E faz tem-tem, António Costa. E
sobe e desce, respectivamente, o positivo e o negativo. Sintagmas, pronomes,
advérbios, verbos, conjunções, numa roda-viva, em espécie de discurso indirecto
livre, na dobadoira dialogante que para eles foi fabricada, de muito pormenor
andarilho, que o estilo repetitivo, e simultaneamente conciso e perfurante, acentua.
Um homem preocupado, que nos vai alertando. Com indignação e saber.
Julgo que repus os textos. Falta-me
o de 14/5, que não encontro. E as fotografias expressivas, com os respectivos
apoios comentaristas de tanto interesse, que não transcrevo, atida ao essencial
que estamos vivendo. E Viva Portugal!
Sem emenda
Súplica ao Senhor dos Aflitos
António Barreto
OBSERVADOR, 21/5/17
São dias fastos. O défice abaixo de 1,4%! E a baixar... O
crescimento a 2,4%! E a subir... O Presidente Marcelo já fala de
3,2%... A sorrir... O desemprego a 10%! A diminuir... O
consumo privado a subir. Muito pouco, mas a subir... A
poupança a subir. Pouco, mas para cima. O investimento a
dar sinais. Poucos, mas bons... Os fundos europeus a chegar. Muitos
e a aumentar... O turismo a subir. Muitíssimo... As
exportações a subir. Sempre... Só a dívida não mexe...
O Presidente Marcelo, o primeiro-ministro Costa e o
governo têm feito tudo o que podem para aproveitar a oportunidade boa
conselheira e o vento favorável. E têm conseguido. Com alguns proventos que herdaram do governo
anterior. Com a paz social, obra e graça dos sindicatos. Com a benevolência dos
empresários, cansados de apertos. Com o clima geral económico de feição. Com os
auspícios da Europa e do Ocidente. Com uma inédita conjuntura turística que
ainda pode durar mais uns anos. Com uma coragem excepcional dos exportadores.
Com a mudança de atitude europeia relativamente aos países do Sul, aos devedores
e aos mais atrasados. Não estava escrito no céu, era possível não
aproveitar os faustos. O mérito do governo é o de saber estar no sítio
certo. E o do equilíbrio entre compaixão e austeridade.
Costa é muito hábil. Sim. Habilidoso. Sim, também. Sabe
tudo de manhas e artimanhas. Sabe. É pragmático. É. Trata
sem dogmas e resolve sem ideologia. Sim. Não perde tempo com o
acessório. Não. O importante é manter-se. Sim. Tem
enorme capacidade de negociar tudo. Tem. Pode durar mais do que
se pensa. Pode. Tem sorte. Muita. Está a ser
ajudado pelo mundo e pela Europa. Sim. Todos ajudam, a economia,
a reacção a Trump, a derrota de Hollande, o receio de Merkel e as ameaças de
Putin. Os comunistas estão por tudo. Estão. Sabem que é a sua
última oportunidade. Sabem.
Vivemos aquele momento estranho que vem descrito nas
teorias dos jogos. O PS quer ganhar e dispensar os dois outros. Os dois outros
querem mostrar que são indispensáveis, mas desejam impedir que o PS ganhe com
maioria absoluta. Se o PS ganhar, os dois outros podem ir para a rua. Ou ficar
cortesmente lá, sem uso nem força. Ninguém sabe, nem PS nem os dois outros, quem bate com a porta, quem deve
sair a correr ou ser corrido. Quem fica com as culpas e quem
ganha. Quem ganha a perder ou perde a ganhar. Mas até
2020 alguém vai perder... Esperemos que não sejam os portugueses.
Há um clima favorável. Que é sempre o mais importante. É o bom clima que gera
a confiança. Para isso, contribuíram os portugueses e os estrangeiros, os
empresários e os trabalhadores, a economia europeia e as autoridades
portuguesas, a União Europeia e o governo português. É possível,
perfeitamente possível, que tenhamos iniciado um período de retoma, de
recuperação económica e de crescimento, a par de outros vividos aquando das
crises do petróleo, da crise da revolução e das crises dos dois resgates dos
anos setenta e oitenta. É possível. Depois do que sofreu,
entristeceu e empobreceu durante quase vinte anos, é essencial este pobre país
reconciliar-se consigo próprio. Seria ainda mais importante que, após
três ou quatro anos de recuperação e restauro de forças, tivéssemos alguma
esperança em que tudo não recomeçaria depois, mais uma vez...
Esta é uma prece ao Senhor dos Aflitos. Uma súplica para que os nossos
dirigentes políticos não estraguem tudo outra vez, para que não
abram desalmadamente os cofres, para que não voltem a meter ao
bolso, para que não gastem o que não têm, para que não construam túneis e
viadutos, para que não desperdicem como novos-ricos, para
que não façam mais parcerias ruinosas em que os privados ficam com os
lucros e o público com o prejuízo, para que não autorizem swaps, para
que não voltem a recrutar dezenas de milhares de funcionários públicos, para
que não aumentem salários acima do razoável, para que não
voltem a bater nos pobres, para que não dêem aos ricos o que eles
não precisam, para que não continuem a pensar que se pode viver
eternamente com dívidas, para que parem de pensar que os credores
têm a obrigação de socorrer os devedores, para que dêem espaço e
liberdade aos empresários e para que não voltem a viver como se não
tivessem filhos.
