O
texto do Público já vinha aqui e ali sublinhado pela minha irmã que me fornece
os Públicos, depois de os ler, sublinhando aqui e além, a avisar sobre o
que a marcou, por repúdio ou simpatia. Este visivelmente foi de repúdio, que há
muito sentimos, pela governação de um ditador alcandorado no seu poder de
governante capitalista, que se locupleta e à família e ao seu círculo, e pisa o
povo miserável e passivo, perseguindo os que dele discordam. Mas visivelmente
eu sublinhei mais do que ela, todo o artigo há muito a precisar de
penetrar - mas sem efeito – nas cabeças
dos nossos cultivadores da falsidade histórica, como lhes convinha, a respeito
do colonizador português prepotente e ávido. É essa verdade que
se infiltrou nos esquemas mentais dos bondosos democratas de cá, que nem se
atrevem a condenar a acção desse tal déspota de olhos desleais, a lembrar os de
Putin, ao menos para comparar a sua governação com a dos governos colonialistas
e concluírem que as verdadeiras sevícias são praticadas agora, como já o tinham
sido no tempo do pai da nação Angola, Agostinho Neto, sobre cuja
figura se debruçou Carlos Pacheco, historiador luso-angolano
no livro Agostinho Neto, o Perfil de um Ditador. A História do MPLA em
Carne Viva.
Transpus
seguidamente, da Internet, um passo da notícia sobre o lançamento desse
livro, em 5/7/16, subordinada ao título Uma “obra chocante” para
desacreditar a figura de Neto “como um homem impoluto”
Um livro no banco dos réus: triste espectáculo do MPLA
Carlos Pacheco - Debate Angola
Público, 14/10/16
Hoje
em dia o MPLA como antigo movimento de rebelião que se alçou em armas contra
a “intrusão intolerável” do colonizador para defender os direitos pátrios dos
angolanos pouco se distingue do inimigo colonialista que combateu. Com iguais
tiques de arrogância e poder ergueu uma fronteira cerrada à sua volta e
obstina-se em ser o único porta-voz da linguagem do independentismo e em se
atribuir a si a prerrogativa de posse de todo o conhecimento da história da
luta armada de libertação nacional. Pela ameaça e pela repressão fixou a
preeminência dos seus direitos ao arrepio dos direitos dos outros. Um
espectáculo lamentável que Albert Camus definiria como espectáculo da
“sem-razão” ou do absurdo.
Ancorado
na intolerância e no fanatismo, o Partido sempre perseguiu o hábito de
desqualificar todos quanto pensam de forma diferente; uma espécie de esconjuro
contra o “diabo da ilustração, enquanto “entidade maligna” que simboliza o
perigo de “separar, confundir e espalhar o caos nos espíritos”.
Este
traço no MPLA é tanto mais evidente quando se fala da figura política de Agostinho
Neto. Se um estudioso se aventura a devassar os enigmas ocultos da história
desta organização e traz à luz a dimensão verosímil daquela personagem com o
seu rosto de déspota cruel, logo os “sacerdotes” do Partido atiçam um furacão
de impropérios e atribuem ao “herege” o labéu de sicofanta e demente. Exemplo
paradigmático é o livro por mim publicado recentemente, Agostinho Neto, o
Perfil de um Ditador. A História do MPLA em Carne Viva.
As
palavras do Bureau Político a propósito deste livro são acrimoniosas e chegam a
extrapolar os limites da decência; ferem todos os códigos de civilidade
política e até de convivência humana. Nada disto, porém, é invulgar ou
surpreendente, se se passar em revista a multiplicidade de gestos no MPLA pelos
quais os diversos “Outros” foram sempre desfeiteados e tratados como entidades
perversas que se impunha excluir das políticas identitárias nacionais. A
tradição de levar os contestatários internos do Partido ao pelourinho da
infâmia, da mesma forma que os críticos externos, é antiga na organização. Jamais
se tolerou a independência intelectual ou o exercício do pensamento autónomo e
plural. Na lógica unidimensional do Partido dominante qualquer tentativa de
dessacralizar os dogmas e os mistérios da história oficial é tida por crime de
lesa-Estado; torpedeia-se o estudioso de blasfémia e acusam-no de promover
“campanhas de difamação contra o MPLA” em conluio com poderes externos.
No
meu caso concreto, imputou-se-me o “delito” de incorrer em crenças alheias à
pátria angolana e de ser um saudosista do colonialismo. Mas não bastasse este
alarde agressivo de chauvinismo e autoritarismo, ainda se tentou amortalhar a
obra com a etiqueta abjecta de “insulto ao povo angolano”, como se o MPLA fosse
o detentor da arca mágica da vida ou tivesse a representatividade exclusiva de
falar em nome da totalidade de milhões de homens e mulheres que compõem a
realidade histórica e social de Angola. Se dúvidas houvesse, tal facto vem
provar exuberantemente que no MPLA escasseiam (cada vez mais) pessoas
virtuosas e no seu lugar pululam filisteus, sem nenhuma dignidade
institucional, que olham para o resto do mundo com absoluto desdém. A cultura
amedronta-os, sobretudo o trabalho dos estudiosos independentes. Ler a
declaração do Bureau Político é como ouvir as palavras de Joseph Goebbels, alto
hierarca nazi, que dizia muito cheio de si: “Quando ouço falar em cultura, saco
logo do meu revólver”. Este ponto é muito sério e diante dele é lícito afirmar,
na esteira de Walter Benjamim, que todo “o ideal é perigoso quando se confunde
com o real”.
