quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Histórias da História contemporânea


Histórias de um novo século, que ajudam a visualizar como tudo se processa nas terras do tio Sam, com presidentes e vices, que a “pena” serena de Jaime Nogueira Pinto transforma numa urdidura quase romanesca, desvendando formações e ambições num painel lateral que até poderá vir a ser cimeiro, como acontecera antes, com os mídia já então em plena forma: «Nixon, que foi vice de Eisenhower, que perdeu com Kennedy em 1960, mas que venceu em 1968 contra Humphrey; ou o de George H. Bush, que foi vice de Ronald Reagan e foi eleito em 1988. Pode também acontecer que sucedam aos presidentes em caso de impedimento, como Lyndon Johnson depois do assassínio de Kennedy em 1963 e Gerald Ford que, após o Watergate e o impeachment, substituiu Nixon. Há vice-presidentes esquecidos e pouco influentes, como Dan Quayle, o segundo de George H. Bush; e vice-presidentes politicamente poderosos, como Dick Cheney com George W. Bush».
Estes vices de Donald Trump ou Hilary Clinton, respectivamente Timothy Michael Kaine - Tim - e Mike Pence, têm poderes económicos e personalidades políticas ou de carácter e formação opostas às dos respectivos pares. Talvez um dia possam exibi-las – ou outras, pois as propostas dos discursos nem sempre se mantêm, os objectivos das promessas muitas vezes modificados quando em campo de actuação.
Mas é com prazer que registo esta “peça” de uma história contemporânea  enriquecida ainda pela retoma das duas figuras nela cimeiras, e os motivos que levam o povo americano a aderir a uma delas, clownesca mas faiscante, graças a um poder económico que afinal também a trafulhice arrogante ajudou a estabelecer.

A guerra (fria) dos vices
Jaime Nogueira Pinto, Historiador
dn, 9/10/16

Hillary Clinton e Donald Trump escolheram para seus "número dois" personalidades muito diferentes deles próprios. Não só nas ideias, mas sobretudo no perfil humano.

