Histórias de um novo século,
que ajudam a visualizar como tudo se processa nas terras do tio Sam, com
presidentes e vices, que a “pena” serena de Jaime Nogueira Pinto transforma
numa urdidura quase romanesca, desvendando formações e ambições num painel lateral
que até poderá vir a ser cimeiro, como acontecera antes, com os mídia já então
em plena forma: «Nixon, que foi
vice de Eisenhower, que perdeu com Kennedy em 1960, mas que
venceu em 1968 contra Humphrey; ou o de George H. Bush, que foi
vice de Ronald Reagan e foi eleito em 1988. Pode também acontecer que
sucedam aos presidentes em caso de impedimento, como Lyndon Johnson
depois do assassínio de Kennedy em 1963 e Gerald Ford que, após o Watergate
e o impeachment, substituiu Nixon. Há vice-presidentes esquecidos e
pouco influentes, como Dan Quayle, o segundo de George H. Bush; e
vice-presidentes politicamente poderosos, como Dick Cheney com George W.
Bush».
Estes vices de Donald Trump ou
Hilary Clinton, respectivamente Timothy
Michael Kaine - Tim - e Mike Pence,
têm poderes económicos e personalidades políticas ou de carácter e formação opostas
às dos respectivos pares. Talvez um dia possam exibi-las – ou outras, pois as
propostas dos discursos nem sempre se mantêm, os objectivos das promessas
muitas vezes modificados quando em campo de actuação.
Mas é com prazer que registo esta “peça” de uma
história contemporânea enriquecida ainda
pela retoma das duas figuras nela cimeiras, e os motivos que levam o povo
americano a aderir a uma delas, clownesca mas faiscante, graças a um poder
económico que afinal também a trafulhice arrogante ajudou a estabelecer.
A guerra (fria) dos vices
Jaime Nogueira Pinto, Historiador
dn, 9/10/16
Hillary
Clinton e Donald Trump escolheram para seus "número dois"
personalidades muito diferentes deles próprios. Não só nas ideias, mas
sobretudo no perfil humano.
Americanos normais
Onde
os dois cabeças de lista têm vidas e currículos complicados, com espaços
escuros e controversos, com histórias financeiras ou familiares suspeitas ou,
pelo menos, heterodoxas (o que explica a elevadíssima reacção negativa dos
eleitores), os dois vices têm vidas transparentes. Podiam até ser protagonistas
daqueles guiões inocentes e cristalinos de Hollywood dos tempos
de Eisenhower, nos anos de ouro do império americano.
São
religiosos, patriotas, boas pessoas; têm famílias e carreiras normais, filhos nos
marines e frequentam as igrejas das suas comunidades. Mike Pence, o vice de Trump,
é um católico evangélico. Tim
Kaine, o vice de Clinton, é católico, educado pelos
jesuítas e foi missionário leigo nas Honduras. Enquanto Trump é um
tycoon aventureiro de Nova Iorque, arrogante, com vários divórcios e muitas
aventuras, liberal nos "temas fracturantes", Pence
nasceu no interior do Estado de Indiana, numa família de católicos irlandeses e
democráticos. O pai tinha uma bomba de gasolina em Columbus e Mike estudou
História e Direito, foi eleito para o Congresso em várias legislaturas e é
governador de Indiana desde 2012. Representa uma linha republicana
conservadora - religiosa e patriótica. Católico, passou para o que chama
"catolicismo evangélico". A sua agenda é ortodoxa, antiaborto, contra
as campanhas LGBT e pela defesa dos valores religiosos e familiares. Nisto
contrasta com o relativo liberalismo teórico-prático de Trump em matérias de
família e costumes. Também em política externa, as posições de Pence
divergem das de Trump: o governador do Indiana foi um entusiasta da
guerra do Iraque e mantém posições de desconfiança em relação à Rússia. E é
pela NATO.
Timothy
Michael Kaine, Tim, nasceu em Saint Paul, Minesota, estudou Economia
e Direito na Harvard Law School, onde conheceu a mulher, Anne Holton, filha do
governador da Virgínia A. Linwood Holton Jr. Estabeleceu-se depois em Richmond
(Virgínia) e foi mayor da cidade e governador do estado. Em 2012 foi eleito
senador. Kaine vem compensar Hillary pelo lado conservador: como católico
declara-se contra o aborto, mas na sua acção política permitiu a livre escolha
com restrições, por isso recebeu a notação zero do movimento antiaborto
National Right to Life Committee. Seguiu a mesma conduta em relação à
pena de morte: diz-se pessoalmente contra mas, como governador da Virgínia,
presidiu a onze execuções. Também quanto ao direito de usar armas, ele
próprio as tem e as usa, mas defende uma legislação restritiva para a
aquisição. O mesmo quanto à imigração, em que defende a legalização dos
clandestinos. Em relação ao casamento de pessoas do mesmo sexo e à adopção por
casais homossexuais, reconhece estar em conflito com a doutrina vigente da
Igreja a que pertence; entretanto, vai dizendo que espera que a Igreja Católica
venha a adoptar um dia a sua posição. Em resposta, a Conferência Episcopal
Católica já declarou que a Igreja, nestas coisas, não muda.