No imaginário dos militantes do MPLA os dogmas e as catequeses da História têm uma tal força que a realidade pouco vale no confronto com a “verdade” absoluta do Partido. Falar de Agostinho Neto em oposição à ortodoxia oficial, é para os censores desta organização algo que se confunde com a difamação e a injúria. Digamos que se trata de uma ignorância sem paralelo alimentada pela vã soberba de sacralizar todos os actos de Neto, como se o antigo presidente do MPLA, pelo seu estatuto de “líder heróico” e “pai da pátria”, não pudesse ser questionado e nenhum dos seus actos menos exemplares revelados. Ao abrigo desta deificação, sustenta-se todo um catecismo de ideias e um ritual de exaltação e adulação frente aos quais as vozes discordantes são insultadas e lançadas nas fogueiras da abjecção. O equivalente às excomunhões e aos decretos papais que votavam os heterodoxos e os cismáticos ao banimento e à destruição espiritual por considerá-los portadores das marcas de Lucífer.
No imaginário dos militantes do MPLA os dogmas e as catequeses da História têm uma tal força que a realidade pouco vale no confronto com a “verdade” absoluta do Partido. Falar de Agostinho Neto em oposição à ortodoxia oficial, é para os censores desta organização algo que se confunde com a difamação e a injúria. Digamos que se trata de uma ignorância sem paralelo alimentada pela vã soberba de sacralizar todos os actos de Neto, como se o antigo presidente do MPLA, pelo seu estatuto de “líder heróico” e “pai da pátria”, não pudesse ser questionado e nenhum dos seus actos menos exemplares revelados. Ao abrigo desta deificação, sustenta-se todo um catecismo de ideias e um ritual de exaltação e adulação frente aos quais as vozes discordantes são insultadas e lançadas nas fogueiras da abjecção. O equivalente às excomunhões e aos decretos papais que votavam os heterodoxos e os cismáticos ao banimento e à destruição espiritual por considerá-los portadores das marcas de Lucífer.
No
MPLA temem-se as ideias originais. Os guardiões do tempo zelam para que as
portas do passado se mantenham fechadas e apenas se aceita como única
reconstrução do passado libertador a representação do “guerrilheiro
refulgente”, nobre, virtuoso e impoluto a pelejar contra as hordas bárbaras
coloniais sob a direcção grandiosa e sábia de Agostinho Neto.
Com
este sentimento ufanoso e romântico da realidade, os altos escalões directivos
do MPLA são incapazes de encontrar o “registo da fala” para descrever o passado
autêntico da luta armada com os seus incontáveis detalhes incómodos. Habilmente
se socorrem de fluxos retóricos e de narrativas fantásticas para ocultar os
mistérios da sua história. Recusam-se, em suma, a reconhecer que a guerrilha
não empunhou as armas tão-somente para proteger e libertar, mas também para
destruir. Mataram-se camponeses e nesse banho de sangue envolveram-se todas as
facções beligerantes. Matou o MPLA, matou a UNITA, matou a FNLA e matou o
exército português.
Muitos
maquisards se converteram em verdugos ao deixarem de purgar as suas feridas no
combate libertador, os seus rancores foram canalizados para o corpo sofrido das
populações rurais. Isto só foi possível mercê da abominável indiferença dos
altos responsáveis políticos e militares; ou mercê daquilo a que Camus chama de
“nihilismo absoluto” que aceita a “legitimação do assassinato lógico”. Ou
melhor, o assassinato justificado pela luta em si. Os males
estavam lá, todavia nem Agostinho Neto nem a sua equipa se esforçaram por
eliminá-los. Daniel Chipenda (a quem Neto quis fuzilar), pelo contrário, não se
cansou de advertir para a necessidade de se pouparem as populações e a não se
violarem sexualmente as mulheres. Os abusos propagaram-se iguais a uma doença
cancerígena incontrolável. Foi sem dúvida uma estrada sulcada por episódios
arrepiantes. Como diz Luís de Meneses, 3.º conde da Ericeira,
na Historia de Portugal Restaurado “as histórias verdadeiras não se
inventam, contam-se; deve dizer-se o que foi, não o que desejamos que seja”.
Trata-se de um “espelho brutal” diante do qual o MPLA se deve rever sem
tibiezas e sem concessões a teorias vitimológicas.
