Ao procurar o artigo do Público de Jorge
Almeida Fernandes para o transpor sem esforço, coisa que não consegui, tendo
que o copiar, encontrei uma tradução brasileira do New York Times que pude transportar
directamente e adaptá-lo ao português de cá. Eram ambos sobre o tema assustador
dos ensaios nucleares com que se diverte Kim Jung-un, tal Nero contemplando as
chamas do incêndio de Roma, por ele mandadas atear e poetando, segundo extrapolação
do filme “Quo Vadis?”.
Cá longe, os analistas políticos entretêm-se a
demonstrar a racionalidade das acções criminosas de mais um promissor bandido
da craveira de outros bandidos que passaram, com fleuma e sabedoria, para nos
irmos adaptando à nova hecatombe – genocídio será mais provável, que se
prepara, as duas potências, EUA e China, trocando salamaleques e olhando-se de soslaio, enquanto Kim se rebola
no gozo antecipado das suas potencialidades atacantes e defensivas, de ensaios,
por agora, destrutivos e poluentes, sem dúvida, rindo, entretanto, da partidinha que está pregando aos grandes.
Eis os textos, o de Jorge Almeida Fernandes uma
boa análise da engrenagem em que se movem as forças responsáveis pelos comandos
do mundo:
PARA ANALISTAS, COREIA DO NORTE NÃO É LOUCA,
MAS COMPLETAMENTE RACIONAL
MAX FISHER
DO "NEW YORK TIMES"
DO "NEW YORK TIMES"
14/09/2016
A
Coreia do Norte é irracional? Ou só finge ser? Ameaças de guerra,
ataques ocasionais contra a Coreia do Sul, líderes excêntricos e propaganda
exagerada são alguns dos motivos dados pela Coreia do Norte para suscitar essas
perguntas.
Com
o avanço do seu programa nuclear e de mísseis, com um quinto teste
nuclear na semana passada, essa preocupação tornou-se
mais urgente.
Mas
cientistas políticos vêm repetidamente considerando essa questão e, na maioria
das ocasiões, chegam à mesma resposta: o comportamento da Coreia do
Norte, longe de insano, é completamente racional.
A
beligerância que o país exibe, concluem, parece calculada para manter no
poder um governo fraco e isolado que de outra forma sucumbiria às forças da
História. As suas provocações geram tremendo perigo, mas evitam o que
Pyongyang vê como ameaça ainda maior: uma invasão ou colapso.
O
cientista Denny Roy escreveu em 1994, num artigo académico que continua a ser
citado, que a reputação do país como "Estado louco" e
"insensatamente violento" havia "funcionado em benefício da
Coreia do Norte", bloqueando as acções de inimigos mais poderosos.
Mas essa imagem, concluía ele, era "em larga medida um produto de
incompreensão e propaganda".
De
muitas maneiras, isso
é mais perigoso do que a irracionalidade. Embora o país não deseje
guerra, o seu cálculo estratégico leva-o a cultivar o risco constante de um
conflito – e a preparar-se para evitar uma derrota, caso a guerra aconteça,
potencialmente pelo uso de armas nucleares. Esse é um perigo mais sutil, mas
ainda assim grave.
Por
que é que os analistas acreditam que a Coreia do Norte é racional? Quando os
analistas políticos definem um Estado como racional, não estão dizendo que os seus
líderes tomam sempre as melhores decisões, ou decisões moralmente corretas, ou
que eles representem exemplos de estabilidade mental.
Em
lugar disso, estão afirmando que o Estado se comporta de acordo com
aquilo que vê como seus interesses, o primeiro dos quais é a autopreservação.
Quando
um Estado é racional, ele nem sempre encontrará sucesso em termos de agir de
acordo com os seus melhores interesses, ou de equilibrar metas de curto e de
longo prazo, mas pelo menos tentará fazê-lo. Isso permite que o mundo direccione
os incentivos de um Estado, conduzindo-o na direção desejada.
