Eis uma frase em epígrafe, na mesma página do escrito
de João Miguel Tavares, que segue. É de Camilo Castelo Branco
(1825-1890) e bem se aplica, aliás, propositadamente, (em “Escrito na pedra”),
ao tema focado pelo articulista – o Metro
de Lisboa, como símbolo da nossa indigência em vários níveis. Daí que a use
para título do meu comentário, embora ela abranja igualmente o outro artigo da
página - “Petróleo sobe mais de 5%
com corte de produção da OPEP”, de João Pedro Pereira, sobre mais
umas manigâncias encarecedoras do dito petróleo, a partir de Novembro, pelos
países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
João Miguel Tavares informa, pois, sobre a série de
deficiências suportadas pelos usufrutuários dos meios de transportes
colectivos, que culminam na paragem total ou parcial dos mesmos por greves, deficiências, ao
que parece, nunca tão vincadas como hoje. (É, de resto, uma desordem que temos
suportado, ao longo de todos estes anos de democracia, que o povo deve aguentar bem, pois que é para seu bem que as greves se fazem, além de que é o povo “quem
mais ordena”, por intermédio dos seus sindicatos). Todavia, agora que os representantes do povo
se encontram à testa da governação, já não se fabricam tantas greves como muito
bem nota José Miguel Tavares - do que, aliás,
igualmente déramos conta, como única característica positiva subjacente
a este governo, as outras características apontadas por Miguel Tavares provenientes
em grande parte, da falta de fundos que o decréscimo económico provoca, mau
grado o ar sorridentemente enganador do 1º Ministro.
Trata-se, pois de um artigo bem esclarecedor sobre os
sinais do actual falhanço governativo, que se reflectem nas misérias descritas
por João Miguel Tavares, no artigo sobre os transtornos vários dos transportes
públicos por ele próprio experimentados, agora perante a impassibilidade dos
responsáveis governantes e dos media, escondendo as escrófulas com astúcia enganadora,
que não engana ninguém:
A vergonha do metro de lisboa
João
Miguel Tavares
Público,
29/9/16
Se
alguém tivesse dúvidas de como este país roça por vezes os limites da
indigência política, económica, sindical e mediática, o actual estado do Metro
de Lisboa estava aí para o provar. Embora eu corra o risco de
desiludir todos aqueles que estão convencidos de que sou um beto de Cascais com
motorista e caddie, a verdade é que passo a vida a andar de metro. E desde
que vim para Lisboa, há 26 anos, não me recordo de algum dia o serviço de metro
ser tão mau como é actualmente.
Nós
já conhecíamos as escadas rolantes que não rolam. Experimentámos
carruagens a abarrotar. Vimos os comboios da Linha Verde diminuírem de quatro
para três composições ao mesmo tempo que o turismo explodia em Lisboa. Deparámo-nos
com obras na estação do Areeiro dignas de Santa Engrácia. Aguentámos
intermináveis problemas técnicos na Linha Azul e envelhecemos a escutar avisos de
que “o tempo de espera pode ser superior ao normal”. Penámos, e muito, com
resmas de greves consecutivas, que nunca foram descontadas nos passes mensais. E
a única coisa que podemos celebrar é o facto de essas greves terem diminuído
imenso no último ano, apesar da qualidade do serviço ser cada vez pior. Fazer
acordos com o PCP traz certas vantagens.
Há
duas semanas, contudo, aconteceu coisa nunca vista: o esgotamento
de stock dos cartões Viva Viagem. “Viva Viagem” é apenas um
nome fino para um simples bilhete – o único bilhete que permite entrar e viajar
no metro, e que pode ser comprado nas máquinas automáticas. Ou melhor: podia.
Agora voltámos ao tempo do trabalho braçal. As máquinas do metro
ostentam um autocolante a dizer que não emitem cartões e para distribuir os
poucos que ainda há foi preciso reabrir vários pontos de atendimento das
estações, onde zelosos funcionários os entregam à mão. Aos utentes resta
acertar no átrio onde os funcionários se encontram (não há funcionários para
todos) e ir para a fila. Quanto aos turistas, podem sempre apreciar o nosso
modo de vida terceiro-mundista, tirando selfies com os indígenas.
A
minha questão é esta: por que raio não há bilhetes? Os (poucos) jornais que
já falaram sobre o assunto nunca chegaram a explicar. O Metro apenas refere “falhas
na entrega” por parte da Otlis, empresa que é um “agrupamento
complementar” das várias empresas de transporte a actuar na Grande Lisboa,
e que no caso do metro detém o monopólio dos seus bilhetes – ah, como é bom
estar nas mãos de um só fornecedor. Aparentemente, ninguém na
comunicação social foi ainda bater à porta da Otlis – ou sequer explicou o que
a Otlis é – e 15 dias depois a situação não só continua por resolver, como não
há prazo definido para a sua resolução. Os sindicatos do Metro,
antigamente tão lestos a avançarem para greve, mostram-se agora disponíveis
para colaborar num “plano de contingência”, e as televisões, sempre tão lestas
a fazer directos à porta de estações fechadas com bilhetes, parecem
impressionar-se pouco com estações abertas sem bilhetes.
Felizmente,
a página de austeridade foi virada. Não tivesse sido, e o estado
miserável em que a empresa se encontra, com comboios impedidos de circular por
falta de peças, dever-se-ia a um ministério das Finanças obcecado com o défice,
por se recusar a abrir a bolsa para as despesas mais elementares. Como a
austeridade acabou, nada disto se passa. O povo é sereno. E, mais importante do
que tudo, o metro é nosso. Antes uma empresa pública parada do que uma privada
a funcionar.
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