São já antigos, os textos, do mês passado, mas
cada vez mais actuais. O primeiro, de Diogo Queiroz de Andrade, o
segundo de Guilherme Valente.
Sobre as práticas educativas escolares, sobre as pedagogias de laxismo,
impotência, degradação e cinismo do mundo adulto, quanto dele destituído da
função de pais, por incapacidade de arrostar com o seu mundo familiar, que as
políticas de uma democracia imberbe possibilitaram, em autêntico carnaval de
deseducação, aos níveis familiar, escolar e social, o mundo adulto acobardado
na sua oficina de velhos Gepetos impotentes ante a malandrice dos seus
pinóquios não corrigíveis, contrariamente ao de Collodi. Há muito que o
pressenti e afirmei em livros ou textos, e o texto de Guilherme Valente soa-me
como a algo familiar, que também fui apontando ao longo do meu caminho, e que,
em 1976, culminou, na surpresa aterrorizada de uma vivência escolar repentinamente
degradada, com uma carta acusatória ao Ministro da Educação da altura, que
transcrevi em “Cravos Roxos” (III Parte), e cuja parte final exponho aqui,
talvez já em repetição, mas para mais uma vez servir de alerta e de repúdio por
uma educação estupidamente adulterada que dá os seus “frutos” vergonhosos -
além de servir também de complemento aos articulistas que tão corajosamente e
expressivamente vieram a terreiro exprobatório.
1º Texto: As negociatas dos finalistas
12 de Abril de
2017,
Diogo Queiroz de
Andrade
Há um
negócio que se especializa em subverter actos eleitorais em escolas cheias de
menores através de ofertas em dinheiro e em géneros. Esse negócio concretiza-se
em viagens mais ou menos selvagens onde o álcool corre à farta e o descontrolo
é assegurado pelas mesmas empresas que promoveram o evento. Há dinheiro a
passar de mão em mão, mas facturas nem vê-las. Há “famosos” de terceira e
quarta categorias a animar festas de listas a associações de estudantes, que já
negoceiam a vitória nas eleições em troca de pacotes de viagens de finalistas.
Há estudantes angariados para angariar negócio junto dos colegas, num esquema
em pirâmide que funciona enquanto todos ganham. E há ameaças sérias de
violência num negócio em que os territórios são disputados palmo a palmo.
O melhor
é que ninguém sabe de nada: não sabe o Ministério da Educação, que supostamente
tutela as escolas e o que nelas se passa; não sabem os pais, que nem se
informam sobre como é gerido o esquema que enfia os filhos em camionetas que os
deixam à porta de um qualquer destino soalheiro; não sabe o Ministério das
Finanças, que nem se interessa pelas muitas centenas de milhares de euros que
são trocados de mão em mão sem quaisquer documentos; e não sabem as juventudes
partidárias, que têm a sua acção de base nestas associações de estudantes que
são tudo menos sérias.
O que
menos interessa desta história toda é o que se passa durante a viagem: sim, há
mais dinheiro a circular, muito álcool nas mãos de menores e rédea solta para
os exageros. Hotéis, agências, pais e filhos contam com isso.
É o que
menos interessa na história e só serve para títulos mais ou menos indignados.
O que
conta aqui é a forma como tudo isto acontece e os resultados que tem: se a primeira
experiência democrática que estas gerações vivem está corrompida por famosos e
viagens a destinos mais ou menos paradisíacos, é difícil associar a política a
algo nobre ou o exercício de cargos públicos a uma expressão de cidadania.
Talvez
nada disto seja, em si mesmo, ilegal. Mas é certamente amoral — e tem
consequências. Da próxima vez que lerem uma notícia sobre as pequenas e grandes
negociatas, a violência no desporto, a prepotência de quem tem poder ou a
candidatura a uma câmara de um ex-autarca condenado por corrupção poderão
encontrar uma linha recta que conduz a esta notícia.
2º Texto:
Os finalistas do eduquês
14 de Abril de 2017,
Guilherme
Valente
"Ignorar
os factos é desprezar a liberdade" T. Snyder, On Tirany
"O
conhecimento emancipa a pessoa humana, a autonomia intelectual é a marca
da dignidade humana" I.
Kant, 1783
1. Vejo com satisfação que o meu combate de
muitos anos pelos factos e a prova da realidade na Educação, isto é, pelo
espírito científico, fez o seu caminho e hoje mais gente tem engrossado este
lado da barricada.
É preciso
prosseguir este combate, agora também pela Literatura e as Humanidades (a
tecnologia sem a moral "é como uma pistola nas mãos de uma criança").
