Abre-te, Sésamo!
Uma tradição nos persegue há muito
sobre a participação da fêmea portuguesa em momentos de crise especiais. Não me
refiro, naturalmente, às figuras com certa aura sagrada, como a rainha D.
Isabel, que, aliás, nos viera de Aragão, não pertencia ao solo pátrio, e se
limitara a transformar o pão do regaço em rosas, ou a resolver questões
domésticas, ou mesmo outras ilustres, como D. Filipa de Lencastre, também
estrangeira mas criadora de uma “Ínclita Geração”, a virtuosa D. Leonor de Lencastre, do solo nacional, ou
artistas de vária ordem, como Paula Vicente, Luísa Sigeia, Luísa Todi, Josefa
de Óbidos, duquesa de Alorna, para só falar das antigas, que deixaram rasto na
evolução pátria. Refiro-me às de cepa popular, cheias de ânimo combatente tal a
padeira de Aljubarrota ou a Maria da Fonte, que deram o seu contributo másculo
para virar a corrente política. Como hoje. Não são as três Marias, que se
limitaram a escrever cartas e a prosseguir, na viragem do credo feminino, mas
estão lá, forcejando por mudar, com os seus novos poderes, os destinos da
nação. Muitas, é certo, passaram pelo tablado da governança nacional, cada qual
com o seu papel, depois do 25 de Abril, com uma representatividade mais ou
menos acentuada e bem intencionada, segundo a sua ideologia política, ou
tendência provocatória, como Odete Santos, a provar que a Mulher é
perfeitamente capaz de assumir causas, empenhando-se em discursos decididos, e
hoje, mais do que nunca, dada a actual posição de força que lhes permite usar a
chantagem como meio de acelerar definitivamente a mudança para a ruína do país,
a pretexto de salvar o povo mártir das desigualdades sociais consuetudinárias.
Ouço-as e vejo-as, a saracotearem os seus discursos irónicos, os de Catarina
Martins, sinistros na sua segurança pérfida, sem terem em conta os telhados de
vidro próprios ou da família, os de Mariana Mortágua, nada incomodadas com a
situação de desastre financeiro do país nem com a torpeza das suas propostas de
atrevimento e ilicitude de buscarem dinheiro no filão do roubo, como o faziam
os ladrões de Bagdad, e Ali Babá repetiu, na facilidade do seu abre-te Sésamo,
sem mais aquelas. Que as fêmeas do bloco de esquerda, leram evidentemente e
adaptaram a fórmula simples, em proveito próprio. No DN de 18/9, António Barreto e João
Taborda da Gama esclarecem
ponderadamente e exemplarmente o caso. Eu limito-me a soltar o “Livra!” da
indignação.
As esquerdas
e o dinheiro
António
Barreto
Sempre se
disse que as esquerdas têm um problema com o dinheiro. A começar pelo facto de
não o terem. É natural. Tivessem dinheiro e talvez
não fossem esquerdas. Com algumas excepções, as pessoas de esquerda não têm
muito. Por isso, quando estão
no governo, têm uma atitude ligeira com o dinheiro dos outros. Querem promover
a educação, a saúde, a segurança social e as obras públicas, o que é excelente,
só que para isso, que custa tão caro, faz falta o dinheiro. Mas, convencida de que a direita tirou
aos pobres para dar aos ricos, a esquerda também quer reverter e devolver aos
pobres... No entanto, dar é
uma coisa. Crescer e distribuir é outra, bem diferente e mais difícil. Mas a
verdade é que uma e outra, esquerda e direita, desde 2000, não conseguem
investir nem crescer.
Nos bons
tempos, gasta-se o que se tem. Nos anos difíceis, gasta-se o que não se tem.
Depois, é necessário encontrar dinheiro. As soluções: fazê-lo, pedi-lo
emprestado ou ir buscá-lo onde ele está. Portugal está a viver um período desses,
dos maus. Só que não se pode
fazer dinheiro, o Banco de Portugal e a Casa da Moeda já não servem para isso.
Pedir emprestado, é o que se vai fazendo, mas está cada vez mais caro. E quem
tem dinheiro ficou exigente: ou não empresta ou impõe condições proibitivas. O que se deve é tanto que só os
juros levam os recursos para investimento. Foi aliás por causa de se ter pedido
a mais que chegámos onde estamos.
Sobra,
portanto, a última hipótese. Ir
buscá-lo onde ele está. Em
primeiro lugar, entre os capitalistas do mundo inteiro, para investir.
Seria o ideal. Só que Portugal
não oferece hoje, nem sequer nos últimos anos, boas condições. Não sabe criar incentivos nem
atrair investimento. Se não há capitalistas lá fora, é preciso ir ter com os de
cá de dentro. E levá-los a investir. Só que... Já não há! Ou quase não há! O capitalismo português acabou. Sobravam uns banqueiros, umas
empresas e umas famílias: faliram, estão depenados, levaram o seu dinheiro para
outros países ou não têm confiança no regime e no governo. O dinheiro dos
bancos já não existe ou está preso pelo BCE. Os bancos já não têm que chegue e
precisam dos contribuintes!
