De António Barreto, de João Miguel
Tavares, de Vicente Jorge Silva. Sobre o Orçamento do Estado para
2017. O primeiro, anterior à primeira discussão parlamentar, os dois
últimos, posteriores. O primeiro, apontando as causas do constante adiar de um
país de políticos ávidos e de politiquices sem dimensão crítica, que desde
sempre o fizeram “adiar”, num atraso de séculos. E irão continuar a adiá-lo, julgo,
numa Educação sem dignidade, que impõe trabalhos excessivos, num contraste
brutal entre o muito que se exige de
matérias programáticas e o pouco que se exige de educação e disciplina. Uma
Escola por vezes reduzida a um atoleiro de insubordinação a que nos conduziu o
excesso de maneirismo pedagógico, de pieguice lorpa na educação dos filhos,
primeiro, e dos discentes depois, em nome da liberdade incondicional, de tristes
consequências na evolução de um mundo em que a crueldade se vai impondo
universalmente. Uma Justiça manipulável, sucessivos governos ineptos que
favoreceram a falcatrua e o endividamento do país, e cuja paspalhice se denota bem no actual, em
que os partidos da esquerda, que chantageiam o usurpador PS, a coberto da
necessidade deste da sua colaboração para a percentagem governativa vitoriosa (muito
embora ela não faça parte da governação e do usufruto pecuniário que essa
proporcionaria aos seus dirigentes - com o que, aliás, o país se congratula,
reconhecendo, embora a vigarice do PS, para com o país e para com a esquerda) …
impõem um aumento de 10 euros nos vencimentos mais baixinhos, de
trezentos euros, alheios ao indecoroso dessa esmola irrisória e enxovalhante, num vencimento já de si aviltante.
João Miguel Tavares mostra o cerne da questão, ao criticar o governo manobrando
apressadamente e cavilosamente um Orçamento sem futuro, num país estagnado, que
prometera fazer progredir, pendurado numa aventura atrevida, de falsas
expectativas. Quanto a Jorge Silva Vicente, faz uma resenha sobre o que se
passa na Europa, em termos de turbulência política para justificar a nossa
marginalidade ou a da Grécia, culpando-a, a Europa, em vez de condenar o país
infractor, que gastou o que não tinha e é reticente em pagar o que deve, nos
seus esquemas que inverteram o caminho seguido por Passos Coelho, de pagamento,
embora causador da austeridade, mas também da humilhação, tal como a Grécia,
que, como nós, padece do conceito de que os tais países que produzem é que
devem pagar as contas dos que não produzem e possuem, além disso, no seu
cartel, muito quem suma esses dinheiros para recantos mais apagados que mais
tarde se finge acender…
O orçamento e o futuro
António Barreto
DN, 9/10/16
Dentro de uma semana começaremos a saber se as políticas
públicas se destinam a manter a coligação ou se já têm em vista objectivos de
médio e longo prazo. Os critérios para avaliar este orçamento e as suas
escolhas não deveriam ser a chantagem dos parceiros, nem o grau de
satisfação de cada um deles. Nem a maneira como o governo se consegue
manter. Deveriam ser, isso sim, as opções capazes de promover o
crescimento económico e desenvolver a sociedade.
Portugal vive, há quase duas décadas, em clima de estagnação. Alguns dos factores de decadência são antigos,
inelutáveis e ultrapassados. Mas há outros que estão aí à espera de cuidado,
tratamento e reforma.
Entre os primeiros, contam-se a globalização, as
crises internacionais, as políticas europeias e o euro, mas também são
responsáveis por alguns progressos recentes. De qualquer maneira, não parece
haver muito a fazer, no curto prazo e isoladamente, contra fenómenos como a
globalização! Se tiver aliados poderosos, Portugal apenas poderá influenciar a
seu favor alguns dos factores internacionais.
Além desses, há factores de decadência contra os quais já
não vale a pena lutar. A ditadura,
pela sua natureza e pela duração, atrasou Portugal. A guerra colonial
também. A revolução e a contra-revolução fizeram o país perder tempo. A nacionalização
das empresas e respectiva reprivatização adiaram a economia. Uma Constituição
despótica atrasou a sociedade, depois de ter salvado a democracia.