Sem emenda
Os sonsos e os vilões
António Barreto
OBSERVADOR, 7/5/2017
A política e a atitude deste governo, relativamente ao
sistema financeiro, aos "casos" aflitivos, ao BES, ao Novo Banco, à
Caixa, ao Banif e ao Montepio, são parecidas, talvez mesmo iguais, à do
anterior governo: não é
nada com eles! É com o Banco de Portugal, com o Banco Central Europeu,
com a Comissão Europeia, com quem quiserem e sobretudo com o anterior governo,
menos com eles!
Já soubemos, por testemunho directo e presencial, que
o assunto nunca foi discutido seriamente no Conselho de Ministros anterior,
tudo levando a crer que o mesmo esteja a acontecer no actual. É simplesmente
inimaginável! O mais sério problema não é discutido no governo, nem é
agendado para Conselho de Ministros! A situação financeira, o futuro do Banco
de Portugal, o endividamento, o destino a dar aos principais bancos e a nova
configuração da banca portuguesa... Tudo isso é matéria que escapa ao governo.
São assuntos sobre os quais os últimos governos não têm ou, antes, não querem
ter posição. São temas a propósito dos quais os governos não querem ter
responsabilidades. Mesmo que se diga que Portugal já não é um país soberano,
este não é o comportamento que se deva esperar do governo. Mesmo que se saiba
que nada se fará sem a decisão do BCE e da Comissão Europeia, esta não é uma
conduta responsável do governo.
Nunca se viu um tão grande número de especialistas em
finanças! Toda a gente sabe o
que se passou no BES, no Novo Banco, no Montepio, no BPN, no BCP ou na CGD!
Toda a gente tem uma opinião sobre o assunto. Mas há um problema: as
opiniões vêm ligadas à simpatia. Os socialistas apoiam as medidas
tomadas pelos socialistas e subscrevem as críticas feitas aos sociais-democratas.
Os sociais-democratas, exactamente ao contrário. Os amigos de Sócrates criticam
antecessores e sucessores, designadamente Passos Coelho e Maria Luís
Albuquerque. Os amigos de Passos Coelho denunciam sucessores e antecessores,
nomeadamente Sócrates, Teixeira dos Santos, Costa e Centeno. Os amigos de Costa
culpam os antecessores, mas distinguem entre Passos Coelho e Maria Luís
Albuquerque, muito maus, e Sócrates, que silenciam. Simpatizantes do CDS
desculpam amigos e responsabilizam adversários. Comunistas e bloquistas culpam
acidamente a direita e desculpam envergonhadamente a esquerda. Todos, esquerdas
e direitas, culpam o Banco de Portugal e Carlos Costa, a União, Juncker e
Dijsselbloem. E não se metem com Draghi, porque é ele que nos compra a dívida. Os
maus estão sempre lá fora e na oposição.
Depois há ainda outros fiéis, amigos e interessados. Amigos da Caixa, amigos do BCP, adeptos do BES,
simpatizantes do Banco de Portugal, admiradores de um presidente da Caixa e
seguidores do outro, de todos temos essencialmente a mesma versão, só mudando
os protagonistas: os amigos têm razão, os outros não. E de muitos economistas,
jornalistas, comentadores, professores e consultores de quem se esperava uma
análise isenta e uma interpretação financeira e política, temos profissões de
fé. As coisas não são muito diferentes das do futebol: o meu clube tem razão,
os outros não. Ponto final. A análise, o comentário, o exame, a polémica e a
interpretação vêm depois de garantida a culpa do outro e a bondade do meu!
As responsabilidades pela lamentável situação em que
se encontra o sistema financeiro português devem ser imputadas a muita gente
dos últimos cinco governos, incluindo dirigentes da administração pública e das
instituições, gestores, banqueiros, funcionários públicos, magistrados,
polícias e outros. Mas há certamente uns muito mais do que outros. Era tão importante atribuir responsabilidades!
Era tão importante, para a democracia e as liberdades, saber quem é responsável
pelo desastre inédito das instituições e das finanças portuguesas! Era tão
importante castigar exemplarmente os verdadeiros culpados! Sejam eles
primeiro-ministro, ministro, banqueiro ou gestor!
Mas será para sempre impossível. É o que parece. A
maneira como falam as pessoas e os especialistas, como comentam os
profissionais e os amadores, como se defendem e como atacam os políticos
governantes e deputados, tudo isso leva a uma conclusão: nunca saberemos com
o menor rigor! Nada entenderemos. E tudo pagaremos!
Nenhum comentário:
Postar um comentário