A cada um retomar o seu respectivo lugar na paleta do
mundo, sem estar sempre à espera de que seja ela a aparar os golpes das
ambições de muitos, que vão construindo a sua bem-aventurança à custa do amparo
que lhe vem do outro lado do mar, do continente posto ali para vir em socorro
do continente que um dia o encontrou por engano, e que nele semeou ambições e
cálculos de um poderio inextinguível. E foi assim que os EU se comprometeram a
defender o mundo do domínio comunista primeiro, sacrificando as suas tropas lá
na Ásia, já depois de as sacrificar cá na Europa e posteriormente intervindo no
Médio-Oriente, mas creio que também por interesse próprio, por via dos
petróleos que lhe reforçam os poderes, com que vão contaminando o mundo, numa
poluição de que não arredam pé. Vasco Pulido Valente, com os dados realistas da
sua análise histórica, apoiado pela escrita justiceira de António Barreto, que
vai na mesma via de uma moral de justiça e reposição de responsabilidades,
explica como Donald Trump está cansado desse leite que fornecem os seus, numa
teta que ele está em vias de nos retirar, achando que chegou a altura de deixar
que cada um se afunde sozinho, já que uma Europa de democracia pretende amparar
toda a gente, por caridade cristã, tendo começado por se unir economicamente -
o que nos foi útil a nós, portugueses, é certo, com esse maná que nos permitiu
traçar estradas e engenhos eólicos e reforçar verbas nos nossos bolsos, mas de
uma forma bastante imprudente.
É por tudo isso que também a nós, portugueses, compete
ter mais sensatez nessa questão dos empréstimos e não acreditar tanto no
levantamento do libelo que nos acusa de lixo, levantamento que tanto fez
António Costa pavonear-se, mas parece que não há motivo para tal. Sobretudo se
Donald Trump nos tirar a todos o tapete, como informa a escrita histórico-moralista
de V. P. V. e a moralista-histórica de A. B.
Nossa Senhora de Fátima rogará por nós, como prometeu.
Oremos.
Diário de Vasco Pulido Valente
Surpresas
OBSERVADOR, 28/5/2017
… hopes expire of a low dishonest decade… (W. H.
Auden)
Manuela
Ferreira Leite e o nosso muito querido Marcelo, como toda a gente, não vêem
obstáculos à próxima regeneração da Pátria, a não ser que venha por aí uma
grande surpresa. Com certeza não repararam ainda na existência e no
carácter político do Presidente Trump. Trump, para o público
bem-pensante, não passa de um objecto de ódio. Mas sucede que ele é
também, e com mais consequência, o representante do isolacionismo que, depois
de quase 80 anos, voltou a dominar a América. Como a Inglaterra, no fim
do século XIX, princípio do século XX, a América acabou por se cansar do papel
de polícia do mundo, que de facto carrega desde 1941. Ainda com tropas em 17
países, está farta de guerras e de gastar dinheiro com elas. O que Trump disse
em Bruxelas na inauguração do edifício da NATO (que custou mais de mil milhões)
é uma clara afirmação disso mesmo. Com a sua costumada brutalidade, o homem
avisou a União Europeia que tinha de pagar a sua parte na defesa comum, que 23
dos seus 28 membros não pagam, e as dívidas acumuladas no passado recente, que,
segundo parece, são enormes. E para esclarecer melhor onde queria chegar não
invocou, como era tradicional, o artigo 5 do tratado da Aliança Atlântica, pelo
qual a América estende a sua protecção à Europa dita Ocidental. Os
senhores da UE, que se fundou e cresceu ao abrigo desse guarda-chuva, não
ficaram contentes. Para começar, irão ter de investir 2 por cento do PIB em
armamento e, a prazo, sobre eles paira a ameaça, que Trump deixou implícita, da
completa anulação das responsabilidades americanas nos assuntos da UE, que ele
considera irresponsável e parasitária. A referência ao expansionismo de
Putin como que dava a entender que a Europa devia tratar dele sozinha; enquanto
a América trataria do equilíbrio entre as grandes potências. Ora, se assim
for, a Europa, que não é manifestamente uma grande potência, cai de novo no seu
antigo problema: como evitar a hegemonia alemã? Ou mesmo, a leste, a hegemonia
russa?
Mais
do que isto, que não é pouco, os murmúrios sobre os “excedentes” da Alemanha
e a inquietação sobre a política comercial de Trump – outro sintoma do
isolacionismo – provocaram uma imprevisibilidade universal pouco favorável ao
investimento. Só os mestres do optimismo português andam descansados.
………………..
A
Gala da SIC, além do vexame para a humanidade que sempre foi, teve
um ar póstumo, com nomes gastos, graçolas sem graça, e o velho Balsemão
consolado no banho de sabujice de que ele tanto gosta. Mas, desta vez, trouxe
uma novidade. A tribo que a si própria se chama “indústria do entretenimento”
ou até “cultura” queixou-se muito da avareza do Estado: das fatias que lhe
cortaram no orçamento; do fim de teatros que inexplicavelmente se descrevem
como “independentes” (e que, de facto, só são independentes do público);
do cinema que não se fez (e não fez falta a ninguém); e de
maneira geral da “lei seca” a que a submeteram.