Os partidos políticos que temos adiaram o progresso e protelaram a política.
A Educação gasta a mais e progride pouco. Depois de uma enorme expansão quantitativa, a educação
melhorou apenas lentamente, mau grado uma enorme fatia do orçamento. E não se
consegue encontrar uma via estável de desenvolvimento. Com poderosos recursos
financeiros e liberta das polémicas ideológicas da educação, a Saúde
melhorou muitíssimo. Hipotecado, o Estado social consolidou-se, mas está
em perigo por causa da demografia, do desemprego e da estagnação económica.
A Ciência, num mundo aberto e com grandes meios europeus, deu um salto, mas
distanciou-se das universidades, o que é erro difícil de corrigir. A
Justiça tem sido a eterna chaga da democracia portuguesa. Atrasada, lenta,
injusta, burocrática, influenciável, corporativa, orgulhosa e arrogante é
seguramente uma das ilustrações do atraso português. A banca portuguesa, depois
de duas décadas de inovação e da dinâmica económica, revelou finalmente
ineficiência, corrupção, falta de discernimento e actuações de duvidosa
honorabilidade. Finalmente, a política demagógica está no cerne da decadência
portuguesa actual. A ela se deve o endividamento e a dependência do país. Assim
como a estranha persistência da desigualdade.
Uma coisa parece indiscutível: a economia está no centro
exacto do que deveriam ser as preocupações e as prioridades deste orçamento. A economia já conheceu períodos de progresso
acelerado, mas, desde 2000, estagnou. O crescimento é igual a zero. O
investimento parece ter descido a níveis inéditos na história contemporânea. Há
um ano que se esperam sinais de recuperação que não chegam. Quem
pretende algo mais do que a mera revisão ou a lubrificação do arranjo de
governo, deve procurar as prioridades ao crescimento e ao investimento. Será
que estão lá? Este orçamento é capaz de estimular o crescimento económico? De
atrair o investimento privado? De conduzir ao aumento do investimento total? E
de diminuir a despesa do Estado? Se sim, temos governo, temos orçamento e temos
futuro. Se não, a lei de meios servirá tão-só para aguentar a habilidade.
Um
país parado à beira do caminho
Público, 15/10/2016 - 07:01
«Este governo
não tem tempo para governar o país porque gasta o tempo que tem a governar-se a
si próprio. Portugal é apenas o cenário para os seus arriscados equilibrismos;
menos uma governação do que um número de funambulismo, com António Costa
permanentemente em cima do arame. De um lado o Bloco de Esquerda e do outro o
PCP. De um lado as regras europeias e do outro o discurso do fim da
austeridade. De um lado a dura realidade hayekiana e do outro os doces sonhos
keynesianos. De um lado as agências de rating e do outro a cartilha anti
capitalista. Como é que se compatibiliza tudo isto? Só com muito tempo e uma
dose cavalar de simulações, distorções e cara de pau.
….. À pergunta de Pedro Passos Coelho, três vezes repetida,
sobre o prometido crescimento económico no “debate parlamentar que
antecedeu a entrega do Orçamento,”… «P.P. Coelho apenas recebeu de
António Costa tergiversações, manipulações de números e mentiras descaradas,
que encaixam na perfeição naquilo que hoje em dia se começa a chamar, muito à
boleia de Donald Trump, «política da pós-verdade – já não há factos mas apenas
interpretações, uma bonita frase nietzschiana que é a morte de qualquer base de
entendimento para o debate político.
