quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Sem futuro que valha


«Sem emenda» é o antetítulo  dos artigos de António Barreto, e este, como os mais, contém  a súmula das causas da nossa decadência, a propósito de um orçamento que teima em permanecer envolto em neblina, no meio da preocupação  geral, sabendo quanto ele tem de obedecer às chantagens dos parceiros de uma coligação que não olha a meios para obter os seus fins, monocordicamente ruidosa e papagueadora das suas convicções da unilateralidade  altruística. António Barreto é um homem sério, que põe os pontos nos ii, mas esse antetítulo “sem emenda” serve perfeitamente o seu cepticismo a respeito  dos muitos erros sem emenda da nossa governação no longo período que abrange o passado de ditadura, até ao presente, de ditadura também, mascarada artificialmente de democracia. Ao menos a anterior, de há quarenta e alguns anos, preservava uma classe média, para a qual iam trepando os que labutavam na esperança de uma melhoria de  vida. É isso que sempre me causa impressão, naqueles que, rugindo ou mais serenos, como António Barreto – o que não é menos desfeiteador - apontam o extremo empobrecimento a que a ditadura de Salazar conduziu o país, ignorando todas as misérias sociais que advinham da primeira República e que Salazar teria que refazer, com mão de ferro, para obstar à anarquia e ao endividamento externo. O que é certo, é que conduziu a sua política do “orgulhosamente sós” tendo em vista uma mãe pátria que amou e defendeu, enquanto na sombra se trabalhava para a destruir, até mesmo os que se souberam alicerçar economicamente, nem sempre com o escrúpulo da honestidade, mas indiscutivelmente com a eficiência do trabalho. Porque trabalho havia, e segurança. O 25 de Abril trouxe o esbanjamento, a começar pelos que se souberam alcandorar nos postos cimeiros da governação, e em breve se seguiria a dilapidação e os sucessivos empréstimos da nossa incontinência e incompetência para conduzir a arca baloiçante sobre as águas estagnadas do nosso charco. O que é certo é que se empobreceu espiritualmente sob muitos aspectos, com as várias mudanças da Educação que admitiram a anarquia, a passagem a anos seguintes de alunos impreparados, reprovados em várias disciplinas, mas admitidos, a fazer prever uma sociedade futura de incompetentes e inertes, provavelmente já por conta do avassalamento da robotização que retirará ao homem a possibilidade de emprego. Já nos nossos tempos assistimos a tal, e aterra-nos pensar nesse futuro de inércia para os nossos descendentes embora muitas outras nações trabalhem e progridam. Nós só progredimos com o dinheiro alheio, que esbanjámos em construção e ordenamento territorial mas desleixámos na competência industrial e agrícola, facilitando a corrupção que atinge as próprias estruturas jurídicas. O defeito, pois, está em todos nós, que não temos “emenda”, como muito bem explicita António Barreto,  que não se refere apenas aos dos "arcos das governações".

O orçamento e o futuro
António Barreto
DN- 9/10/16-- «Sem Emenda»
A Educação gasta a mais e progride pouco. Depois de uma enorme expansão quantitativa, a educação melhorou apenas lentamente, mau grado uma enorme fatia do orçamento,

Dentro de uma semana começaremos a saber se as políticas públicas se destinam a manter a coligação ou se já têm em vista objectivos de médio e longo prazo. Os critérios para avaliar este orçamento e as suas escolhas não deveriam ser a chantagem dos parceiros, nem o grau de satisfação de cada um deles. Nem a maneira como o governo se consegue manter. Deveriam ser, isso sim, as opções capazes de promover o crescimento económico e desenvolver a sociedade.
Portugal vive, há quase duas décadas, em clima de estagnação. Alguns dos factores de decadência são antigos, inelutáveis e ultrapassados. Mas há outros que estão aí à espera de cuidado, tratamento e reforma.
Entre os primeiros, contam-se a globalização, as crises internacionais, as políticas europeias e o euro, mas também são responsáveis por alguns progressos recentes. De qualquer maneira, não parece haver muito a fazer, no curto prazo e isoladamente, contra fenómenos como a globalização! Se tiver aliados poderosos, Portugal apenas poderá influenciar a seu favor alguns dos factores internacionais.
Além desses, há factores de decadência contra os quais já não vale a pena lutar. A ditadura, pela sua natureza e pela duração, atrasou Portugal. A guerra colonial também. A revolução e a contra-revolução fizeram o país perder tempo. A nacionalização das empresas e respectiva reprivatização adiaram a economia. Uma Constituição despótica atrasou a sociedade, depois de ter salvado a democracia. Os partidos políticos que temos adiaram o progresso e protelaram a política.
A Educação gasta a mais e progride pouco. Depois de uma enorme expansão quantitativa, a educação melhorou apenas lentamente, mau grado uma enorme fatia do orçamento. E não se consegue encontrar uma via estável de desenvolvimento. Com poderosos recursos financeiros e liberta das polémicas ideológicas da educação, a Saúde melhorou muitíssimo. Hipotecado, o Estado social consolidou-se, mas está em perigo por causa da demografia, do desemprego e da estagnação económica. A Ciência, num mundo aberto e com grandes meios europeus, deu um salto, mas distanciou-se das universidades, o que é erro difícil de corrigir. A Justiça tem sido a eterna chaga da democracia portuguesa. Atrasada, lenta, injusta, burocrática, influenciável, corporativa, orgulhosa e arrogante é seguramente uma das ilustrações do atraso português. A banca portuguesa, depois de duas décadas de inovação e da dinâmica económica, revelou finalmente ineficiência, corrupção, falta de discernimento e actuações de duvidosa honorabilidade. Finalmente, a política demagógica está no cerne da decadência portuguesa actual. A ela se deve o endividamento e a dependência do país. Assim como a estranha persistência da desigualdade.
Uma coisa parece indiscutível: a economia está no centro exacto do que deveriam ser as preocupações e as prioridades deste orçamento. A economia já conheceu períodos de progresso acelerado, mas, desde 2000, estagnou. O crescimento é igual a zero. O investimento parece ter descido a níveis inéditos na história contemporânea. Há um ano que se esperam sinais de recuperação que não chegam. Quem pretende algo mais do que a mera revisão ou a lubrificação do arranjo de governo, deve procurar as prioridades ao crescimento e ao investimento. Será que estão lá? Este orçamento é capaz de estimular o crescimento económico? De atrair o investimento privado? De conduzir ao aumento do investimento total? E de diminuir a despesa do Estado? Se sim, temos governo, temos orçamento e temos futuro. Se não, a lei de meios servirá tão-só para aguentar a habilidade.


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