Os
Estados são irracionais quando não seguem o seu próprio interesse. Na forma
"forte" de irracionalidade, os líderes são tão lunáticos que se
mostram incapazes de determinar quais são os seus interesses. Na versão
"branda", factores domésticos tais como o zelo ideológico ou disputas
internas pelo poder distorcem os incentivos, fazendo que os Estados se
comportem de maneiras contraproducentes mas ao menos previsíveis.
As
acções da Coreia do Norte, embora repulsivas, parecem servir bem ao seu
interesse próprio racional, de acordo com um estudo publicado em
2003 por David Kang, um cientista político que hoje lecciona na Universidade do
Sul da Califórnia.
A racionalidade norte-coreana
Público, 18/ 09/2016
«Kim Jong-un aposta na crescente tensão entre
os Estados Unidos e a China para garantir a impunidade do seu programa nuclear.
Mas corre riscos se a China for forçada a rever a sua política.»
O quinto ensaio nuclear norte-coreano, no
dia 9, foi também um teste aos limites da capacidade de resposta dos Estados
Unidos e dos vizinhos, incluindo a China. O “irracional” Kim Jong-un
e seus conselheiros fizeram uma jogada “racional”, explorando a brecha
crescente entre os EUA e a China para aumentar a desconfiança entre eles e
garantir a impunidade do seu programa nuclear. É por aqui que tudo parece
passar.
As
“sérias consequências” prometidas por Washington e mais sanções não
são o que neste momento travará a Coreia do Norte. Nem a ameaça (não oficial feita por Seul,
anunciando um plano de ataque preventivo para “arrasar Pyongyang” em caso de
eminente ameaça militar, nem sequer um debate sobre um programa nuclear
sul-coreano. Pyongyang apostou em que a China ficaria muito irritada mas
nada faria de drástico.
Na
cena internacional não há uma única “racionalidade“ mas várias e em conflito.
“A Coreia do Norte pensa que as armas nucleares a tornam mais segura. É um erro”
escreveu o analista norte-americano Victor Cha. Lembra a declaração
“franca” de um diplomata norte-coreano durante as negociações com os Estados
Unidos em 2005: «A razão por que vocês atacaram o Afeganistão é que ele não
tinha armas nucleares. Por isso nunca abdicaremos das nossas”.
A lógica norte-coreana tem como objectivo a
sobrevivência do regime dos Kim e quer agora impor o reconhecimento do seu
estatuto de potência nuclear como o Paquistão.
Estados Unidos
Washington
contra-argumenta que é o programa nuclear o que mais ameaça a sobrevivência
do regime norte-coreano. Tem boas razões para o querer travar: … Tolerar
o seu estatuto nuclear incentivaria mais Estados a violar o tratado da não
proliferação. Depois, é uma ameaça a aliados, como a Coreia do Sul e o Japão.
Por fim, a Coreia do Norte não é o Paquistão e o seu regime totalitário não é
fiável.
Relatório
de um almirante americano:
«A
Coreia do Norte constitui um incrível perigo para toda a região. Num futuro não
muito distante pode colocar os Estados Unidos continentais sob a ameaça dum
míssil balístico intercontinental com uma ogiva nuclear. Não se trata apenas da
segurança dos aliados”.
Que
fazer? Incentivar a China a assumir as suas responsabilidades. “Com
uma liderança chinesa, a desnuclearização da Península da Coreia pode ser
resolvida e sem ela caminhamos para uma situação muito perigosa.”
O
relatório não recomenda a “mudança de regime” e propõe que os Estados
Unidos dêem garantias à China de que “não têm intenção de alargar ao Norte o
que estão a fazer no Sul”. Frisa: “A mais importante relação bilateral no
mundo para os próximos 50 ou 100 anos é a relação entre a China e os
Estados-Unidos.”
China:
Em
2003, o Presidente chinês Hu Jintao , cortou o fornecimento de petróleo à
Coreia do Norte por três dias. Forçou Pyongyang a negociar com os americanos. Pequim
mostrou a sua capacidade de “persuasão” embora as conversações tivessem
falhado. Hoje, o Presidente Xi Jimping parece paralisado num dilema.