Há,
evidentemente, o dinheiro dos turistas, mas não é suficiente. Há o dos
emigrantes: é bom, apesar de já não ser o que era, mas também não chega para as
encomendas. Há finalmente os dinheiros europeus, os famosos "fundos".
Esses são excelentes, essenciais há mais de trinta anos, mas o montante já não
é o que era. Além disso, estão sob controlo europeu cada vez mais apertado e
presos na tenaz burocrática portuguesa. E também em risco de suspensão, dado o
mau comportamento financeiro do governo e do país. Os fundos já não são a solução!
Se o que
havia fugiu e se não se atrai o que está lá fora, só resta mesmo ir à receita
miraculosa dos comunistas, do Bloco e dos socialistas mais nervosos: ir
buscá-lo onde está! É há anos a receita infalível. Os dirigentes políticos dos
novos aliados do PS sempre o disseram. Ir buscá-lo onde? Aos ricos. Às contas
bancárias. Às empresas. Às casas.
O
problema é que não há ricos. Ou antes, não há ricos que cheguem. Os que tinham
dinheiro já o puseram a recato. E o dinheiro já não chega. Por conseguinte,
vamos aos que se seguem, todos os que têm alguma coisa. Passam a ser todos
ricos. Por exemplo, para já, aos que têm património de mais de 500 mil euros...
Faz-se uma lei sem saber quantas pessoas, quantas casas, qual o rendimento...
Não se faz a mínima ideia, o governo não define o que é um rico nem um pobre. É
quem convém. E se não chega, arranjar-se-á mais, com os impostos indirectos,
antes de se passar aos directos. E a tudo o que vive. Tudo o que tem ou ganha
qualquer coisa. Até se chegar aos remediados. Até deixar de haver ricos. Mesmo
que então já só haja pobres...
Os visons de
Francisco Louçã
João Taborda
da Gama
Desengane-se
quem tiver começado a ler este texto sugestionado pelo título e augado para
encontrar revelações sobre as preferências dos nossos políticos no vestir,
fazendo concorrência a uma abjeção que parece que vai ser publicada por estes
dias sobre a vida íntima de um conjunto de pessoas. O texto é sobre algo bem
mais cinzento do que homens em casacos de peles, é sobre impostos.
Esta semana
ficámos a saber que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista vão propor a
criação de um imposto sobre as fortunas. Tributar o património global das pessoas
tem uma justificação política e uma justificação técnica, e ambas as
justificações têm um nível de acerto e coerência mais do que suficiente para
poderem e deverem ser discutidas de forma séria.
Para percebermos a fundamentação política da proposta do Bloco de Esquerda é preciso recuarmos ao ano de 1999. Francisco Louçã tinha acabado de fundar o Bloco e de ser eleito como deputado nas eleições legislativas de outubro desse ano. Na sua estreia parlamentar deixa bem clara a sua agenda também em matéria fiscal e ao segundo dia de debate anuncia: "queremos introduzir propostas que penalizem a propriedade que tem sido o resultado cumulativo do roubo, ou seja, da fraude geracional. Por isso, é preciso introduzir um imposto sobre as grandes fortunas, onde elas beneficiaram dessa fraude acumulada geracionalmente e isso supõe a única medida indispensável para combater este regime geral de fuga ao fisco que é alterar a protecção que o sigilo bancário dá nestas questões essenciais". A proposta foi apresentada e chumbada um ano mais tarde (o Partido Socialista rotulou a proposta de maximalista e sectária e passou à frente). A questão voltou em 2002, 2005, 2009 e 2011, e quando houve votações o PCP e o BE votaram em conjunto (em 2009 quatro deputados do PS juntaram-se a eles na votação).
Para percebermos a fundamentação política da proposta do Bloco de Esquerda é preciso recuarmos ao ano de 1999. Francisco Louçã tinha acabado de fundar o Bloco e de ser eleito como deputado nas eleições legislativas de outubro desse ano. Na sua estreia parlamentar deixa bem clara a sua agenda também em matéria fiscal e ao segundo dia de debate anuncia: "queremos introduzir propostas que penalizem a propriedade que tem sido o resultado cumulativo do roubo, ou seja, da fraude geracional. Por isso, é preciso introduzir um imposto sobre as grandes fortunas, onde elas beneficiaram dessa fraude acumulada geracionalmente e isso supõe a única medida indispensável para combater este regime geral de fuga ao fisco que é alterar a protecção que o sigilo bancário dá nestas questões essenciais". A proposta foi apresentada e chumbada um ano mais tarde (o Partido Socialista rotulou a proposta de maximalista e sectária e passou à frente). A questão voltou em 2002, 2005, 2009 e 2011, e quando houve votações o PCP e o BE votaram em conjunto (em 2009 quatro deputados do PS juntaram-se a eles na votação).
