É por todos estes dislates das
políticas económicas que me habituei a ir aos saldos. Nunca como agora se preocuparam
tanto com a minha bolsa e menos com a minha dieta. Até o gelado “Romântica” - de
que gosto sobremaneira, sem ter em conta as calorias da obesidade – de vez em quando
abate 2 euros aos mais de 5 habituais, o que me faz levar logo dois, triste por não poder
acarretar mais, por não me caberem no congelador, já ocupado por outros
congelados, alguns dos quais também de saldo. Mas já tinha notado que os sumóis
ou os compais nunca abatiam os preços, ao contrário dos vinhos e dos azeites, e
às vezes até do peixe congelado, e fico a saber, por este artigo de João
Taborda da Gama, que é por consideração pela minha estrutura corpórea, que eles
- os refrigerantes - são severamente tributados, embora eu esteja especialmente
votada à coca-cola, a que me habituei em África e que cá não havia nos anos
cinquenta dos meus estudos nas Letras, o que me causava suspiros, como se
tivesse perdido uma doce companheira, fazendo-me mergulhar num sentimento de
irreparável frustração fraternal. De facto, tal era o vício, e tão maneirinhas
as coca-colas individuais, que até chamavam de “coca-colas” aos africanos. Não há
fome que não dê em fartura, e agora as coca-colas são de litro e mais, nunca
mais encontrei as garrafas maneirinhas da minha infância, mais tarde
substituídas por latas, mas somos um povo de excessos alimentares e ao litro
sai mais barato além de que dessedenta toda a família. Taborda da Gama também
deve ser dos que amam os refrigerantes, por isso condena o imposto sobre eles,
mas cada um sabe de si, e se o governo taxa os refrigerantes é porque não pode
deixar de os taxar, no desequilíbrio orçamental em que se deve encontrar para
aceder às exigências dos seus apoiantes da esquerda, que dividem a sociedade em
ricos e pobres, sem sequer admitirem os remediados, e por isso taxam os refrigerantes
doces que são mais comprados pelos ricos. Mesmo quando há os peditórios para aqueles,
julgo que ninguém se lembra de comprar refrigerantes, mas sim as massas e o
feijão e o arroz que são mais substanciais e adequados ao seu estatuto. Eu nunca
me tinha lembrado desses factores, e ao quilo do arroz e garrafa de azeite em
saldo também costumava juntar o quilo do açúcar mas foi porque não me lembrava desses
pormenores divisionistas. É por isso que discordo do que diz João Taborda da
Gama e até sugiro um slogan: ”Queres refrigerante?
Só de taxa”.
Doces impostos
João Taborda da Gama
DN, 9/10/16
Tributar os refrigerantes nem emagrece as pessoas nem
engorda os cofres. Então para que
é que serve? Serve apenas para que não se fale do que interessa, do que
preocupa, das yields da dívida, do crescimento anémico, do IVA da restauração.
Já todos sabemos que a obesidade faz mal e que o açúcar e
a gordura nos tornam obesos, e que quem beber muito Sumol de ananás fica mais
gordinho do que quem beber a mesma quantidade de água da torneira, de Fátima ou
do Luso.
Mas tributar agravadamente um produto exige uma
fortíssima legitimação de igualdade para não estarmos perante uma tributação
inconstitucional, perante o arbítrio fiscal, aquela zona em que o legislador
tributa mais ou menos só porque sim, porque lhe apetece, porque embirra mais ou
menos com aquela empresa, setor ou produto, ou porque quer impor, à custa de um
produto, uma qualquer ideia de sociedade, de mercado, ou até porque este ou
aquele imposto está mais na berra. Para se tributar os refrigerantes
agravadamente teria de se demonstrar inequivocamente que havia em Portugal um
sobreconsumo de refrigerantes, que levavam a um problema de saúde pública de
obesidade, que havia uma causa entre o sobreconsumo e a obesidade e que - o que
é fundamental - a tributação agravada dos refrigerantes faria comprovadamente
decair o consumo das bebidas açucaradas, que não seria substituído por consumos
alternativos de calorias e que daqui resultaria a redução da obesidade. Por
causa do imposto deixas o Frisumo, passas a aguinha del cano e ficas com
abdominais de Ronaldo.
