Mais uma análise desiludida sobre
o volver à esquerda ou à direita, não inócuo como o de antigamente, ordenado
pelos professores de ginástica aos alunos em fila, ou pelos graduados aos seus soldados,
nos exercícios de marcha, que não dispensavam, todavia, as saudações de pala ou
de braço estendido, onde os mais desenvoltos ideologicamente poderiam descortinar
humilhantes formas de opressão, pela distinção
social que eles, naturalmente, abominavam, conhecedores da cartilha e
desprezadores da bandeira.
António Barreto lhes dá o
significado da metáfora política actual - não o da imposição sumária de outrora - para as descrever na desilusão de um
confronto que se pretenderia ideológico mas que entre nós descamba nos ódios e
exaltações sem bom senso, veiculados sobretudo por uma esquerda, afinal ,
subserviente no seu fanatismo de
tropelia e inversão de valores.
Assim, uma medida política instituída,
em princípio, para o bem comum, será encarada com aceitação ou parti pris,
conforme a sua autoria e o partido que a define – odiosa para a direita, se for
da esquerda, para a esquerda se for da direita, apenas com o fanatismo de um
posicionamento sem estudo, como nos meneios sentimentalóides e irracionais da
apologia clubística:
«Quase já não há matérias em que a
esquerda e a direita democráticas sejam capazes de, sem trauma, estar de
acordo. Quase já não há valores comuns. Com esta divisão exclusiva, toda a
esquerda deixa de ser democrática para a direita e vice-versa.», afirma António Barreto, na desilusão da sua fé de outrora. O que me parece, é que os sindicatos têm grave
responsabilidade nesta acefalia generalizada.
Esquerda, direita e vice-versa
António Barreto
D.N, 3/10/16
Está aberto um novo ciclo político. Como já houve noutros
tempos, de má memória, antes e depois do 25 de Abril. São tempos de fanatismo.
De exclusão. De afrontamento sem tréguas. São tempos de esquerda contra a
direita, que geram tempos de direita contra a esquerda. Há quem goste. Há quem
considere que essa é a grande política, o regresso da política e outras
banalidades. Mas sabemos que não é verdade. Com o país assim dividido,
perdem-se meios de acção e oportunidades de compromisso e de cooperação.
Há com certeza esquerda e direita. Em muitas coisas, são
diversos e querem coisas diferentes. Mas há muito mais. O país e a política não se resumem a isso. Há a
cultura, a nação, a religião, a etnia, a região, a idade, a arte, a ciência, o
trabalho, o desporto, o amor, boa parte da economia, a educação, a saúde, o
património e muito mais onde esquerda e direita não têm qualquer espécie de
importância, podem até ser nefastos.
O que nestes tempos de fanatismo marca a diferença entre
esquerda e direita é o autor. O que a direita faz é de direita. O que a
esquerda faz, de esquerda é. A autoria marca o conteúdo, não o contrário.
É o estilo dos déspotas. A mesma coisa, feita por alguém de esquerda ou de
direita, é de esquerda ou de direita. Austeridade,
poupança, frugalidade ou rigor: se os responsáveis forem de esquerda, é de
esquerda. Se forem de direita, é de direita. Medidas da responsabilidade de
partidos da direita são fogo para a esquerda, devem ser condenadas e
consideradas roubo. Se postas em prática por gente de esquerda, são detestáveis
para a direita e consideradas assalto.
Diminuição das garantias, redução das liberdades
individuais, restrição de direitos, violação do segredo bancário e do sigilo de
correspondência: estes gestos têm duas interpretações. Feitos pela esquerda, de
esquerda são, festejados pelas esquerdas e repudiados pelas direitas. Feitos
pelas direitas, de direita são, aplaudidos pelas direitas e vilipendiados pelas
esquerdas. Gastos com a
defesa, despesa com a segurança e equipamentos para as polícias: conforme o
governo, assim estes orçamentos serão de esquerda ou de direita, apoiados pela
tribo apoiante, condenados pela tribo oposta.
Negócios com capitalistas, entendimentos com
multinacionais, favores a empreiteiros, incentivos a investidores, projectos de
equipamento e parcerias: são
empreendimentos de esquerda ou de direita, conforme os governos que as fazem,
não conforme os méritos da obra.
Corrupção, crime e delinquência: é muito fácil, perante
uma qualquer destas realidades, verificar que esquerdas e direitas se comportam
de modo simétrico. Simpatizam, toleram ou condenam consoante o autor. As
políticas e as medidas contra o terrorismo e a violência têm o mesmo destino:
se vierem da esquerda, são de esquerda, aplaudidas pela esquerda e condenadas
pela direita. Se vierem da direita, são de direita, festejadas pela direita e
opostas pela esquerda.
Quase já não há matérias em que a esquerda e a direita
democráticas sejam capazes de, sem
trauma, estar de acordo. Quase já não há valores comuns. Com
esta divisão exclusiva, toda a esquerda deixa de ser democrática para a direita
e vice-versa. Nos debates parlamentares, já se fala de esquerda e de
direita como se fossem pestes ou pragas sem salvação.
É natural que haja "paz social", isto é,
ausência de greves, enquanto os sindicatos de esquerda tenham acesso ao poder e
os partidos de esquerda possam frequentar os corredores do governo. Também é natural que haja "clima
optimista" para os negócios, enquanto os patrões tenham fácil contacto com
os governantes e os partidos da direita sejam bem-vindos nas antecâmaras dos
ministérios. Tudo isso é natural e faz parte do jogo político.
Infelizmente.
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