quarta-feira, 14 de setembro de 2016

11 de Setembro


Os jornalistas tiveram que o  referir, tratava-se de uma data importante, tinham passado quinze anos, fora uma visão que parecera irreal, própria dos filmes de animação a partir de BDs, de um imaginário impensável na vida real. Também nós assistíamos num café – do Luís – e ficámos estarrecidas, a minha amiga e eu, perante o espectáculo que a televisão despejava da perfuração das Torres pelos bólides. Largámos o café e fomos para as nossas casas, colar-nos ao écran. Não era BD.
Vieram as cenas possíveis do interior das Torres, do exterior, dos desesperos, das movimentações, das referências de um universo plutónico. Fora pior ainda em Hiroshima e Nagasaqui, mas essas não víramos, éramos pequenas, não havia televisão para nós, só mais tarde soubéramos, como coisa necessária para o fim da guerra. Este caso fora espectacular, contra a maior potência, aviões de suicidas que fizeram o seu serviço numa extrema limpeza. Todos vimos, mas há quem negue a evidência, como os que negaram a esfericidade da Terra, ou a chegada do homem à Lua. Quando muito, justificam-no como conspiração dos próprios, pretexto para retaliações, no Médio Oriente, a começar pelo Iraque. E Alberto Gonçalves desmascara esses, os da bondade unilateral desculpabilizante do atacante, condenatória do atacado. Ao seu modo habitual, de censor dos defeitos próprios nossos, que muitos temos, tacanhos e arrogantes que somos.
Simultaneamente, “reabilita” Sócrates, como tantos pretendem, a começar pelo próprio ex-ministro e toda essa comandita que prefere ir colaborando na destruição da nação. Luta inglória a de Alberto Gonçalves, num país de chamas. Sem chama.

A geração mais informada está infestada de patetas
Alberto Gonçalves
As teorias da conspiração são o último refúgio dos nossos ignorantes
DN, 11/9/16

Quinze anos depois, não tenciono informar ninguém sobre onde estava eu no 11 de Setembro, nem analisar o significado do 11 de Setembro, ou classificar a resposta militar ao 11 de Setembro, ou debater as origens do 11 de Setembro, ou ponderar a influência do 11 de Setembro na vida em 2016. Limito-me a lembrar que o DN de hoje inclui, por módico preço adicional, o DVD de Voo 93, filme que recria, na medida do possível, os últimos momentos do avião da United Airlines que, após sequestro e reacção dos passageiros, acabou despenhado num campo da Pensilvânia.
Há dias, o DN antecipou online o lançamento. Um leitor criticou de imediato a "publicidade" do "imperialismo" e do "heroísmo parolo" (se fossem sofisticados, os burgessos dos americanos permitiriam que os matassem sem levantar problemas). Outros leitores desenvolveram a tese e esclareceram as massas acerca do avião "sem asas" que embateu no Pentágono, da "circunstância" de a maioria dos judeus que trabalhavam no World Trade Center terem faltado nesse dia, dos telemóveis que "não funcionam" nos aviões e, em suma, da "grande mentira que foi o 11 de Setembro".
É escusado notar que este tipo de delírios não é exclusivo de alguns leitores do DN, ou sequer do público português. Pelo mundo fora, uma extraordinária quantidade de gente acreditou, acredita e continuará a acreditar que o 11 de Setembro constituiu um horrendo embuste da administração Bush para justificar a invasão do Afeganistão e do Iraque. "Fundamentadas" em milhares de sites mantidos por malucos ou vigaristas, há por aí milhões de pessoas aparentemente normais que rejeitam toda a evidência e qualquer réstia de bom senso para acolher "argumentos" estapafúrdios e indignos da cabecinha de uma criança. Na essência, essas criaturas não diferem das que, no século 12, suponham a Terra plana, ou das que, no século XVII, a achavam imóvel. Mas as diferenças no acesso à informação, e a incapacidade em seleccioná-la, assemelham-nas mais aos pândegos, muitos deles jovens urbanos, que negam o evolucionismo das espécies - e não cabe aqui discutir se tão primitiva resistência aos factos é, em sim mesma, um desmentido de Darwin.
Salvo pelos seus partidários, é sabido que as teorias da conspiração são o último refúgio dos nossos ignorantes. O pior é serem também a primeira arma dos nossos inimigos. Existe relativa graça no indivíduo sinceramente convencido de que a equipa da Apollo 11 não chegou à Lua, e imensa graça em imaginar que o indivíduo vive realmente na Terra. A brincadeira adquire maior gravidade sempre que, na sua estupidez, as teorias da conspiração servem projectos criminosos. O comunismo e o nazismo, para citar duas calamidades maiores, não teriam sido o que foram sem a "legitimação" manipuladora providenciada por gigantescas patranhas. E o terrorismo não seria o que é.
As lendas alusivas ao 11 de Setembro constituem o logro voluntário em que caem os ocidentais que não aceitam, ou fingem não aceitar, a culpa do islão. Atentados posteriores atraíram lendas semelhantes, excepto na dimensão. Certas chacinas em França, por exemplo, espevitaram os "conspiracionistas" assumidos: não é estranho que os assassinos do Bataclan tivessem deixado para trás as identificações? Já os "conspiracionistas" dissimulados adoptam a via das dificuldades de "integração" e os "distúrbios psiquiátricos". A este respeito, duas verdades são inegáveis: o mundo está cheio de doidos, e, à conta de masoquismo e crendices, o futuro do Ocidente promete ainda menos em 2016 do que prometia há 15 anos.

Sexta-feira, 9 de setembro
As cinzas do Magalhães
É bom constatar que, aos poucos, começa a reabilitar-se o legado do eng. Sócrates. Um destes dias, a revista Visão informou que, durante a vigência desse grande líder e por obra do ministro Mário Lino, foram desviados 380 milhões de euros da prevenção e combate aos incêndios para a produção e distribuição do lendário computador Magalhães. Uma só decisão, uma série de enormes avanços.
Por um lado, deu-se a todas as criancinhas do país a possibilidade de perceber o que, por comparação com o Magalhães, eram computadores a sério (desenvolvimento de competências informáticas) e, de seguida, vender o Magalhães nas feiras da ladra (desenvolvimento de competências comerciais) ou deixá-lo a apanhar pó na arrecadação (desenvolvimento de competências domésticas).
Por outro lado, resolveu-se num ápice a ocupação de tempos livres nos meses de Verão. Sem os fogos florestais e urbanos, o que fariam os bombeiros? Com que se distrairiam os espectadores dos intermináveis noticiários? Que oportunidade teriam os repórteres de introduzir obsessiva e repetidamente no discurso os "meios aéreos", as "frentes activas" e os "cenários dantescos"? Quem substituiria os milhares de especialistas chamados a explicar-nos o porquê de as coisas arderem quando se lhes deita fogo?
Isto é apenas um exemplo. Ao contrário do que indivíduos sem princípios chegaram a insinuar, o governo do eng. Sócrates foi óptimo. Por sorte (temos muita), o actual é ainda melhor: não é à toa que tantos comentadores isentos adiantam serviço e reabilitam-no em directo - sempre que o "directo" não se ocupa de um qualquer cenário dantesco.


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