segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Três tristes textos


De António Barreto, de João Miguel Tavares, de Vicente Jorge Silva. Sobre o Orçamento do Estado para 2017. O primeiro, anterior à primeira discussão parlamentar, os dois últimos, posteriores. O primeiro, apontando as causas do constante adiar de um país de políticos ávidos e de politiquices sem dimensão crítica, que desde sempre o fizeram “adiar”, num atraso de séculos. E irão continuar a adiá-lo, julgo, numa Educação sem dignidade, que impõe trabalhos excessivos, num contraste brutal  entre o muito que se exige de matérias programáticas e o pouco que se exige de educação e disciplina. Uma Escola por vezes reduzida a um atoleiro de insubordinação a que nos conduziu o excesso de maneirismo pedagógico, de pieguice lorpa na educação dos filhos, primeiro, e dos discentes depois, em nome da liberdade incondicional, de tristes consequências na evolução de um mundo em que a crueldade se vai impondo universalmente. Uma Justiça manipulável, sucessivos governos ineptos que favoreceram a falcatrua e o endividamento do país,  e cuja paspalhice se denota bem no actual, em que os partidos da esquerda, que chantageiam o usurpador PS, a coberto da necessidade deste da sua colaboração para a percentagem governativa vitoriosa (muito embora ela não faça parte da governação e do usufruto pecuniário que essa proporcionaria aos seus dirigentes - com o que, aliás, o país se congratula, reconhecendo, embora a vigarice do PS, para com o país e para com a esquerda) … impõem um aumento de 10 euros nos vencimentos mais baixinhos, de trezentos euros, alheios ao indecoroso dessa esmola irrisória e enxovalhante, num vencimento já de si aviltante. João Miguel Tavares mostra o cerne da questão, ao criticar o governo manobrando apressadamente e cavilosamente um Orçamento sem futuro, num país estagnado, que prometera fazer progredir, pendurado numa aventura atrevida, de falsas expectativas. Quanto a Jorge Silva Vicente, faz uma resenha sobre o que se passa na Europa, em termos de turbulência política para justificar a nossa marginalidade ou a da Grécia, culpando-a, a Europa, em vez de condenar o país infractor, que gastou o que não tinha e é reticente em pagar o que deve, nos seus esquemas que inverteram o caminho seguido por Passos Coelho, de pagamento, embora causador da austeridade, mas também da humilhação, tal como a Grécia, que, como nós, padece do conceito de que os tais países que produzem é que devem pagar as contas dos que não produzem e possuem, além disso, no seu cartel, muito quem suma esses dinheiros para recantos mais apagados que mais tarde se finge acender…

O orçamento e o futuro
António Barreto
DN, 9/10/16
Dentro de uma semana começaremos a saber se as políticas públicas se destinam a manter a coligação ou se já têm em vista objectivos de médio e longo prazo. Os critérios para avaliar este orçamento e as suas escolhas não deveriam ser a chantagem dos parceiros, nem o grau de satisfação de cada um deles. Nem a maneira como o governo se consegue manter. Deveriam ser, isso sim, as opções capazes de promover o crescimento económico e desenvolver a sociedade.
Portugal vive, há quase duas décadas, em clima de estagnação. Alguns dos factores de decadência são antigos, inelutáveis e ultrapassados. Mas há outros que estão aí à espera de cuidado, tratamento e reforma.
Entre os primeiros, contam-se a globalização, as crises internacionais, as políticas europeias e o euro, mas também são responsáveis por alguns progressos recentes. De qualquer maneira, não parece haver muito a fazer, no curto prazo e isoladamente, contra fenómenos como a globalização! Se tiver aliados poderosos, Portugal apenas poderá influenciar a seu favor alguns dos factores internacionais.
Além desses, há factores de decadência contra os quais já não vale a pena lutar. A ditadura, pela sua natureza e pela duração, atrasou Portugal. A guerra colonial também. A revolução e a contra-revolução fizeram o país perder tempo. A nacionalização das empresas e respectiva reprivatização adiaram a economia. Uma Constituição despótica atrasou a sociedade, depois de ter salvado a democracia. Os partidos políticos que temos adiaram o progresso e protelaram a política.
