quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Não há como ser-se bom

Chamou-me a atenção o título, que me pareceu de intenção sardónica, e li o texto de Pires de Lima. Na mesma página vinha a entrevista a György Schöpflin, do partido do referido primeiro Ministro húngaro, Viktor Orbán, e copiei-o, visto não aparecer na Internet, no agrado pelas respostas de Schöpflin. Mas na Internet encontrei também esclarecimentos úteis para a percepção do caso, entre nós pouco debatido, absortos que andamos nas intrigas económicas ou nos golos dos clubes, e acrescentei-o ao texto.
Pouco percebo do assunto, a minha reacção é puramente subjectiva, mas como me pareceu tendencioso o artigo de Pires de Lima, servi-me dos outros dois textos para me esclarecer e concordar com Orbán e  Schöpflin. Julgo que é um problema difícil de resolver, a guerra no Médio Oriente não dando sinais de travar, mas Schöpflin tem razão ao afirmar que outros países não europeus poderiam ser receptáculo de migrantes, a pequena Europa não podendo, sozinha, comportar  tais avalanches, de gentes com intenções várias. Transponho o “grito” final do último texto, com plena adesão: "Os migrantes inundam-nos. Não batem à nossa porta, eles afundam-nos".
Mas  não penso como o investigador universitário Bernardo Pires de Lima, que me parece integrar-se na onda optimista de uma esquerda que abre cristãmente os braços a todos os carenciados, porque não tem responsabilidades na luta pela côdea, nem mede as consequências das suas propostas “laracheiras”, de facto sobretudo interessada na difusão do seu verbo monocórdico, de uma solidariedade “para inglês ver” :

Filhos de Putin
Bernardo Pires de Lima, investigador universitário
DN, 2/10/116

Fez agora um ano que a UE aprovou um sistema de quotas para a recolocação de 150 mil refugiados (em 500 milhões de habitantes) que fugiam das guerras civis mediterrânicas. Alguns Estados membros, como a Hungria, a Eslováquia e a Polónia, nunca aceitaram que uma decisão comunitária prevalecesse sobre a sua esfera nacional e foram bloqueando, das formas mais ignóbeis, a concretização dessa medida no terreno. O primeiro paradoxo que salta à vista é este: países que devem a sua democracia e recente prosperidade à integração na União Europeia depois de décadas de jugo totalitário são os que mais desdenham em momentos decisivos como o atual a existência de um centro político coordenador da imigração, trânsito, acolhimento e asilo no espaço comunitário.
Na verdade, estes Estados têm uma visão mais próxima do menu a la carte com que Londres sempre pautou a sua relação com a UE do que de um compromisso sincero com os direitos e deveres de um país com os dois pés dentro. Não é por acaso que é nos países do grande alargamento a leste que se verificam as maiores taxas de abstenção em eleições para o Parlamento Europeu: no fundo, a integração europeia não passou de uma escapatória generosa à pobreza soviética, um porto de abrigo para as elites - muitas delas vindas dos antigos partidos comunistas - e um garante da continuidade da homogeneidade cristã nas suas sociedades. De cada vez que numa qualquer capital europeia um líder brada aos céus que a Europa é fruto exclusivo da herança judaico-cristã e que deve ser preservada a todo o custo - apagando com isso séculos de presença muçulmana -, o senhor Orbán rejubila na cadeira com a garantia de que a pureza magiar não será nunca mesclada. Quando a trupe de cínicos, entre eles Orbán, desfilou nas ruas de Paris depois do ataque ao Charlie Hebdo, o primeiro-ministro húngaro tratou logo de encerrar a questão à boa maneira da mais fina xenofobia política em curso: "Não queremos cá minorias, mas manter a Hungria como Hungria." Infelizmente, não é o único a pensar desta forma.
Já de maneira diferente pensava o jovem Orbán quando a Fundação Soros lhe atribuiu uma bolsa para estudar em Oxford em 1989. Não consta que, minoritário, o húngaro tenha na altura sofrido represálias dos ingleses, massacrado na cara com gás pimenta ou que à volta dos seus aposentos se tenha erguido um muro com arame farpado para que se evitasse o contacto com tal criatura. Orbán é um dos muitos chicos-espertos da política europeia contemporânea que passou de liberal a reacionário por razões táticas, ambição política e enquadramento numa rede protegida, ironia da história, por Moscovo. A "Rússia branca" ou a "Hungria para os húngaros" fazem parte de um programa descarado que pode ter todo o cabimento à luz dos valores do senhor Putin mas devia corar de vergonha qualquer cidadão desta Europa que se desfaz em autoelogios humanistas, cosmopolitas e se vê como a vanguarda universal da defesa do Estado de direito.
Nenhuma das 300 mil crianças que sobreviveram à travessia do Mediterrâneo e bateram às portas da UE em 2015 vislumbrou qualquer defesa do Estado de direito, respeito pelas convenções internacionais de direitos das crianças ou do estatuto dos refugiados ratificado por todos os Estados membros. Nesta matéria, se a montante a UE é um desastre na antecipação das crises que a assolaram e um fiasco na coordenação mínima, a jusante é ela própria um elemento de desrespeito jurídico. Os Orbáns desta vida só têm margem política para atuar porque ela lhe é generosamente concedida. Vale a pena recordar isto: mesmo violando os tratados (como muito bem disse em tempos o ministro dos negócios estrangeiros luxemburguês), nunca o Conselho Europeu ousou deixar de fora das suas reuniões o primeiro-ministro húngaro, mas, quando o brexit caiu como uma bomba em Bruxelas, a primeira decisão do conselho foi barrar a entrada a David Cameron. Se hoje Orbán faz o que quer da UE, tal segundo por exemplo Erdogan, à UE o deve.
E assim chegámos ao referendo húngaro. À parte as dúvidas sobre a constitucionalidade da pergunta, parece claro que, mais do que legitimar o travão aos refugiados e às quotas acordadas em Bruxelas, Orbán quer alcançar dois objetivos: que chegam à Hungria do maior número de zeros. E que não seja posta em causa a livre circulação dos húngaros, dos seus capitais e mercadorias, de forma a que outros, como Orbán, possam ir tranquilamente estudar para Oxford, trabalhar em Paris ou comprar um automóvel a Munique.
Mesmo que não atinja os 50% de participação para ser juridicamente vinculativo, este referendo já atingiu o seu objetivo: dar continuidade, por outros meios e vozes, ao primeiro, garantir a continuidade de maiorias absolutas com o voto útil dos eleitores da extrema-direita do Jobbik; segundo, ser o timoneiro continental da estratégia de renacionalização de praticamente todas as políticas europeias, à exceção das únicas que lhe interessam. E quais são elas? Que todos, sobretudo os mais ricos, continuem a financiar o orçamento comunitário e a dotar os fundos desmembramento iniciado com o brexit. O Kremlin e, quem sabe, Donald Trump não deixarão de prestar a devida homenagem a Orbán.