Outra trágica consequência foi a ferocidade com que se voltaram as armas contra os críticos e os dissidentes, além do veneno do ódio que gotejou no meio dos militantes. Não raras vezes se chegou ao absurdo de se dirimirem a tiro ou por enforcamento pendências pessoais e étnicas num longo processo de guerras sujas intestinas, cujos horrores e crueldades requerem ser devidamente estudados um dia.
Outra trágica consequência foi a ferocidade com que se voltaram as armas contra os críticos e os dissidentes, além do veneno do ódio que gotejou no meio dos militantes. Não raras vezes se chegou ao absurdo de se dirimirem a tiro ou por enforcamento pendências pessoais e étnicas num longo processo de guerras sujas intestinas, cujos horrores e crueldades requerem ser devidamente estudados um dia.
Em
resumo, o Partido-MPLA coloca-se acima das leis, do país e dos cidadãos e
imiscui-se em esferas de actividade que não lhe dizem respeito. Os políticos
devem ocupar-se da política e deixar aos historiadores, literatos e a outros
profissionais de humanidades o exercício do seu mister. Como observa Jesús
Silva-Herzog Márquez, ensaísta mexicano, “todo o despotismo aspira a ser um
regimento de palavras”.
Ora
o discurso da mais alta instância do MPLA é também um regimento de palavras, só
que de palavras burlescas e sobranceiras, próprias de quem detém a vara do
mando há muito tempo e abusa dela em demonstrações políticas de desprezo e
descortesia. Fui condenado em praça pública de modo injusto e
tirânico sem que os meus juízes tivessem, ao menos, o cuidado de ler o meu
livro com escrúpulo e espírito hermenêutico segundo a história. Ao invés, numa
exibição de proselitismo exacerbado, tiraram conclusões apressadas a partir de
fragmentos saídos na comunicação social. Esqueceram-se esses “juízes”
partidários que as leis fundamentais da República são civis e o Bureau Político
ou qualquer outro órgão superior de direcção, incluindo o mais alto
representante do aparelho de Estado, se subordinam a tais instrumentos
jurídicos. O Partido não impera sobre as leis, tal como imperavam os reis nos
sistemas monárquicos absolutos.De acordo com o princípio constitucional da
dignidade, as leis prescrevem que todo o cidadão é credor do respeito
incondicional à sua dignidade e que este princípio é concretizado no direito à
identidade, mas acima de tudo no direito ao bom nome. Ao usar de termos
iníquos, o Bureau Político arbitrariamente calcou todos os pressupostos e
consequências que dão substância a esta matéria jurídica. Historiador angolano
Notícia
(Público, 6/7/16)
O historiador luso-angolano
Carlos Pacheco apresentou ontem Agostinho
Neto – O perfil de um ditador. A História do MPLA em carne viva - no
arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, num evento que contou com protestos,
ânimos exaltados e até uma falsa ameaça de bomba.
Cerca
de 100 pessoas estiveram presentes no lançamento, entre as quais Adolfo Maria,
Alexandra Simeão, Zezé Gamboa e mais de 20 jovens que em protesto contra o
título do livro vestiram t-shirts com a imagem do primeiro
presidente angolano e a frase: “Agostinho Neto, pai da nação”.
Pacheco
reúne documentos e depoimentos numa obra gigantesca que demorou dez anos a ser
feita. É editada agora em dois volumes, 1471 páginas ao todo, num livro
sobre o primeiro presidente do país e a sua actuação dentro do MPLA, antes e
depois da independência, num esforço para traçar um retrato mais próximo da
realidade e menos sujeita à ofuscação da imagem de mítico líder dada pela
historiografia oficial.
“Entra-se
nesse livro com uma sensação de vertigem”, explica Nuno Pacheco, jornalista e
director adjunto do diário Público,
convidado para apresentar o livro. Carlos Pacheco “traça o perfil do
Agostinho Neto em paralelo com o movimento que chefiou e com a maneira como foi
chefiando ao longo do tempo”.
“Entramos
nesse livro pelos primórdios da luta de libertação, e pelos primórdios também
do nascimento do MPLA, e vamos percebendo pelos vários caminhos, através dos
documentos e dos factos, que as sementes de guerra em que Angola mergulhou
durante 30 anos são muito antigas. As sementes dos ódios, das dissensões, lutas
de fracções, lutas de grupos, prisões, perseguições, tudo isso vinha do
passado. Não apenas no MPLA, existia também na UNITA e na FNLA, mas no MPLA
existia em absoluta contradição com aquilo que eram os seus princípios
programáticos. O que é mais estranho neste livro é ao mesmo tempo vermos a
acção em contraponto com a lógica da propaganda, ou seja, a propaganda apontava
para uma coisa e a acção mostrava outra”, continua o jornalista.
Entre
os milhares de depoimentos, cartas e testemunhos, estão exemplos de situações
que mostram que Agostinho Neto teria “pouco apreço ou ligação ao humanismo”,
diz Nuno Pacheco, ao referir os defeitos do antigo líder citados no livro………….
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