A Educação gasta a mais e progride pouco. Depois de uma enorme expansão quantitativa, a educação melhorou apenas lentamente, mau grado uma enorme fatia do orçamento. E não se consegue encontrar uma via estável de desenvolvimento. Com poderosos recursos financeiros e liberta das polémicas ideológicas da educação, a Saúde melhorou muitíssimo. Hipotecado, o Estado social consolidou-se, mas está em perigo por causa da demografia, do desemprego e da estagnação económica. A Ciência, num mundo aberto e com grandes meios europeus, deu um salto, mas distanciou-se das universidades, o que é erro difícil de corrigir. A Justiça tem sido a eterna chaga da democracia portuguesa. Atrasada, lenta, injusta, burocrática, influenciável, corporativa, orgulhosa e arrogante é seguramente uma das ilustrações do atraso português. A banca portuguesa, depois de duas décadas de inovação e da dinâmica económica, revelou finalmente ineficiência, corrupção, falta de discernimento e actuações de duvidosa honorabilidade. Finalmente, a política demagógica está no cerne da decadência portuguesa actual. A ela se deve o endividamento e a dependência do país. Assim como a estranha persistência da desigualdade.
Uma coisa parece indiscutível: a economia está no centro exacto do que deveriam ser as preocupações e as prioridades deste orçamento. A economia já conheceu períodos de progresso acelerado, mas, desde 2000, estagnou. O crescimento é igual a zero. O investimento parece ter descido a níveis inéditos na história contemporânea. Há um ano que se esperam sinais de recuperação que não chegam. Quem pretende algo mais do que a mera revisão ou a lubrificação do arranjo de governo, deve procurar as prioridades ao crescimento e ao investimento. Será que estão lá? Este orçamento é capaz de estimular o crescimento económico? De atrair o investimento privado? De conduzir ao aumento do investimento total? E de diminuir a despesa do Estado? Se sim, temos governo, temos orçamento e temos futuro. Se não, a lei de meios servirá tão-só para aguentar a habilidade.
Um país parado à beira do caminho
Público, 15/10/2016 - 07:01
«Este governo não tem tempo para governar o país porque gasta o tempo que tem a governar-se a si próprio. Portugal é apenas o cenário para os seus arriscados equilibrismos; menos uma governação do que um número de funambulismo, com António Costa permanentemente em cima do arame. De um lado o Bloco de Esquerda e do outro o PCP. De um lado as regras europeias e do outro o discurso do fim da austeridade. De um lado a dura realidade hayekiana e do outro os doces sonhos keynesianos. De um lado as agências de rating e do outro a cartilha anti capitalista. Como é que se compatibiliza tudo isto? Só com muito tempo e uma dose cavalar de simulações, distorções e cara de pau.
….. À pergunta de Pedro Passos Coelho, três vezes repetida, sobre o prometido crescimento económico no debate parlamentar que antecedeu a entrega do Orçamento,”… «P.P. Coelho apenas recebeu de António Costa tergiversações, manipulações de números e mentiras descaradas, que encaixam na perfeição naquilo que hoje em dia se começa a chamar, muito à boleia de Donald Trump, «política da pós-verdade – já não há factos mas apenas interpretações, uma bonita frase nietzschiana que é a morte de qualquer base de entendimento para o debate político.