Entrevista: György Schöpflin
DN  2/10
- Não terá a Europa obrigação de ajudar quem foge à guerra?
- Não tenho problema em dar asilo a quem genuinamente está à procura de asilo, mas para os migrantes económicos a resposta é não. A Europa não tem obrigação de acolher aqueles que vêm para cá apenas porque penam que vão ter uma vida melhor.
- Pensa que esses são a maioria?
- São dois terços.
-Como deve a Europa lidar com a crise migratória?
- Cada vez mais gente concorda que é preciso lidar com o problema não na Europa mas sim na origem, no Médio Oriente e na África subsariana.
- O que pode ser feito?
- Muito pouco. A solução passa pelo crescimento económico e isso só é possível com melhores governos.
- Se há pouco que se possa fazer, devemos então cruzar os braços e deixar que as pessoas morram?
- Não há nenhuma razão para que tenham de morrer. Devem ser desencorajados a vir. Ninguém está a forçar ninguém a atravessar o Sara. Ninguém está a forçar ninguém a atravessar o Mediterrâneo.
- Estão a fugir de guerras e de condições de vida insuportáveis.
- Por favor, isso não é verdade. Querem é melhores condições económicas. Os que vêm da Síria, sim estão a fugir da guerra, masd aqueles que vê da África definitivamente não estão a fugir da guerra.
- Imaginemos que estão a fugir de condições económicas desumanas.
- Isso faz que sejam migrantes económicos e não rwefugiados. E, já agora, porquê apenas a Europa?
- Os EUA e o Canadá, por exemplo, já receberam muitos refugiados,
- Sim, alguns. Mas quantos recebeu o Brasil? Zero. Esse é um problema globalque não pode ser resolvido ó pela Europa. Quantos refugiados sírios foram recebidos pela Arábia Saudita? Mais uma vez: zero.
- Talvez a Arábia Saudita não seja o local mais seguro…
-Será pelo menos mais seguro do que a Síria. Além disso, são muçulmanos e lá sentir-se-iam em casa.
- Viktor Orbán tem sido acusado de políticas xenófobas e racistas. Como comenta?
- São palavras vazias usadas pelos liberais quando não têm mais nada para dizer, É uma forma de acabar um debate ou uma discussão.
- Dizer que temos de preservar a Europa para os europeus é, de certa forma, um comentário racista, ou não?
- Não. De todo. Porquê?
- A Europa sempre foi um espaço que recebeu pessoas vindas de todos os lados.
- Os portugueses ficaram muito contentes com a conquista dos mourosd?
- Isso já foi há alguns séculos…
- Estava a falar-me da história da Europa e eu estou a dar-lhe história da Europa. Posso também dizer-lhe que a Hungria não gpostou da invasão do império otomano. Sim, sempre houve migração, mas há valores europeus que são muito importantes para a Europa. Afirmar isto não é racismo.
- Esses valores ficam em risco com a chegada de mais refugiados?
-Claro que sim.Já esteve em Bradford na Inglaterra? Há zonas onde houve uma limpeza étnica, onde praticamente só podem viver descendentes de paquistaneses.. não há integração na sociedade e não vejo que contribuam para os valores europeus, como a tolerância.
- Em Portugal as comunidades estrangeiras estão bem integradas.
- Parabéns. E então? A questão está na massa crítica. Quando um grupo particular de migrantes atinge determinada dimensão eles não irão integrar-se porque não têm incentivos para o fazer.
- Define-se como europeísta?
- Como um europeísta moderado.