O
dr. António Costa, que a tribo miseravelmente rondou em 2015, está de parabéns.
Quem deve teme
António Barreto
DN, 28/5/17
Há
quem faça disso um programa político: viver à custa dos outros! A defesa é paga
pela América. As dívidas serão pagas pelos credores. Os investimentos pelos
europeus. Os estrangeiros que paguem a nossa protecção
Nas
vésperas da cimeira da NATO em Bruxelas, o ministro da Defesa português prestou
declarações às televisões. Não terão sido esclarecimentos formais, em ocasião
oficial, mas o tom é elucidativo. Confirmou o ministro, com um sorriso de
boa-fé, que era verdade que Portugal não cumpria os seus deveres para a
segurança colectiva, nem sequer o compromisso mínimo estabelecido para a
despesa com a defesa nacional, que é de 2% do PIB. Mas disse também que era
preciso considerar a nossa contribuição qualitativa! Esta última é um mistério.
As ilhas atlânticas? O mar? As praias? Algo que seja só nosso e mais ninguém
tenha? Ou um jeito português especial?
Dos
28 membros da NATO, apenas cinco cumprem: Estados Unidos, Grã-Bretanha,
Polónia, Estónia e Grécia. Todos os outros ficam abaixo dos 2%. Como
Portugal, com 1,3%. Menção especial para a França, com 1,7%, a Alemanha
1,2%, a Itália 1,1% e a Espanha 0,9%!
Infelizmente,
Donald Trump tem razão. Diz ele que os Estados Unidos não estão dispostos a
pagar pelos outros sem que estes cumpram os seus compromissos. E ameaça os
europeus. Não se sabe bem de quê, mas deve querer dizer coisa má. O problema é
que, neste caso, está certo. Cada país membro da NATO tem de pagar pela sua
defesa. A maior parte não paga os 2%. Preferem gastar com coisas mais
agradáveis e entregar-se à protecção do poderio americano. A ideia é
simples: tudo quanto ameaça a Europa ameaça também os americanos. Como estes
são mais fortes e mais ricos, eles que se ocupem disso. E nem sequer a União
tem uma política própria de defesa, muito menos uma capacidade autónoma.
Pode
ainda recordar-se que, há quase vinte anos, a maioria dos partidos parlamentares
(se bem me lembro, a única reserva foi do PCP...) acabou com o serviço militar
obrigatório. Sem mais. Sem qualquer espécie de ideia sobre o que poderia ser
uma contrapartida civil ou de solidariedade. Na verdade, foi a boa demagogia da
facilidade e as velhas juventudes partidárias que forçaram a decisão!
Mas a ideia estava dada: não se gasta com a defesa, há coisas mais importantes.
E, de qualquer maneira, a NATO e os americanos estão aí para nos proteger.
Há
actividades assim, em que alguém paga, alimenta ou mantém outrem! Eis uma
relação que tem tradicionalmente um nome bem feio... E que se aplica às
relações entre americanos e europeus na área da defesa.
Portugal
não é um caso raro nem pior do que os outros. Há mais de vinte países da NATO
que não respeitam os compromissos nem cumprem as suas obrigações. Dependem dos
Estados Unidos. Até ao dia em que Donald Trump lhes dirá: "Não pagam pela
vossa segurança? Então deixaremos nós de pagar. Ou não garantimos a vossa
liberdade. Ou então exigimos contrapartidas políticas!" Nesse dia, toda a
Europa, com excepção da Grã-Bretanha e pouco mais, se elevará contra a
prepotência imperialista americana.
Esta
atitude não está isolada. Faz lembrar a de tantos que entendem que os credores
devem obedecer aos devedores e que aqueles a quem devemos dinheiro têm de fazer
o que queremos e aceitar as nossas condições. Há quem faça disso um programa
político: viver à custa dos outros! A defesa é paga pela América. As dívidas
serão pagas pelos credores. Os investimentos pelos europeus. Os estrangeiros
que paguem a nossa protecção. Devem também pagar os juros e as dívidas, assim
como aceitar a renegociação e o perdão da dívida. E devem subsidiar o
desenvolvimento. Há mesmo quem queira obrigar os estrangeiros a pagar pela
educação em Portugal, dado que depois se aproveitam dos emigrantes portugueses,
cuja formação foi paga pelo país. É tão conveniente ter o nosso patriotismo
pago por outros! E a independência subsidiada!
Os
povos e os Estados têm o direito de não pagar a defesa nem as Forças Armadas.
Como têm o direito de pedir emprestado a fim de financiar os seus investimentos.
Não têm é o direito de exigir que outros os defendam, que outros paguem os
seus militares e que outros arrisquem a vida em sua defesa. Nem têm
legitimidade para exigir que lhes paguem ou perdoem as dívidas. Em poucas
palavras: não têm o direito de viver às custas dos outros, ao mesmo tempo que
reclamam a independência e o direito a serem tratados como iguais. Até porque
não são iguais. Nem independentes.
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