O combate dos vice-chefes
O
debate dos vice-presidentes não costuma ser central nas eleições
norte-americanas, embora o duelo Biden-Sarah Palin em 2008 tivesse grande
audiência (mais de 60 milhões de espectadores). Desta vez, o Pence vs. Kaine
foi visto por 37 milhões de americanos.
A
importância dos vice-presidentes, que geralmente servem para completar,
complementar e equilibrar o presidente, vem também de poderem vir a ser, eles
próprios, presidentes: uns porque, acabado o mandato, o
partido os pode escolher como candidatos - o caso de Nixon, que foi vice de
Eisenhower, que perdeu com Kennedy em 1960, mas que venceu em 1968 contra
Humphrey; ou o de George H. Bush, que foi vice de Ronald Reagan e foi
eleito em 1988. Pode também acontecer que sucedam aos presidentes em
caso de impedimento, como Lyndon Johnson depois do assassínio de Kennedy em
1963 e Gerald Ford que, após o Watergate e o impeachment, substituiu Nixon.
Há vice-presidentes esquecidos e pouco influentes, como Dan Quayle, o segundo
de George H. Bush; e vice-presidentes politicamente poderosos, como Dick Cheney
com George W. Bush.
Na
actual campanha presidencial, Mike Pence estava e está investido de uma pesada
responsabilidade: num momento em que, apesar da vantagem de Hillary Clinton
depois do primeiro debate com Trump, as sondagens dão ainda a corrida como
muito renhida. Sem renegar o seu cabeça de lista, Pence terá de tranquilizar as
elites conservadoras republicanas, que têm sérias dúvidas quanto à ortodoxia
doutrinária de Trump e se mostram embaraçadas pelos seus modos e estilo. No
entanto, Pence não pode deitar achas para a fogueira do inimigo democrata e tem
de contar com a hostilidade dos media liberais, desde o New York Times e o
Washington Post à maioria das televisões que, com excepção da Fox News,
declararam guerra à candidatura republicana.
Se
era esta a missão, o vice de Trump cumpriu-a no debate de terça-feira de 4 de
Outubro. Foi discreto, tranquilo, rigoroso, com uma voz treinada nos talk
shows, em que durante muito anos foi defendendo as causas conservadoras. Também
não se deixou perturbar pelas permanentes e muitas vezes despropositadas interrupções
de Kaine (72, em 90 minutos). E acima de tudo, e ao contrário de Trump, não
caiu nas provocações do adversário.
No
debate, Kaine procurou pôr Pence numa alternativa difícil, quase diabólica,
tentando levá-lo ou a dissociar-se das afirmações mais polémicas de Trump e até
a condená-las, ou subscrevê-las. Pence conseguiu sobreviver à armadilha e a
maioria dos comentadores e eleitores reconhecem-lhe a vitória.
A vitória de Pence
Como
escreve Melissa Clouthier no American Spectator, numa eleição como esta,
em que grande parte dos eleitores votam contra o mal maior - uns, por Trump,
porque consideram Clinton desonesta e arrogante, outros, por Clinton,
porque acham Trump insensato e incompetente -, o lugar de
vice-presidente assume maior importância.
Por
isso, a escolha de Pence foi saudada pelos círculos conservadores do
partido, perturbados pelo populismo de Trump e pelas suas opções em matéria de
"questões fracturantes", política internacional e liberdade de
comércio. O estilo de Trump - e parte das suas atitudes mais radicais -
incomoda e envergonha alguns intelectuais e académicos conservadores, a ponto
de aderirem à linha "Never Trump", ou mesmo a apoiarem Hillary
Clinton.
Pence
tinha, assim, de defender uma frente cujo protagonista se agride e é
agredido constantemente. Mostrando-se cordial, conhecedor dos temas e, acima de
tudo, "normal", conseguiu garantir que uma Casa Branca Trump teria
alguém responsável na equipa dirigente.
O combate dos chefes
O
próximo momento crítico e decisivo vai ser, hoje à noite, o segundo combate dos
chefes dos chefes. Trump teve uma má semana, com os media explorando as suas
polémicas afirmações sobre Alicia Machado e com as suas confusas declarações e
não declarações fiscais. Pior ainda foi ter voltado a cair na armadilha que
Clinton lhe estendera com a história da rainha de beleza. Além disso, no curso
do debate, poupou a sua adversária em quase tudo - nada sobre Benghazi, quase
nada sobre os e-mails, nada sobre a Fundação Clinton e as dezenas de milhões em
donativos de entidades e países cuja sorte dependia das decisões da secretária
de Estado Hillary Clinton.
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