Começa logo por ser falso o ponto de partida: em Portugal
não existe nenhum problema especial de consumo de refrigerantes. O consumo per
capita de refrigerantes em Portugal no ano de 2015 foi de 66 litros, muito
abaixo da média europeia de 95 litros, dos 106 litros do Reino Unido ou dos 154
litros dos Estados Unidos da América (dados publicados online pela UNESDA,
associação que representa os interesses da indústria de refrigerantes em
Bruxelas). Inventar um imposto
para tentar eliminar uma causa de um suposto problema, causa essa que é 68% da
média europeia e metade do que acontece na América do Norte, é, admitamos,
forçado.
A causa não existe. E o problema existe? Existe na medida em que justifique um imposto
especial para o debelar? Olhando aos números da obesidade e do sobrepeso em
Portugal não parece estarmos afastados das médias da OCDE.
O que é que acontece quando se criam estes impostos? Os estudos feitos mostram que o imposto é passado
para o consumidor, sobretudo ao longo de um período de tempo. Mas os resultados
variam: em muitos países os preços subiram mais do que o aumento da carga
fiscal, noutros não.
A terceira coisa que há a provar é saber se o imposto,
com o seu impacto no preço, reduz o consumo (estamos a falar, ao que parece, em
impostos na ordem dos 10%- 20% e não impostos que são mais do que metade do
preço de venda como no tabaco). Olhando ao que aconteceu em outros países
(México, França, Finlândia), houve uma diminuição do consumo do produto. Mas
ao contrário do tabaco, nos refrigerantes há uma gama de preços muito
abrangente e portanto há substituição. Basta ir ao site do Continente Online
para vermos que o "Refrigerante com Gás É Cola Continente" se vende a
0,20 euros por litro, enquanto a Coca--Cola custa 0,83 euros euro por litro. Esta
amplitude de mais de 400% mostra o espaço que há para os consumidores optarem
por sumos mais baratos, mantendo as calorias, sobretudo os consumidores mais
pobres. E há ainda um outro fenómeno, que é a substituição de calorias dos
refrigerantes por outras calorias, que é frequente acontecer.
A não ser que não se trate com este
imposto de salvar a saúde dos portugueses, de os emagrecer, mas apenas mais uma
fonte de receita, um imposto como os outros, para engordar o Orçamento. Mas se
assim é, então o quadro ainda é menos claro. Qual a expectativa de receita
deste imposto? Cem milhões ou dez milhões? Qual o custo de adaptação da
administração fiscal para verificar o cumprimento? Qual o custo para as
empresas na adaptação para a sua cobrança e entrega ao Estado? Que impacto vai
ter no pequeno e médio comércio (um dos efeitos dos soda taxes é direcionar o
consumo para grandes superfícies e marcas brancas). Não parece que seja o Sucol
que vai salvar o défice.
E depois há a questão da justiça e da coerência do
sistema fiscal visto como um todo: que sentido faz aumentar a tributação de
certos bens alimentares ao mesmo tempo que se mantém o IVA da restauração nos
13%?
A ideia de tributar as gasosas não foi
de Passos (que não avançou) nem de Costa (que parece que vai avançar) - foi de
Salazar em 1961. E porque é que Salazar, professor de Finanças Públicas e
especialista em impostos, se lembrou, nesse ano de 1961, de tributar os
refrigerantes? Não porque estivesse preocupado com a lusa pança, mas porque
tinha começado a Guerra do Ultramar e nesse ano foi preciso aprovar uma série
de impostos, uns para conseguir mais receita (sobretudo nos combustíveis) e
outros para entreter o pagode, sobretudo para fazer crer que o esforço de
guerra estava ser suportado pelos ricos, com um imposto sobre os refrigerantes
e outro sobre os produtos supérfluos e de luxo. Foram impostos de pouco dura, e de receita quase
nula, que foram revogados na primeira esquina, tal foi o sarilho em que meteram
as empresas e o fisco para o tentar cobrar. Na verdade, Salazar já se tinha
cruzado com os problemas da tributação das bebidas, na Primeira República,
quando um aumento do selo das bebidas e perfumes uniu os patrões contra o
regime e lhe abriu caminho, mesmo que à última da hora o governo tivesse tentado
isentar os pirolitos (v. o interessante artigo de Luís Villalobos no Público de
10.9.2015).
É comum os impostos do pecado usarem a culpa dos
consumidores para fins puramente de angariação de receita. Mas no caso de se
quererem tributar os refrigerantes em Portugal nem há razões para ter culpas
nem motivos para se esperarem receitas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário