Extraordinário de contundência sarcástica este libelo
acusatório da nossa visão atrofiada sobre a oportunidade económica, que destrói,
à partida uma fonte de receita importante para o desenvolvimento, ao invés de o
apoiar, gritando aos quatro ventos a maçada que é admitir os milhares de
turistas que não dão tréguas à nossa prostração de “mesmice”, já por Eça bem
definida, como incúria paspalhona e grotesca, e, como no caso presente, oposição
mal intencionada a uma qualquer hipótese de fortalecimento económico, neste
caso pelo desenvolvimento turístico. E vá de gritar aos quatro ventos contra as
incomodidades do turismo desfazedores das nossas comodidades e interesses, atrapalhando os nossos direitos à boa paz e
às casas da nossa predilecção, por eles ocupadas, a imprensa associando-se, não
com isenção mas camaradagem, no plano destruidor do turismo incómodo.
O texto, não de cortês ironia mas de amarga chacota, dá
uma achega de apoio a esse alarido atrofiador de uma fonte de receita que
queremos desperdiçar, plano que põe o dedo, simultaneamente, nos nossos
processos de “enriquecimento” fraudulento, quer através dos “choferes” de
praça, percorrendo os destinos dos turistas em desvios vultosos ou atropelando turistas, quer da restauração,
servindo refeições mal preparadas, quer dos cidadãos comuns dando falsas
informações, além da sugestão de “medidas” governativas a tomar, para satisfazer os protestos contra os incómodos do turismo.
Deve resultar.
Turismo nunca mais
Talvez
por influência da Catalunha, e dos interessantes chalupas que mandam em
Barcelona, anda por aí um debate acerca do excesso de turistas sobretudo em
Lisboa, um pouco no Porto e não tarda em Salvaterra de Magos. Personalidades
de relevo chamam a atenção para a calamidade, com um frenesim proporcional ao
relevo que pretendem alcançar. Os media conferem à calamidade a devida
histeria. Multidões de anónimos partilham em fóruns (ou fora, para os chatos)
testemunhos do horror. Todos juntos procuram responder à decisiva questão: como
conseguir menos turismo?
Faz
sentido. Numa altura em que todos os indicadores económicos se despenham pelos
gráficos abaixo, seria ridículo que um sector destoasse da tendência geral. Enquanto
quase pedia desculpa pelo inconveniente, uma secretária de Estado do Turismo já
prometeu "afinações" à lei do alojamento local, alegadamente por
causa da "preocupação" com a "segurança" e a "higiene".
De facto, as preocupações são outras: tentar levar à falência negócios
emergentes e acabar com a vergonha que é ver estrangeiros ocuparem-nos as ruas
e deixarem aqui o dinheiro deles.
A
intenção é óptima, porém insuficiente. Por muitas taxas, taxinhas
e regulamentações que os governantes despejem em cima do assunto, os arrogantes
dos estrangeiros não cessam de aterrar por cá, alheios ao carisma do comércio
tradicional ou sedentos de descaracterizar o comércio tradicional (vai dar ao
mesmo). Para cúmulo, continuam a irritar a irmã de Paulo Portas. A menos
que, logo na fronteira, se impusesse um imposto de seis mil euros por cada
turista excedentário que ouse pretender entrar no país, a coisa não vai lá por
decreto. Sobra a sociedade civil.
A
sociedade civil pode fazer imenso pela causa. A começar pelos choferes
de praça no aeroporto, que até agora apenas são acusados de acrescentar
umas voltinhas ao percurso requisitado. De agora em diante, compete-lhes manter
as voltinhas adicionais para os primeiros turistas do dia (o contingente
adequado, portanto) e acrescentar voltas de 300 quilómetros para os restantes,
os quais, após o percurso Portela-Belém com escala na Figueira da Foz, ficariam
sem orçamento para as férias e regressariam de imediato aos países de origem. À
Uber sugiro que largue as mariquices e abrace este verdadeiro desígnio
nacional.
Aos
responsáveis da hotelaria cabe admitir somente uma percentagem
escassa de turistas (definida previamente em sede de concertação social) e
negar com rudeza quarto (ou ceder um canto nos fundos da lavandaria) à
percentagem indesejável. Já os proprietários dos restaurantes têm,
literal e metaforicamente, a faca e o queijo na mão: basta servirem sem
problemas a quantidade decente de forasteiros e presentearem a quantidade
indecente com salmoneloses, bruceloses e botulismos em abundância.
E
os cidadãos comuns não ajudam? É só quererem. O que custa ao
transeunte fornecer simpaticamente informações a meia dúzia de turistas e
correr dúzias com indicações falsas ("A noite em Gondomar é um encanto,
principalmente depois das duas da manhã...") ou meros insultos
("Olha-me este... Vai para a tua terra, boche de um raio!")? O que
custa ao automobilista atropelar ocasionalmente um ou cinco espanhóis de
chinelos e mapa perante a indiferença da polícia? E o que custa à polícia
inventar transgressões suficientes para destruir as férias de uma família
japonesa?
Não
custa nada, excepto alguns milhares de milhões de euros que pelos vistos
destoavam na nossa gloriosa caminhada rumo à bancarrota. Num instante
atingiremos o número perfeito de turistas, que presumo similar ao da Coreia do
Norte. E enfim seremos felizes: na Coreia do Norte a felicidade é obrigatória.
Quinta-feira, 29
de Setembro
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Não
vejo "telejornais" há muitos anos, tantos que já nem me lembrava
porquê. Um dia destes, espreitei um e lembrei-me. Não vale a pena nomear o
canal em causa. Basta notar que, no pedaço que segui (cerca de meia hora,
suponho que uma pequena fracção da duração total daquilo), levei com
representantes dos taxistas a exigirem apoios para não espancar a concorrência
e com uma arqueóloga a exigir apoios para visitar o Egipto, alegada "terra
dos sonhos" e evidentemente o sonho dela.
Pelo
meio, beneficiei de uma bonita e extensa "reportagem" sobre um
casal que queria alugar casa no centro de Lisboa. A senhora do casal (o
homem, talvez por ter dificuldades de expressão ou vergonha na cara, não
falava) reivindicava, no mínimo, um T2 compatível com o rendimento familiar.
Pelos vistos, não havia. A senhora não se ficou: com a indisfarçada simpatia
do "jornalista", protestou energicamente contra os
proprietários que transformavam os apartamentos em habitação turística para -
bandalhos - ganharem mais dinheiro. A senhora foi clara: desse por onde desse,
ela tinha o direito de morar no exacto local que desejava, mais ou menos como
eu tenho o direito a uma moradia em Laurel Canyon. Se bem percebi, a senhora
exigia uma realidade alternativa. Ou "medidas". Ou
"políticas". Ou - esperem um bocadinho - apoios.
Eis
o problema dos "telejornais": estão repletos de portugueses.
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