Eu tive vergonha do Parlamento naquele momento. Costa chegou a sugerir que o objectivo de crescimento  é criar emprego e visto que o desemprego diminuiu, então os números do crescimento não são assim tão importantes. Mas como no final do debate descobri que a maior parte  dos comentadores atacava Pedro Passos Coelho por estar sempre a fazer a mesma pergunta e não António Costa por esfregar a sua desonestidade intelectual na cara de todos nós, fui obrigado a concluir, mais uma vez, que só temos o que merecemos. O primeiro-ministro não tem dinheiro para  comprar nova mobília nem poder para mandar a velha mobília fora, por isso resta-lhe mudar as jarras de sítio e chamar a isso Orçamento do Estado. … O novo orçamento é igual ao de 2016 porque António Costa não tem margem de manobra para mais nada. …. A estagnação é já assumida pelo próprio governo nos seus números de crescimento para 2017 (ao menos isso). … Há um ano, o PS prometia um crescimento de 3,1% para 2017. Onde está ele? A bem dizer, A. Costa respondeu a Passos C. via Orçamento do Estado – não, ele próprio já não acredita que as políticas do seu governo consigam pôr Portugal a crescer
Somos Um país parado à beira do caminho. Um país mais uma vez adiado, graças a um conjunto de acordos assinados por um homem que atou voluntariamente os seus pés e as suas mãos para ser primeiro ministro. António Costa é um político altamente capacitado, só que todo o virtuosismo foi colocado ao serviço da sua mera sobrevivência. É um virtuosismo muito útil para si. Mas absolutamente inútil para o país.
Remar contra a maré
Público, 16/10/2016
Até que ponto as preocupações sociais traduzidas no Orçamento do Estado para 2017 — apesar do gradualismo na eliminação da sobretaxa do IRS ou no aumento das pensões, por exemplo — irão sobreviver ao anémico crescimento económico interno, aos constrangimentos externos e, sobretudo, à doutrina austeritária germânica que continua a governar a Europa? Eis talvez a questão mais relevante que se poderá colocar ao exercício de equilibrismo orçamental de Mário Centeno, tão difícil de digerir e aparentemente tão mal gerido até António Costa ter regressado da China – pelos parceiros do Governo socialista sobretudo pelo PCP.
Presume-se que terá sido a inesgotável habilidade política do primeiro ministro que permitiu desatar o nó da corda esticada na maratona negocial de sexta-feira, embora se presuma que ondas revoltas poderão ainda levantar-se durante o debate na especialidade até à votação final do Orçamento. Mas mesmo com todo o génio de sobrevivência de Costa, persiste o milagre em suspenso da sobrevivência do Governo, entalado entre as exigências dos seus parceiros de esquerda e as imposições de Bruxelas e Berlim. Até quando – e como?
Mergulhada numa crise existencial sem precedentes, abalada pelo “Brexit” e as derivas populistas que a atravessam de Budapeste e Varsóvia a Paris, a Europa parece incapaz de encontrar um caminho reunificador. E a nossa fragilidade económica, a nossa condição periférica, tendem a expor-nos cada vez mais aos ditames erráticos e suicidários dessa Europa que perdeu o rumo. Basta ver o destino trágico da Grécia – e a humilhação e impotência com que se confronta o Syriza – para interiorizarmos os temores do desconcerto europeu.
Não temos alternativas fora da Europa (e, tanto quanto é possível presumir, fora do euro). Mas até onde será possível influenciar o curso dos acontecimentos – e chegar ao objectivo indispensável da reestruturação da dívida, essa expressão ainda proibidasem um eixo de aliados do Sul, da França à Itália, decididos a remar contra a maré? Em Itália, a estrela de Renzi está em queda e ameaça apagar-se no referendo de Dezembro, enquanto a França entrou em plena turbulência pré-eleitoral (para onde caminha também a Alemanha) com uma esquerda em agonia e uma direita acossada pelas sereias do extremismo (à excepção de Alain Juppé, o único candidato respeitável da direita às presidenciais de 2017).

Pessimismo da razão, optimismo da vontade, preconizava Gramsci. Mas o optimismo da vontade será insuficiente se não tivermos a consciência do mundo próximo – e também longínquo – que nos envolve. Remar contra a maré, sempre, mas sem o provincianismo serôdio de quem se fecha numa concha insular, como acontece com a maioria da nossa classe política (à esquerda ou à direita), reduzindo a sua intervenção a optimismos beatos, a utopias sectárias ou ao ressentimento de órfãos do poder. Não fomos ainda atacados, felizmente, pela praga do populismo, mas padecemos do simplismo e do maniqueísmo com que encaramos a realidade, pintada a um grosseiro preto e branco.

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