«Sem emenda» é o antetítulo
dos artigos de António Barreto, e este,
como os mais, contém a súmula das causas
da nossa decadência, a propósito de um orçamento que teima em permanecer envolto
em neblina, no meio da preocupação
geral, sabendo quanto ele tem de obedecer às chantagens dos parceiros de
uma coligação que não olha a meios para obter os seus fins, monocordicamente ruidosa
e papagueadora das suas convicções da unilateralidade altruística. António Barreto é um homem sério,
que põe os pontos nos ii, mas esse antetítulo “sem emenda” serve
perfeitamente o seu cepticismo a respeito
dos muitos erros sem emenda da nossa governação no longo período que
abrange o passado de ditadura, até ao presente, de ditadura também, mascarada
artificialmente de democracia. Ao menos a anterior, de há quarenta e alguns
anos, preservava uma classe média, para a qual iam trepando os que labutavam na
esperança de uma melhoria de vida. É isso
que sempre me causa impressão, naqueles que, rugindo ou mais serenos, como
António Barreto – o que não é menos desfeiteador - apontam o extremo
empobrecimento a que a ditadura de Salazar conduziu o país, ignorando todas as
misérias sociais que advinham da primeira República e que Salazar teria que
refazer, com mão de ferro, para obstar à anarquia e ao endividamento externo. O
que é certo, é que conduziu a sua política do “orgulhosamente sós” tendo em
vista uma mãe pátria que amou e defendeu, enquanto na sombra se trabalhava para
a destruir, até mesmo os que se souberam alicerçar economicamente, nem sempre
com o escrúpulo da honestidade, mas indiscutivelmente com a eficiência do
trabalho. Porque trabalho havia, e segurança. O 25 de Abril trouxe o
esbanjamento, a começar pelos que se souberam alcandorar nos postos cimeiros da
governação, e em breve se seguiria a dilapidação e os sucessivos empréstimos da
nossa incontinência e incompetência para conduzir a arca baloiçante sobre as águas
estagnadas do nosso charco. O que é certo é que se empobreceu espiritualmente
sob muitos aspectos, com as várias mudanças da Educação que admitiram a
anarquia, a passagem a anos seguintes de alunos impreparados, reprovados em
várias disciplinas, mas admitidos, a fazer prever uma sociedade futura de incompetentes e
inertes, provavelmente já por conta do avassalamento da robotização que
retirará ao homem a possibilidade de emprego. Já nos nossos tempos assistimos a
tal, e aterra-nos pensar nesse futuro de inércia para os nossos descendentes embora muitas outras nações trabalhem e progridam. Nós
só progredimos com o dinheiro alheio, que esbanjámos em construção e
ordenamento territorial mas desleixámos na competência industrial e agrícola,
facilitando a corrupção que atinge as próprias estruturas jurídicas. O defeito,
pois, está em todos nós, que não temos “emenda”, como muito bem explicita António
Barreto, que não se refere apenas aos dos "arcos das governações".
O orçamento e o futuro
António Barreto
DN- 9/10/16-- «Sem Emenda»
A Educação gasta a mais e progride
pouco. Depois de uma enorme expansão quantitativa, a educação melhorou apenas
lentamente, mau grado uma enorme fatia do orçamento,
Dentro de uma semana começaremos a saber se as políticas
públicas se destinam a manter a coligação ou se já têm em vista objectivos de
médio e longo prazo. Os critérios para avaliar este orçamento e as suas
escolhas não deveriam ser a chantagem dos parceiros, nem o grau de satisfação
de cada um deles. Nem a maneira como o governo se consegue manter. Deveriam
ser, isso sim, as opções capazes de promover o crescimento económico e
desenvolver a sociedade.
Portugal vive, há quase duas décadas, em clima de estagnação.
Alguns dos factores de decadência são antigos, inelutáveis e ultrapassados. Mas
há outros que estão aí à espera de cuidado, tratamento e reforma.
Entre os primeiros, contam-se a globalização, as crises
internacionais, as políticas europeias e o euro, mas também são responsáveis
por alguns progressos recentes. De
qualquer maneira, não parece haver muito a fazer, no curto prazo e
isoladamente, contra fenómenos como a globalização! Se tiver aliados
poderosos, Portugal apenas poderá influenciar a seu favor alguns dos factores
internacionais.
Além desses, há factores de decadência contra os quais já
não vale a pena lutar. A
ditadura, pela sua natureza e pela duração, atrasou Portugal. A guerra
colonial também. A revolução e a contra-revolução fizeram o país perder tempo.
A nacionalização das empresas e respectiva reprivatização adiaram a economia. Uma
Constituição despótica atrasou a sociedade, depois de ter salvado a democracia.
Os partidos políticos que temos adiaram o progresso e protelaram a política.
A Educação gasta a mais e progride pouco. Depois de uma enorme expansão quantitativa, a educação
melhorou apenas lentamente, mau grado uma enorme fatia do orçamento. E não
se consegue encontrar uma via estável de desenvolvimento. Com poderosos
recursos financeiros e liberta das polémicas ideológicas da educação, a
Saúde melhorou muitíssimo. Hipotecado, o Estado social consolidou-se, mas
está em perigo por causa da demografia, do desemprego e da estagnação
económica. A Ciência, num mundo aberto e com grandes meios europeus, deu
um salto, mas distanciou-se das universidades, o que é erro difícil de
corrigir. A Justiça tem sido a eterna chaga da democracia portuguesa.
Atrasada, lenta, injusta, burocrática, influenciável, corporativa, orgulhosa e
arrogante é seguramente uma das ilustrações do atraso português. A banca
portuguesa, depois de duas décadas de inovação e da dinâmica económica,
revelou finalmente ineficiência, corrupção, falta de discernimento e actuações
de duvidosa honorabilidade. Finalmente, a política demagógica está no
cerne da decadência portuguesa actual. A ela se deve o endividamento e a
dependência do país. Assim como a estranha persistência da desigualdade.
Uma coisa parece indiscutível: a economia está no
centro exacto do que deveriam ser as preocupações e as prioridades deste
orçamento. A economia já conheceu períodos de progresso acelerado, mas, desde
2000, estagnou. O crescimento é igual a zero. O investimento parece ter
descido a níveis inéditos na história contemporânea. Há um ano que se esperam
sinais de recuperação que não chegam. Quem pretende algo mais do que a mera
revisão ou a lubrificação do arranjo de governo, deve procurar as prioridades
ao crescimento e ao investimento. Será que estão lá? Este orçamento é capaz de
estimular o crescimento económico? De atrair o investimento privado? De
conduzir ao aumento do investimento total? E de diminuir a despesa do Estado?
Se sim, temos governo, temos orçamento e temos futuro. Se não, a lei de meios
servirá tão-só para aguentar a habilidade.
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