Ouço às vezes Marques Mendes, não tanto para me
deliciar com um discurso cuja intelectualidade seja articulada em perfeito nexo
vocabular e prosódico, como é o de Pacheco
Pereira, ou mesmo de Lobo Xavier, de pensamento certeiro e corajoso, na sua honestidade
desmistificadora do pensamento criticamente elegante e nem sempre sério do
primeiro ou mesmo do de Jorge Coelho, mais chão e de apego canino ao governo, cuja
coligação não põe em causa - não tanto, pois, para usufruir desses prazeres
solitários, que a Quadratura do Círculo me faz viver, mas para escutar um
discurso despachado, de muitas certezas, em que às vezes me revejo, mas outras
vezes me põe a considerar sobre as inúmeras asserções que Marques Mendes lança
no seu diálogo veloz, sobre todas as questões que lhe são postas a que ele
responde sem hesitação, como fazia Marcelo, embora com menos piruetas verbais
do que este. Não, não sinto grande prazer no seu discurso despachado, mas
apenas uma curiosidade normal, de quem vai aprendendo coisas e loisas que logo
a seguir se esquecem.
Mas este artigo de André Macedo, que encontro no DN de
hoje, trouxe-me a concordância imediata com o seu ponto de vista sobre aquele,
denunciando, pela ironia, uma certa falta de lisura na sua parca sabedoria –
que me parece mais fofoqueira do que assente num ponto de vista amadurecido pela
análise e o estudo realmente sérios. Por esse motivo, o transponho para aqui,
com prazer, descodificado o termo “fatwa” na Internet, como “resposta
certeira segundo o Islão”.
As
fatwas de Marques Mendes
André
Macedo
DN,
22/10/16
Dizem
por aí que o ministro da Economia vai ser corrido, deflacionado, vai ser
deslocalizado, afastado por António Costa. Deve ser um problema da Economia,
poucos lhe sobrevivem muito tempo, tenham ou não currículo para mostrar e algum
trabalho feito no entretanto. Álvaro tinha apelido (Santos Pereira), não
tinha era partido, não era militante do PSD, e então foi rapidamente chutado
para França com a autoconfiança abalada. Felizmente, Paris opera maravilhas em
qualquer alma, podia ter-lhe calhado destino pior.
Coube
a Manuel Caldeira Cabral ocupar o mesmo lugar no governo seguinte. A acreditar
no que diz Marques Mendes - no Marques Mendes que tem chapéu de comentador e
outro de conferencista -, já não falta muito para acontecer a exoneração
ministerial. Mendes não é o único a lançar a previsão, mas dita pela boca do
antigo líder do PSD ganha outro peso. Acresce que entre os vários chapéus
que ele acumula no armário, para usar consoante a ocasião e o interlocutor, há
um que pertence ao Conselho de Estado, o Olimpo dos conselheiros do Presidente
da República.
Deveria
esta circunstância política, que também é uma enorme responsabilidade
democrática, temperar-lhe um pouco as fatwas que lança? Um observador
desinteressado diria que sim, mas Marques Mendes não parece preocupar-se muito.
Pelo contrário, tira partido disso. Há ali, no que ele diz, uma sopa de letras
com o perigo de acabar num refogado de interesses: algumas fatias de
informação, um par de rodelas de opinião bem fininhas e meia colher de
manipulação para apimentar.
O
assunto pode ser a Galp, amanhã os bancos, o Europeu, o resultado de um jogo de
futebol mais polémico - todos os temas populares são um bom acepipe. Ou então,
com a maior candura do mundo, Mendes põe a prémio a cabeça de um ministro sem
ter de citar qualquer fonte, sem situar a origem da informação, sem essas
maçadas todas que teoricamente fazem da informação o que é suposto ela ser:
factos pesquisados, verificados e documentados, não apenas ouvidos a meio de um
repasto. Mendes tem uma espécie de licença para matar - matar reputações, moer
outras, promover algumas pelo caminho.
Faça-se
no entanto justiça. Há outros como Marques Mendes, alguns até com menos
talento para comunicar e uns poucos ainda a coberto da Carteira Profissional de
Jornalista. O nosso conselheiro de Estado é só a fruta da época e quem
sabe onde ele chegará..., como ele próprio diria num comentário bem calibrado
sobre alguém, deixando nas entrelinhas o veneno da dúvida.
Pois
eu não sei nem quero saber quais são os objetivos políticos que Marques Mendes
tem, se é que os tem, mas não deixo de notar o equívoco do que ele faz na área
onde eu trabalho. Ele não esclarece os assuntos, posiciona os assuntos,
fecha-lhes o ângulo de uma maneira muito especial e parcial. Dá a
"notícia" e remata com a baliza aberta. Manuel Caldeira Cabral foi
exonerado por Marques Mendes numa conferência que aconteceu nesta semana, não
foi, portanto, na televisão, mas o estilo e o método são estes, só muda o
cenário. A eficácia da mensagem é de elevado nível: muita gente
acredita. Talvez isto seja apenas um espelho do país que somos. O
jornalismo não fiscaliza o poder e os poderosos, serve de barriga de aluguer e
também por causa disso enfraquece-se todos os dias.
Mas
o mais interessante disto é que Mendes, acertando algumas vezes - e
acertou em cheio na resolução do BES, o que diz muito sobre a
irresponsabilidade de alguns dos nossos decisores políticos, línguas de trapo mesmo
em assuntos tão delicados , Mendes, escrevia eu, também falha.
Tenho bem consciente que já o vi atirar muitas vezes ao lado, horrivelmente ao
lado, revelando-se incapaz de compreender o que aí vinha, mas ainda assim especulando
com a assertividade dos eleitos que tudo podem saber com um par de telefonemas
certeiros, até sobre geopolítica internacional.
Vivemos
os anos dourados da opinião, não da informação. Esta coluna que escrevo é
apenas um exemplo - espero que tenham alguma misericórdia ao lê-la -, embora
venha embrulhada num jornal que o que tem mais são notícias, entrevistas e
reportagens, doseando sensatamente tudo o resto para não perder a identidade e
a vocação. A famosa Fox News e a MSNBC, canais de informação
americanos, já estão para lá de Bagdade neste assunto. Oferecem metade do seu
tempo aos comentários - o que não é o mesmo do que análise, exercício
jornalístico qualitativamente diferente para melhor -, deixando para segundo
plano a procura intensiva da informação. E o mais ridículo disto tudo é que
já está provado que estes pundits, como lhe chamam os americanos, no
fundo estes comentadores como Marques Mendes, confundem muitas vezes desejos
com factos, fabricam uma narrativa que os impele a ignorar a realidade, não
prestam atenção suficiente aos detalhes, não são flexíveis o suficiente para
captar as zonas cinzentas, são pouco tolerantes com a complexidade. Têm uma
agenda.
Resumindo:
eu não acredito que António Costa substitua Manuel Caldeira Cabral.
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