quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Indo eu, indo eu, a caminho de Viseu


O artigo de António Barreto mostra o cancro que rói a Europa, em que povos bem posicionados financeiramente e culturalmente sonharam uma união fundada em solidariedade financeira como estratagema de interajuda em confrontações possíveis com o resto do mundo. Para nós, portuguesinhos valentes,  como mostra a Lenda (inacabada) de S. Frei Gil, de Eça de Queirós, em que aquele, ainda jovem e apaixonado, vai – para os lados de Vouzela - com os seus homens em busca da sua namorada Soleima, que fora raptada, e ao passarem pelo castelo de Lanhoso, “dois homens acorreram com chuços, gritando: Cá por aqui é honra! A que vindes?”, a que outros homens se juntaram dispostos à briga, o que fez faiscar os olhos de D. Gil, que foi, no entanto, dissuadido de lutar, pelo seu conselheiro Pêro Malho, lembrando que eram apenas  sete contra os latagões armados de chuços. D. Gil, pois, facilmente desistiu de lutar pela sua Soleima, o que não fez D. Quixote que arrostaria contra gigantes, embora facilmente despenhado, sendo D. Gil mais dado às letras e às curiosidades do mundo. Mas também D. Quixote não lhe ficava a dever nada em sabedoria e boas sentenças, a verdade seja dita. Quanto à valentia, se é certa a história do S. Frei Gil, ela parece vigorar mais nos homens com chuços, o que vem em apoio da tese da valentia do nosso  Zé Povinho intemerato e esperto.
Retomando a tese de António Barreto, da “Europa a mais”, verifica-se que ela está a mais é para a nossa Esquerda, certamente que apoiada pelas gentes que ela própria apoia, com a sua virtude e o dinheiro alheio, as quais gentes, depois de terem usufruído dos nacos provindos dessa Europa, a título de empréstimo, entendem que “cá por aqui é honra”, continuaremos no nosso cantinho, como Rafael Bordalo Pinheiro nos esculpiu, com a manha necessária  e a valentia suficiente para, sem escrúpulos, nos desobrigarmos dessa Europa a mais, que nos exige um pagamento incomportável, de juros absurdos.
E a culpa é da Europa, que nos devia ter ensinado como as dívidas devem ser pagas, pois parece que não sabíamos : “Ao contrário do que se esperava, a Europa não ajudou à disciplina financeira dos portugueses. Mas contribuiu para o endividamento e não colaborou na afirmação da responsabilidade nacional.”
Lembro-me de que a gente por cá se aboletou, e fez farras em vez de guardar os dinheiros, embora muitos o tivessem guardado fora, diz-se, para não pagar impostos, além de outros desleixos fraudulentos de que muito se fala, quase todos os dias. “Também é verdade que Portugal se pôs a jeito. Endividou-se e desgovernou-se. Julgou que a Europa era um projecto de solidariedade e que estaria sempre ali, generosamente, para nos acudir. Tudo ao contrário: a União ajudou e depois condenou o desregramento!
Enfim, a culpa disto tudo é, pois, da Europa que quis ajudar e de facto ajudou, sobretudo, a modernizar o país e a enriquecer uns tantos espertos. Mas quando chegou a hora de prestar  contas ficámos tramados. Diz-se que os juros que a Europa exige são fabulosos e é por isso que não conseguimos libertar-nos da dívida. O Pacto Orçamental a que Portugal pertence desde 2012 constitui apertada tenaz que parece impedir, ao mesmo tempo, o endividamento, o reembolso e o crescimento. Já nem se pode falar da mão invisível da União, agora temos um murro na mesa.”
Mas é extraordinária a intenção da Esquerda, autêntico conto não de fadas mas de bruxas: “Se fizermos como o PCP e o Bloco querem, é simples. Reclamamos a reestruturação e o perdão da dívida, não aceitamos imposições nem metas sobre o défice, exigimos empréstimos e financiamentos, até chegarmos ao ponto, por aqueles ambicionado, que consiste em sair do euro, do Pacto Orçamental, dos pactos de estabilidade e da União...”
Enfim! A Europa “Deu algumas garantias a quem procurava um caminho, como Portugal e Espanha. Mas também ajudou a hipotecar as liberdades e a democracia a quem já tinha uma e outras.
O problema é que... fora da Europa é pior!
Concordo com a última afirmação. Nunca Portugal ergueu tanto a cabeça como nos dias de hoje, no borbulhar de gentes com saliência desportiva, científica, artística... Mas o Zé Povinho é que manda: “Ai, Jesus, que lá vou eu”.

