sábado, 15 de outubro de 2016

Quem me dera que não fosse assim…


Um texto já antigo, de Agosto, de António Bagão Félix, que me parece imprescindível para o raciocínio daqueles que têm a seu cargo a distribuição das competências pelos diversos ramos e anos de ensino. Mas não creio que resulte, tal como não resultou o pedido de abolição do A.O. ou de parte dele. Caminhamos para uma trágica perda de sensatez no alarde que fazemos de programações e livros escolares bem engendrados, é certo, como não tínhamos nos nossos tempos, mas não damos tempo aos alunos de assimilarem as noções, com tanta matéria exposta de cada disciplina, tanto exercício a acompanhar essa matéria, os alunos sem tempo, certamente, para as fixarem como lhes cumpre, e sem tempo, sequer, para as distracções naturais, pois saem tarde da escola e as matérias de estudo diário são excessivas. Não querendo reconhecer isso, que seria negativo para as suas reputações, cada vez mais os encarregados ministeriais do Ensino e os da elaboração dos livros escolares se requintam a aplicar as novidades que colhem nas universidades, com sofisticadas e tortuosas questões - de muito interesse, é certo, mas de uma exigência que nem sempre corresponde ao seu nível etário, e serve apenas ao exibicionismo pessoal do encarregado de compor esses livros. Por isso concordo com a tese de Bagão Félix, no avanço da “Matematicofobia. «Em progressão geométrica». Na matemática, a tabuada é fulcral e as contas também, agora simplificadas e apoiadas com o computador, objecto do progresso alheio, que nunca conseguiremos partilhar. O mesmo se dirá dos rebuscamentos gramaticais, de tal modo exigentes que dificilmente possibilitarão a compreensão dos textos e a eliminação de erros gramaticais, de que o simples Ditado era impeditivo. Lembro-me, de que há poucos anos ainda, na TV5 se faziam ditados de vários níveis, com um professor muito vivo, cujo nome esqueci. Mas nós não nos atrevemos a essas experiências, sairíamos bem frustrados.
Mas tanta aberração é ainda favorecida pela facilitação de consulta dos livros, aquando dos testes, e pela transição aos anos imediatos de alunos reprovados em cinco ou mais disciplinas. Prova, certamente, do falhanço das políticas de Educação
Dir-se-á que é porque se reconheceu a enormidade das matérias, que se deixam consultar os livros durante os testes. E deixá-los transitar ao ano seguinte, apesar das muitas negativas, é prova cabal de que errámos e não queremos reconhecê-lo. Os números para apresentar lá fora têm que ser prestigiantes.
Há dias, entretive-me a ler alguns comentários na Internet, coisa que raramente faço. Fiquei abismada com o chorrilho de palavras que pretendiam ser em português. E, mais uma vez, como o outro, «(olhei) para trás de mim e (tive) pena». Mas diria antes, com mais propriedade: “Tenho medo”.

 “Matematicofobia” em progressão geométrica
Público, 16 de Agosto de 2016
Este ano voltou a descer a média das notas a Matemática no ensino secundário. Mesmo nas inconclusivas provas de aferição, a Matemática continua a ser a mais mal-amada. Sempre me custou a perceber esta histórica tendência para o modo como a disciplina é encarada e (mal) apreendida por muitos alunos. Haverá seguramente explicações (que não necessariamente razões) para tal, e que pessoas qualificadas têm procurado investigar.
Mas, o certo é que a “matematicofobia” se espalha virulentamente e é vista como um obstáculo não a superar, mas a contornar. A Matemática é, na sua essência, uma disciplina de exigência, perseverança e concentração num tempo em que se quer dar a entender que esses requisitos devem ceder o lugar a disciplinas mais “light“, com graça, lúdicas mesmo. Uma espécie de erva daninha no meio de “disciplinas divertidas”. Além disso, como um dia um estudioso polaco disse, a matemática é a única linguagem humana que não tem ruído de fundo. A abstracção pura e a sua beleza austera conduzem-nos ao rigor, onde não há espaço para opiniões ou subjectivismos. A dicotomia sem subterfúgios “está certo ou está errado” tende a ser incómoda e castradora em tempos de “sim, não, talvez ou nem tanto”. A exactidão esfuma-se na roda-viva do seu contrário.
Hoje, ensinar ou aprender matemática é uma atitude de heroicidade académica. Aliás, a larga maioria dos docentes de Matemática já foram alunos nesta visão fria, distante e bloqueadora dos números e operações. Não é arriscado dizer que muitos alunos chegam ao ensino superior com uma “idade matemática” que, há largos anos, se atingia no fim da primária ou nos primeiros anos do liceu.
As operações (primárias) já foram. A tabuada foi declarada inimiga. Agora é definitivamente o tempo de dedilhar, não de pensar, pelo que o resultado nos é exterior. As “provas dos nove fora” foram erradicadas porque a máquina se tornou arrogante e nós a endeusámos. Recordo-me de um ministro da educação do Reino Unido ter tomado, há anos, uma medida de verdadeira reforma escolar: proibiu a utilização das maquinetas electrónicas no ensino básico. Que os alunos estão lá é para aprender a dificuldade, e não para digitar a facilidade. Poupou-se dinheiro, recuperaram-se professores e ganharam-se alunos que, também, têm de usar a cabecinha.
Hoje as crianças e jovens têm ao seu dispor toda a poderosa parafernália de computadores, smartphones, tablets que existem muito graças à Matemática. Uma ingratidão para com a própria disciplina…
Aliás, a matemática está presente na vida e talvez valesse a pena investir mais no seu ensino ligado ao nosso quotidiano. Não é a subir umas escadas que aplicamos a propriedade transitiva, sob pena de tropeçarmos? Não é, aplicando a mesma propriedade lógica, que dizemos que amigo do meu amigo meu amigo é? Não é a vestirmo-nos que respeitamos a ordem de um par ordenado (a,b), primeiro a camisa e depois o casaco, para não cairmos no ridículo do (b,a) primeiro o casaco e por cima a camisa? Não é através dos números complexos que podemos calcular a oscilação do amortecedor de um carro quando se trava, assim se ajustando às características do carro? Não é pelas noções básicas da teoria dos conjuntos que não precisamos de dizer “portugueses e portuguesas”, pois que é um modo de repetição de um subconjunto (“portuguesas“) contido no conjunto (em favor da ideologia de género)? Não é pela lógica matemática que chegamos à conclusão de que a negação de uma negação exprime uma afirmação? E quantas equações exprimimos por dia, para não falar em inequações, mais ao jeito do nosso gosto comparativo?
Por aqui, também se pode perceber a inseparável ligação entre a Matemática e a língua portuguesa. Hoje, parte do mal falar português está associado à repugnância quase estimulada da matemática.


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