O contexto:
(Excerto da Internet )
Quem tem uma visão totalmente contrária é György Schöpflin, eleito para o Parlamento Europeu nas listas do partido do governo. Integrado na bancada do Partido Popular Europeu - a mesma onde se sentam os deputados da CDU de Angela Merkel - Schöpflin defende que "a UE não tem poderes para impor quotas".
Têm sido muitas as declarações de Orbán sobre a questão dos refugiados a criar controvérsia e mal-estar no seio da União Europeia. "A Hungria não precisa de um único migrante para ajudar a economia. Quem os quiser que fique com eles. Para nós a migração não é uma solução para um problema, mas sim um veneno que não queremos engolir. Cada migrante implica um risco em matéria de segurança e terrorismo", afirmou o primeiro-ministro, em julho, numa conferência de imprensa em Budapeste.
Em total antagonismo com Orbán estão os eurodeputados dos partidos da oposição que falaram com o DN. "Este comportamento é um mau exemplo para toda a Europa. O terrorismo não é uma consequência das migrações. A maioria dos refugiados estão a fugir dos mesmos grupos terroristas que atacam na Europa", defende Benedek Jávor. "Qualquer país desenvolvido tem a responsabilidade de ajudar aqueles que enfrentam a guerra, a morte e outras coisas terríveis. Nós, húngaros, também fomos refugiados em 1956 quando os tanques soviéticos invadiram Budapeste. Mais de 200 mil fugiram do país e foram bem recebidos no Ocidente. Isto é algo que nunca devemos esquecer", acrescenta Molnár.
Desde que regressou ao governo em 2010 (já ocupara o cargo de primeiro-ministro entre 1998 e 2002), Orbán tem sido uma constante dor de cabeça para a União Europeia. Em maio de 2015, em Riga, o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker, na receção aos líderes europeus que iam participar na cimeira, saudou o primeiro-ministro húngaro com um afável e sorridente "olá, ditador".
Ao garantir mais de dois terços do Parlamento, Orbán viu-se legitimado - e com uma maioria suficiente - para levar a cabo várias alterações legislativas e constitucionais consideradas pouco democráticas pela Europa. Uma das mudanças mais polémicas foi a criação de um observatório da comunicação social com poder para aplicar multas pela publicação de conteúdos "politicamente pouco equilibrados".
No início da crise de refugiados, Orbán referiu-se à questão como "um problema da Alemanha", insistindo que "os húngaros têm o direito de não querer viver ao lado de largas comunidades muçulmanas". Uma visão que o levou a levantar uma barreira de arame farpado ao longo dos 175 quilómetros de fronteira com a Sérvia. Outro dos momentos em que também desafiou a UE foi quando criticou a imposição de sanções à Rússia na sequência da anexação da Crimeia.
"Infelizmente as acusações de xenofobia e racismo aplicadas a Orbán não são infundadas", lamenta Molnár. Já para Schöpflin, trata-se de "um excelente político, que pensa muito bem e que tem uma visão da Europa contrária à hegemonia liberal dos nossos dias".

Hoje a Hungria está dividida entre o "sim" e o "não".


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