Primeiro
ponto: a tributação das fortunas faz parte do ADN do Bloco de Esquerda - a não
ser que o Bloco tivesse deixado de ser o Bloco, nada pode espantar que o tema
tenha voltado à baila. Mas se antes era possível ignorar a
questão, hoje não. Precisando o PS do apoio dos parceiros de coligação há que
dar-lhes vitórias, e esta pode ser mais uma das vitórias a dar ao Bloco. Até
porque há uma constatação generalizada que em matéria fiscal, de transparência
e justiça tributárias, o Bloco tem estado muitas vezes do lado certo da luta
(sigilo bancário, off shores, troca de informações).
Depois há o
facto de, do ponto de vista de política fiscal, fazer sentido tributar o
património global das pessoas, sem ser preciso falar de fraude geracional: o
princípio da capacidade contributiva manda que se contribua para a satisfação
das necessidades coletivas tendo em conta a força económica relativa de cada
um. Ora uma ideia de igualdade relativa que não é muito
difícil de vislumbrar é o facto de quem tem mais património ser mais rico do
que quem tem menos. E esse património acumulado representa algo
substancialmente diferente do que os rendimentos que se foram recebendo e o
permitiram. É isso que justifica, por exemplo, a tributação do rendimento e do
património imobiliário, que é incontestada (tal como se justifica tributar um
salário em IRS e o consumo permitido por esse mesmo salário em IVA). Quem tem
mais património pode endividar-se, tem menor aversão ao risco, pode e deve
contribuir algo mais.
Mas não há razão para atualmente se onerar a riqueza de quem tem um imóvel de um milhão de euros e não a riqueza de quem tem uma carteira de investimentos de um milhão de euros. Tributar apenas as casas é violar o princípio da igualdade em relação a quem prefere casas a títulos.
Mas não há razão para atualmente se onerar a riqueza de quem tem um imóvel de um milhão de euros e não a riqueza de quem tem uma carteira de investimentos de um milhão de euros. Tributar apenas as casas é violar o princípio da igualdade em relação a quem prefere casas a títulos.
Em tese a
ideia de tributar o património global é boa, é justa, mas quando passamos ao
detalhe a coisa complica-se, e muito. Em primeiro lugar, apenas será justa uma
tributação do património líquido, descontando os passivos (quem tem uma casa de
um milhão de euros e deve cinco milhões é menos rico do que quem tem a mesma
casa e nada deve). Em segundo lugar, o valor do património varia de ano para
ano, e o imposto deve permitir que se compensem variações patrimoniais de ano
para ano. Em terceiro lugar, é preciso que a tributação assente numa base
tributária de valor de mercado (apenas se é rico na medida em que possa
converter a riqueza em patacos). E em quinto lugar, é sobretudo preciso decidir
que bens fazem parte desse património a tributar. O Bloco de Esquerda parece agora vir
dizer que são apenas os bens imobiliários, tendo o PC ficado com a parte dos
mobiliários (numa espécie de Tordesilhas gerigôncicas). Mas, admitindo que as propostas se
juntam, qual o âmbito, para além das casas, dos carros, das contas, das ações?
Quanto maior a abrangência, mais justo, mas também mais impraticável. As
propostas anteriores do Bloco tributavam os cavalos, mas deixavam de fora
antiguidades, coleções, joias de família e, segundo Francisco Louçã afirmou no
Parlamento, os visons, que até eram tributados no imposto espanhol, mas não
seriam tributados em Portugal.
E o problema
reside precisamente na dificílima aplicabilidade prática deste tipo de impostos
e na fraude massiva que
potenciam e incentivam, gerando receitas diminutas. Uma discussão séria sobre a questão
implicaria que se explicasse fundamentadamente qual a receita prevista
(computando o planeamento fiscal que estas medidas já estão a gerar), quais os
custos de preparação da máquina fiscal para a sua cobrança, que parte da receita
será entregue às autarquias e às regiões autónomas, a sua aplicação ou não a
residentes não-habituais, a consideração de património no estrangeiro, a sua
aplicação a empresas e estruturas fiduciárias e a existência ou não de limites
máximos de tributação.
E depois
há a questão de saber a partir de que valor tributar. E quando entrarmos por aí
se calhar vamos perceber que não há por cá muitos ricos e porventura, sem
darmos por isso, se cumpriu aquela norma da Constituição de 1976 que, fazendo o
pleno da modéstia salazarista e da utopia socialista, dizia que o "imposto
sobre o rendimento pessoal (...) tenderá a limitar rendimentos a um máximo
nacional, definido anualmente pela lei". A não ser que se incluam os
visons - até porque o PAN e Os verdes a isso devem obrigar.
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