Chineses
e americanos partilham a oposição ao nuclear norte-coreano. Mas têm estratégias
e temores diferentes. Washington e Seul dão prioridade à
desnuclearização da península. Pequim dá prioridade à estabilidade da Coreia do
Norte. Só a China pode impor sanções drásticas, que se poderão tornar
“fatais” se levarem à desestabilização, ou, caso limite, à implosão do regime
dos Kim.
Pequim
teme duas coisas: primeiro, uma incontrolável massa de refugiados
no seu território; segundo, e sobretudo, o risco de Seul e Washington
intervirem no Norte, até por razões de segurança nuclear, e chegarem à sua
fronteira. A Coreia do Norte é, para os chineses, o Estado-tampão
perante os americanos. As tropas e bases americanas na Coreia do Sul estão lá
para a proteger do Norte. Mas Pequim vê-as como força para “conter” a China.
Uma
“reunificação catastrófica” alteraria profundamente as relações de
forças na Ásia Oriental. Mesmo uma reunificação pacífica, que faria da
Coreia do Norte uma nova grande potência asiática, económica e militar, não
agrada aos americanos, aos chineses e aos japoneses. E seduz cada vez menos os
próprios sul-coreanos.
O
teste nuclear de Janeiro passado cimentou a aliança entre Washington, Seul e
Tóquio. Pior para Pequim: levou a Coreia do Sul a pedir a instalação de defesa
antimíssil THAAD. Houve um acordo de princípio em Julho. A China encara isto
como uma grave ameaça à credibilidade da sua dissuasão nuclear e já reagiu
contra Seul.
O
dilema de Xi Jinping é evidente: quer “estabilidade”, masd a corrida nuclear
norte-coreana está a tornar-se no mais grave factor de instabilidade na Ásia
Oriental e pior a cimentar uma aliança hostil à China.
Coreia do Norte:
O
quinto teste marca um salto no conflito. A aceleração do programa
nuclear de Kim põe em causa a tese chinesa de que se trata de uma “questão
bilateral” entre americanos e norte-coreanos. Essa tese valia enquanto o
programa era visto como embrionário, bluff e meio de chantagem diplomática. Se
os americanos o passam a encarar como uma ameaça directa à sua sobrevivência,
Xi terá de repensar o seu dilema.
O
teste foi mais um desafio de Pyongyang à China, forma de mostrar que rejeita a
sua tutela. “Os norte-coreanos são ferozmente nacionalistas e detestam ser
vistos como “província tributária da China”, escreveu o sinólogo Minxin
Pey. A ameaça da Coreia do Norte não deriva da sua força mas da sua fraqueza
– o risco de “caos”.
Washington
deixou de fazer da renúncia ao nuclear uma condição prévia para a negociação.
Mas Pyongyang exige que a negociação seja sobre toda a Coreia e não
apenas sobre a desnuclearização do Norte: quer anular a protecção nuclear
americana no sul. É um ponto fraco da estratégia de Kim: menosprezar a
reacção da Coreia do Sul.
Frank
Perry, antigo secretário de defesa de Bill Clinton, pensa que é demasiado
tarde para forçar Pyongyang a abdicar da arma nuclear. Observa Snyder: «Se
o desenvolvimento de armas nucleares se tornou a ferramenta central para a
família Kim justificar a sua perpetuação no poder, a desnuclearização é apenas
possível como produto de uma mudança de regime; a única alternativa à
mudança de regime é a aceitação da Coreia do Norte como um Estado dotado da
arma nuclear. Tal é a escolha estratégica que a Coreia do Norte põe aos EUA
e seus aliados.»
Compreende-se
assim a tese de Mike Mullen: a única forma de mudar as peças no tabuleiro
passaria por uma nova relação entre Washington e Pequim. Aqui, entramos em «terra
incógnita».
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