Eu
tive vergonha do Parlamento naquele momento. Costa chegou a sugerir que o
objectivo de crescimento é criar emprego
e visto que o desemprego diminuiu, então os números do crescimento não são
assim tão importantes. Mas como no final do debate descobri que a maior
parte dos comentadores atacava Pedro
Passos Coelho por estar sempre a fazer a mesma pergunta e não António Costa por
esfregar a sua desonestidade intelectual na cara de todos nós, fui obrigado a
concluir, mais uma vez, que só temos o que merecemos. O
primeiro-ministro não tem dinheiro para comprar
nova mobília nem poder para mandar a velha mobília fora, por isso resta-lhe
mudar as jarras de sítio e chamar a isso Orçamento do Estado. … O
novo orçamento é igual ao de 2016 porque António Costa não tem margem de
manobra para mais nada. …. A estagnação é já assumida pelo próprio governo nos
seus números de crescimento para 2017 (ao menos isso). … Há um ano, o PS
prometia um crescimento de 3,1% para 2017. Onde está ele? A bem dizer, A. Costa
respondeu a Passos C. via Orçamento do Estado – não, ele próprio já
não acredita que as políticas do seu governo consigam pôr Portugal a crescer
Somos
Um país parado
à beira do caminho. Um país mais uma vez adiado, graças a um conjunto de acordos assinados por um homem que
atou voluntariamente os seus pés e as suas mãos para ser primeiro ministro.
António Costa é um político altamente capacitado, só que todo o virtuosismo foi
colocado ao serviço da sua mera sobrevivência. É um virtuosismo muito útil para
si. Mas absolutamente inútil para o país.
Remar
contra a maré
Público, 16/10/2016
Até que ponto as preocupações
sociais traduzidas no Orçamento do Estado para 2017 — apesar do
gradualismo na eliminação da sobretaxa do IRS ou no aumento das pensões, por
exemplo — irão sobreviver ao anémico crescimento económico interno, aos
constrangimentos externos e, sobretudo, à doutrina austeritária germânica que
continua a governar a Europa? Eis talvez a questão mais relevante que se
poderá colocar ao exercício de equilibrismo orçamental de Mário
Centeno, tão difícil de digerir — e aparentemente tão mal gerido até
António Costa ter regressado da China – pelos parceiros do Governo
socialista sobretudo pelo PCP.
Presume-se que terá sido a
inesgotável habilidade política do primeiro ministro que permitiu desatar o nó
da corda esticada na maratona negocial de sexta-feira, embora se presuma que
ondas revoltas poderão ainda levantar-se durante o debate na especialidade até
à votação final do Orçamento. Mas mesmo com todo o génio de sobrevivência de
Costa, persiste o milagre em suspenso da sobrevivência do Governo, entalado
entre as exigências dos seus parceiros de esquerda e as imposições de Bruxelas
e Berlim. Até quando – e como?
Mergulhada numa crise
existencial sem precedentes, abalada pelo “Brexit” e as derivas populistas que
a atravessam de Budapeste e Varsóvia a Paris, a Europa parece incapaz de
encontrar um caminho reunificador. E a nossa fragilidade económica, a nossa
condição periférica, tendem a expor-nos cada vez mais aos ditames erráticos e
suicidários dessa Europa que perdeu o rumo. Basta ver o destino trágico da
Grécia – e a humilhação e impotência com que se confronta o Syriza – para
interiorizarmos os temores do desconcerto europeu.
Não temos alternativas
fora da Europa (e, tanto quanto é possível presumir, fora do euro). Mas
até onde será possível influenciar o curso dos acontecimentos – e chegar ao
objectivo indispensável da reestruturação da dívida, essa expressão
ainda proibida – sem um eixo de aliados do Sul, da França à Itália,
decididos a remar contra a maré? Em Itália, a estrela de Renzi está em queda e
ameaça apagar-se no referendo de Dezembro, enquanto a França entrou em plena
turbulência pré-eleitoral (para onde caminha também a Alemanha) com uma
esquerda em agonia e uma direita acossada pelas sereias do extremismo (à
excepção de Alain Juppé, o único candidato respeitável da direita às
presidenciais de 2017).
Pessimismo da razão,
optimismo da vontade, preconizava Gramsci. Mas o optimismo da
vontade será insuficiente se não tivermos a consciência do mundo próximo – e também
longínquo – que nos envolve. Remar contra a maré, sempre, mas sem o
provincianismo serôdio de quem se fecha numa concha insular, como acontece com
a maioria da nossa classe política (à esquerda ou à direita), reduzindo a sua
intervenção a optimismos beatos, a utopias sectárias ou ao ressentimento de
órfãos do poder. Não fomos ainda atacados, felizmente, pela praga do
populismo, mas padecemos do simplismo e do maniqueísmo com que encaramos a
realidade, pintada a um grosseiro preto e branco.
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