Europa a mais!
António Barreto
D.N., 23/10/2016 – “Sem Emenda”

Os últimos tempos têm sido penosos para os povos europeus, sobretudo para os países com mais problemas de instabilidade política, de endividamento, de indisciplina financeira e de menor desenvolvimento económico. Quer isto dizer que os que se queixam são aqueles a que a Europa mais falta fazia. A Europa soube (e bem...) reintegrar a Alemanha e a Itália na democracia, como soube resistir (e bem...) às ameaças comunistas internas e externas. Mas a sofreguidão integracionista, a ambição alemã e a ilusão dos intelectuais tecnocratas fizeram com que se não parasse. Cada dia era "mais Europa" e a cada crise a resposta era "mais Europa". Jacques Delors inventou uma parábola: tal como a bicicleta, a Europa, se pára, cai. Com esta ideia, correu-se para o desastre. A verdade é que, sem parar, a bicicleta corre o risco de se espetar contra a parede. Estamos nas vésperas desse eventual acidente. Falta saber se é possível mudar o rumo. Voltar atrás, não. Mas mudar a trajectória, talvez.
Ao contrário do que se esperava, a Europa não ajudou à disciplina financeira dos portugueses. Mas contribuiu para o endividamento e não colaborou na afirmação da responsabilidade nacional. A Europa quis andar depressa, estreitar os Estados, "entrosar os povos", casar à força e harmonizar o que nunca o deveria ser. As últimas notícias portuguesas, do Banif ao BPN, do endividamento sem limites às PPP, da CGD aos orçamentos, mostram uma União sem rédeas. Também é verdade que Portugal se pôs a jeito. Endividou-se e desgovernou-se. Julgou que a Europa era um projecto de solidariedade e que estaria sempre ali, generosamente, para nos acudir. Tudo ao contrário: a União ajudou e depois condenou o desregramento!
Há Europa a mais. Os últimos anos confirmaram esta evidência. Está definitivamente consolidado o poder da União (especialmente da Alemanha) sobre o orçamento, os bancos públicos e privados, a administração, os projectos de investimento e grande parte das leis. O Pacto Orçamental a que Portugal pertence desde 2012 constitui apertada tenaz que parece impedir, ao mesmo tempo, o endividamento, o reembolso e o crescimento. Já nem se pode falar da mão invisível da União, agora temos um murro na mesa.
Como voltar atrás? Como abandonar as provisões actuais sobre o orçamento, a despesa, o investimento e o Estado social? Se fizermos como o PCP e o Bloco querem, é simples. Reclamamos a reestruturação e o perdão da dívida, não aceitamos imposições nem metas sobre o défice, exigimos empréstimos e financiamentos, até chegarmos ao ponto, por aqueles ambicionado, que consiste em sair do euro, do Pacto Orçamental, dos pactos de estabilidade e da União...
A Europa ajudou a modular os países membros e a regular as consequências da globalização. Mas hoje o mesmo esforço parece exigir alguma autonomia nacional, o que a Europa parece já não saber oferecer. Portugal e a Alemanha não devem nem podem regular-se ou defender--se da mesma maneira.
A Europa transforma ou esbate identidades. Talvez, mas não parece muito grave. A Europa limita a independência nacional. Certamente. É difícil, mas poderia ainda aceitar--se, caso a Europa soubesse substituir-se a algumas funções do Estado. A Europa condiciona as soberanias e a democracia. É verdade, mas começa a ser complicado, quem sabe se dramático.
A Europa trouxe democracia a quem a tinha pouca. Ajudou a receber países que dela se tinham afastado, como a Alemanha e a Itália. Deu algumas garantias a quem procurava um caminho, como Portugal e Espanha. Mas também ajudou a hipotecar as liberdades e a democracia a quem já tinha uma e outras.
O problema é que... fora da Europa é pior!


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