Americanos normais
Onde os dois cabeças de lista têm vidas e currículos complicados, com espaços escuros e controversos, com histórias financeiras ou familiares suspeitas ou, pelo menos, heterodoxas (o que explica a elevadíssima reacção negativa dos eleitores), os dois vices têm vidas transparentes. Podiam até ser protagonistas daqueles guiões inocentes e cristalinos de Hollywood dos tempos de Eisenhower, nos anos de ouro do império americano.
São religiosos, patriotas, boas pessoas; têm famílias e carreiras normais, filhos nos marines e frequentam as igrejas das suas comunidades. Mike Pence, o vice de Trump, é um católico evangélico. Tim Kaine, o vice de Clinton, é católico, educado pelos jesuítas e foi missionário leigo nas Honduras. Enquanto Trump é um tycoon aventureiro de Nova Iorque, arrogante, com vários divórcios e muitas aventuras, liberal nos "temas fracturantes", Pence nasceu no interior do Estado de Indiana, numa família de católicos irlandeses e democráticos. O pai tinha uma bomba de gasolina em Columbus e Mike estudou História e Direito, foi eleito para o Congresso em várias legislaturas e é governador de Indiana desde 2012. Representa uma linha republicana conservadora - religiosa e patriótica. Católico, passou para o que chama "catolicismo evangélico". A sua agenda é ortodoxa, antiaborto, contra as campanhas LGBT e pela defesa dos valores religiosos e familiares. Nisto contrasta com o relativo liberalismo teórico-prático de Trump em matérias de família e costumes. Também em política externa, as posições de Pence divergem das de Trump: o governador do Indiana foi um entusiasta da guerra do Iraque e mantém posições de desconfiança em relação à Rússia. E é pela NATO.
Timothy Michael Kaine, Tim, nasceu em Saint Paul, Minesota, estudou Economia e Direito na Harvard Law School, onde conheceu a mulher, Anne Holton, filha do governador da Virgínia A. Linwood Holton Jr. Estabeleceu-se depois em Richmond (Virgínia) e foi mayor da cidade e governador do estado. Em 2012 foi eleito senador. Kaine vem compensar Hillary pelo lado conservador: como católico declara-se contra o aborto, mas na sua acção política permitiu a livre escolha com restrições, por isso recebeu a notação zero do movimento antiaborto National Right to Life Committee. Seguiu a mesma conduta em relação à pena de morte: diz-se pessoalmente contra mas, como governador da Virgínia, presidiu a onze execuções. Também quanto ao direito de usar armas, ele próprio as tem e as usa, mas defende uma legislação restritiva para a aquisição. O mesmo quanto à imigração, em que defende a legalização dos clandestinos. Em relação ao casamento de pessoas do mesmo sexo e à adopção por casais homossexuais, reconhece estar em conflito com a doutrina vigente da Igreja a que pertence; entretanto, vai dizendo que espera que a Igreja Católica venha a adoptar um dia a sua posição. Em resposta, a Conferência Episcopal Católica já declarou que a Igreja, nestas coisas, não muda.
O combate dos vice-chefes
O debate dos vice-presidentes não costuma ser central nas eleições norte-americanas, embora o duelo Biden-Sarah Palin em 2008 tivesse grande audiência (mais de 60 milhões de espectadores). Desta vez, o Pence vs. Kaine foi visto por 37 milhões de americanos.
A importância dos vice-presidentes, que geralmente servem para completar, complementar e equilibrar o presidente, vem também de poderem vir a ser, eles próprios, presidentes: uns porque, acabado o mandato, o partido os pode escolher como candidatos - o caso de Nixon, que foi vice de Eisenhower, que perdeu com Kennedy em 1960, mas que venceu em 1968 contra Humphrey; ou o de George H. Bush, que foi vice de Ronald Reagan e foi eleito em 1988. Pode também acontecer que sucedam aos presidentes em caso de impedimento, como Lyndon Johnson depois do assassínio de Kennedy em 1963 e Gerald Ford que, após o Watergate e o impeachment, substituiu Nixon. Há vice-presidentes esquecidos e pouco influentes, como Dan Quayle, o segundo de George H. Bush; e vice-presidentes politicamente poderosos, como Dick Cheney com George W. Bush.
Na actual campanha presidencial, Mike Pence estava e está investido de uma pesada responsabilidade: num momento em que, apesar da vantagem de Hillary Clinton depois do primeiro debate com Trump, as sondagens dão ainda a corrida como muito renhida. Sem renegar o seu cabeça de lista, Pence terá de tranquilizar as elites conservadoras republicanas, que têm sérias dúvidas quanto à ortodoxia doutrinária de Trump e se mostram embaraçadas pelos seus modos e estilo. No entanto, Pence não pode deitar achas para a fogueira do inimigo democrata e tem de contar com a hostilidade dos media liberais, desde o New York Times e o Washington Post à maioria das televisões que, com excepção da Fox News, declararam guerra à candidatura republicana.
Se era esta a missão, o vice de Trump cumpriu-a no debate de terça-feira de 4 de Outubro. Foi discreto, tranquilo, rigoroso, com uma voz treinada nos talk shows, em que durante muito anos foi defendendo as causas conservadoras. Também não se deixou perturbar pelas permanentes e muitas vezes despropositadas interrupções de Kaine (72, em 90 minutos). E acima de tudo, e ao contrário de Trump, não caiu nas provocações do adversário.
No debate, Kaine procurou pôr Pence numa alternativa difícil, quase diabólica, tentando levá-lo ou a dissociar-se das afirmações mais polémicas de Trump e até a condená-las, ou subscrevê-las. Pence conseguiu sobreviver à armadilha e a maioria dos comentadores e eleitores reconhecem-lhe a vitória.
A vitória de Pence
Como escreve Melissa Clouthier no American Spectator, numa eleição como esta, em que grande parte dos eleitores votam contra o mal maior - uns, por Trump, porque consideram Clinton desonesta e arrogante, outros, por Clinton, porque acham Trump insensato e incompetente -, o lugar de vice-presidente assume maior importância.
Por isso, a escolha de Pence foi saudada pelos círculos conservadores do partido, perturbados pelo populismo de Trump e pelas suas opções em matéria de "questões fracturantes", política internacional e liberdade de comércio. O estilo de Trump - e parte das suas atitudes mais radicais - incomoda e envergonha alguns intelectuais e académicos conservadores, a ponto de aderirem à linha "Never Trump", ou mesmo a apoiarem Hillary Clinton.
Pence tinha, assim, de defender uma frente cujo protagonista se agride e é agredido constantemente. Mostrando-se cordial, conhecedor dos temas e, acima de tudo, "normal", conseguiu garantir que uma Casa Branca Trump teria alguém responsável na equipa dirigente.
O combate dos chefes

O próximo momento crítico e decisivo vai ser, hoje à noite, o segundo combate dos chefes dos chefes. Trump teve uma má semana, com os media explorando as suas polémicas afirmações sobre Alicia Machado e com as suas confusas declarações e não declarações fiscais. Pior ainda foi ter voltado a cair na armadilha que Clinton lhe estendera com a história da rainha de beleza. Além disso, no curso do debate, poupou a sua adversária em quase tudo - nada sobre Benghazi, quase nada sobre os e-mails, nada sobre a Fundação Clinton e as dezenas de milhões em donativos de entidades e países cuja sorte dependia das decisões da secretária de Estado Hillary Clinton.

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