Um artigo de António Barreto que
corresponde a um sentimento de frustração há muito por nós badalado, sobretudo
no café de domingo, com igual indignação, embora menor expressividade
discursiva, acerca da lamechice torpe das notícias que se quer a todo o custo
sensacionalistas, com muito apelo ao sentimento e tolas entrevistas a lesados,
colaborantes na simpatia para desabafo televisivo da sua dor. Se for
estrangeiro perdido na serra, pede-se que este conte a sua história, destacando
a gratidão pelo povo prestável. Somos assim, até mesmo um fidalgo - Gonçalo
Mendes Ramires, da «Ilustre Casa de Ramires» - combinava em matéria de
carácter, uma simpatia afectuosa e manobras leoninas escondendo cobardias, as ambições
enroladas em espertezas de menor escrúpulo, um todo de inércia e bondade, de
arroubos e desistências, de insatisfação e boa camaradagem, e era fidalgo e
escritor. Eça ressalva-lhe a bondade, no final do livro, e Eça sabia quanto a
bondade é necessária nas relações humanas. Mas também o espírito.
Mas António Barreto, ao pôr a
descoberto a crescente mediocridade dos nossos noticiários – e não só esses – aponta
a grave crise da nossa educação que não há meio de arrancar, apesar das muitas
tentativas e das vozes críticas bem armadilhadas, como a deste artigo de
António Barreto.
As notícias na televisão
António
Barreto
DN,
25/9/16
Os directos
excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço. Por tudo
e nada, sai um directo
É
simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou
quatro estações de televisão é pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum
impera. A linguagem é automática. A preguiça é virtude. O tosco é arte. A
brutalidade passa por emoção. A vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é
prova do que é genuíno. A submissão ao poder e aos partidos é democracia. A
falta de cultura e de inteligência é isenção profissional.
Os
serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no
mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não sabe
trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense. Os
alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos
noticiários são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. Quem
estabelece os horários são as conferências de imprensa, as inaugurações, as
visitas de ministros e os jogadores de futebol.
Os
directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço.
Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no aeroporto, comboio atrasado,
treinador de futebol maldisposto, incêndio numa floresta, assassinato de
criança e acidente com camião: sai um directo, com jornalista aprendiz a falar
como se estivesse no meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas
em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o
directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal
soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só
fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa
tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da
estupidez.
É
absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos
mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais
quase não existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e
artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas
competentes, mas há partidários fixos e políticos no activo, autarcas,
deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, políticos na espera e
candidatos a qualquer coisa! Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser
o secretário de Estado respectivo. Arte? Um director-geral chega.
Repetem-se
as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e
tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há
decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo supostamente por
uma informação humanizada, quando o que se faz é puramente selvagem e predador.
Assassinatos de familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios,
uxoricídios e outros homicídios ocupam horas de serviços.
A
falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial. Qualquer tema
importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por
um treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um
adepto que divaga.
A concepção do
pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for comentada por cinco ou
seis representantes dos partidos, há pluralismo!
Procuram-se
presidentes e ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à
saída de reuniões e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a
tudo quanto parece ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a
seguir. Os partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno
partido de menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
A
concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for comentada
por cinco ou seis representantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo pode
repetir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de notícias! É o pluralismo
dos papagaios no seu melhor!
Uma
consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os outros. Como os
canais de televisão.
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