode acontecer alguma coisa. Mais uma vez a
distracção perfeita para desestabilizar a campanha da sua adversária. Cortar às
fatias, como diz o Journal. Como se sai disto?
2. O lado mais importante das últimas semanas
é, no entanto, o programa económico que Trump apresentou, com os condimentos
necessários para agradar quer ao eleitorado republicano, quer ao democrata.
Trump anunciou que uma das suas principais medidas será uma redução drástica
dos impostos, muito ao gosto republicano. Prometeu 4,4 triliões de
dólares, depois de ter começado por prometer 10 triliões. A segunda, muito
democrata, é “rebobinar” a globalização, devolvendo à América os empregos
que andou a exportar para a China ou para o México. Como? Por exemplo,
aplicando tarifas de 35 por cento às importações mexicanas e de 45 às chinesas.
Como lembra a BBC, um televisor de 100 dólares passaria a custar 135. Quem
pagava a factura? A classe média, naturalmente. E lá se ia a poupança nos
impostos. O mesmo em relação aos acordos de livre comércio, que quer rasgar
ou, na versão mais actual, renegociar. Mas com uma só condição: “a
América tem de ganhar”. E os outros perderem? É óbvio que responderão com o
mesmo aumento de tarifas para as importações americanas. Quem fica a ganhar?
Ninguém. Mas uma parte substancial dos eleitores aceita o que ele diz
sem precisar de detalhes. A cereja em cima do bolo foi a promessa de criar em
10 anos 25 milhões de empregos. Parece muito mas não é. Bill
Clinton criou em oito anos 22 milhões de empregos e conseguiu transformar o
défice em excedente orçamental. É verdade que isso aconteceu noutro tempo. A
economia americana, depois de um período de recessão, estava já a inverter o
ciclo. A entrada em cena das novas tecnologias foi mais um forte impulso ao
crescimento. Mas a verdade é que a economia americana já está hoje a criar
perto de 2,5 milhões de empregos por ano, que, multiplicados por dez, chegam à
promessa de Trump. Como lembrava Paul Krugman na sua coluna do NYT, os dados da economia americana que acabam de ser
revelados provam que a política económica de Obama não foi assim tão má, ainda
que esteja nos antípodas de Trump. O desemprego está em valores que rondam os 5
por cento, o rendimento médio das famílias aumentou num ano 5,2 por cento. A
economia ganha balanço. Ou seja, se Trump tem um plano para a economia,
não será difícil a Clinton apresentar o seu. Até agora, a candidata tem
cedido, aqui e ali, à pressão do populismo e ao eco que tem em partes muito
significativas do eleitorado. A sua posição é difícil. É fácil dizer que se
acaba com todos os acordos de livre comércio internacionais, é difícil explicar
às pessoas quais seriam as consequências. É fácil prometer descer impostos,
mais difícil garantir que os estímulos à economia não podem ser apenas feitos
para beneficiar os mais ricos. A Trump, basta-lhe dizer que um país “que
ganhou duas guerras mundiais e pôs um homem na lua” pode tudo. Uma parte
dos americanos parece acreditar. Trump explora uma raiva imoderada às elites e
ao modo como Washington funciona. Uma recente sondagem do Washington Post indicava que era visto pelos eleitores
como o pior candidato em matéria de política externa, mas o melhor para
destruir o sistema disfuncional de Washington. Do qual Hillary é um exemplo
perfeito ao olhos de muita gente.
3.
Hillary tem hoje um peso enorme sobre os ombros. Uma boa parte do mundo
espera que ela ganhe as eleições porque não saberia o que fazer caso Trump
viesse a ser eleito. Mas considerar a NATO uma organização obsoleta, dizer à
Coreia do Sul e ao Japão que, se se querem defender da Coreia do Norte, construam
as suas próprias armas nucleares em vez de viver a expensas dos EUA não é de
molde a tranquilizar ninguém. A não ser aqueles que apostam no
enfraquecimento da América. Quando Trump elogia Putin e o desafia a
piratear os mails de Clinton, está tudo dito. Clinton chegará à casa Branca com
uma experiência e uma preparação de que poucos presidentes se podem gabar.
Conhece o mundo inteiro, negociou com o mundo inteiro. Preparou-se para este
lugar toda a vida, esperando pela sua vez. Falhou em 2008 porque teve de
enfrentar um candidato excepcional. Não pode falhar agora, quando tem de
derrotar um populista com preparação zero e com um programa que seria fatal
para o poder americano. Joschka Fischer, anterior chefe da
diplomacia alemã, dizia numa conferência em Londres que nunca, mas nunca,
acreditou que o “Brexit” pudesse alguma vez acontecer. Devemos temer o
pior? Para a Europa seria um desastre. Para o mundo seria uma enorme incerteza.
Estamos a falar da única superpotência mundial da qual depende, em grande medida,
a nossa segurança e a segurança do mundo. É aqui que sentimos um calafrio. Boa
sorte para Hillary, é tudo o que podemos desejar.
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