Aquilo que enfrentamos é o mais brutal, programado, ataque à Razão, à
Civilização e aos grandes valores universais comuns. Os valores morais não desaparecem, não são os valores que estão em
crise. Em crise está a sociedade marcada pela escola da ideologia
relativista, permissiva e obscurantista, que deixou de os transmitir e
exercitar e mina.
Veja se,
a propósito, o discurso do ministro da Educação britânico, traduzido e
divulgado muito oportunamente por Helena Damião, resistente corajosa no meio
absurdo e ameaçador dominado pelos "especialistas da educação"
(blog De rerum natura).
O que
esse ministro diz, apoiado nos avanços mais actuais das ciências cognitivas
aplicadas à Educação, é, afinal, o óbvio, que não me tenho cansado de gritar,
quase sozinho, ou melhor, com a concordância, mas, até hoje SILENCIOSA, de
inúmeros portugueses.
2.O vandalismo sazonal perpetrado por
"estudantes" portugueses em Espanha é mais um facto, a juntar a
muitos outros, como os das praxes e da violência nas escolas, que os
professores têm vergonha de contar (o JN de 11/4 garante
que há jovens a levar armas para os estabelecimentos de ensino), da abdicação
aberrante dos jovens de intervirem na política e nas causas cívicas. Tudo
evidências da devastação na escola, na juventude e na sociedade programada pela
ideologia e a moda que dominou e continua a dominar a Educação desde
praticamente o 25 de Abril. Assim se impedindo o País de construir a escola que
com a liberdade era possível e imperativo construir. Repare-se como nem têm a
menor consciência moral do que praticaram": escreve o PÚBLICO,
"Finalistas dizem que estragos foram resposta a 'insultos'".
Viagens
de cuja natureza e organização o ME e as escolas onde são traficadas ignoram
tudo, claro. Educação para a Cidadania (EC) só no papel.
Pode-se
generalizar? Deve-se generalizar. Porque
estou a falar do meio dominante, do que suscita, permite e desculpabiliza a barbárie.
Claro que há excepções, há sempre. E desta vez os "sociólogos"
e "especialistas" não vão conseguir o embuste de identificarem o
vandalismo com a revolta de grupos sociais desfavorecidos...
São os
filhos de pais que preferiram deixar de ser pais para serem "amigos",
alunos de "professores" que deixaram de ser mestres por ser mais
fácil e menos perigoso serem "tipos porreiros". Alunos dos
Ministérios, dos “especialistas da educação", das teorias e programas das
"aprendizagens"; do "aprender a aprender" sem se aprender
nada; da "aula continuação do recreio"; do facilitismo, da
ausência de exigência e avaliação a sério; do elogio da indisciplina e da
desvalorização do professor; das "competências", sem se aprender o
que é preciso para se ser competente nalguma coisa; da "interdisciplinaridade",
sem se ter aprendido nada em nenhuma disciplina; das "áreas de projecto",
a ignorância pode projectar o quê? E, agora, da Educação para a Cidadania, ideia no
mínimo perigosa, que só não é idiota por ter o objectivo oculto de reduzir e
desvalorizar os saberes essenciais, isto é, evitar que se ensine e apreenda o
que deve e é preciso ser aprendido e reflectido.
E vai
piorar, porque o ME já desenterrou (só mudaram o século, as tretas são as velhas
e vê-se o seu resultado) o Perfil dos Alunos para o Século...XXI, eleitores num
futuro próximo das catarinas martins ou de alguém no outro extremo, que é o
mesmo.
3º Texto: De “Cravos Roxos”, III Parte “Memórias de um
Professor do Liceu”:
…..«Senhor
Ministro, não tenho veleidades de esperar qualquer resultado positivo desta
minha exposição. A partir do momento em que se destituíram os professores da
sua autoridade docente e se concederam todas as liberdades aos discentes, o
ensino não passa de uma fachada de ilusão neste país, e só lamento os pais -
sou um deles - que desejando uma boa formação espiritual para os filhos,
colhida também na escola, os têm entregues a uma autêntica instituição de
degradação moral sem precedentes, e deixando naturalmente prever catastróficas
consequências futuras. Lamento igualmente os alunos - os bem formados e os
aplicados - que não encontram aí meio para sobreviverem.
O
único resultado que talvez venha a obter com a minha intervenção junto de V.
Exª, serão inquéritos e novos vexames - as crianças têm sempre razão (de resto
os próprios alunos justificaram essa sua razão no meu “julgamento” pelo motivo
de estarem em maioria, afirmação que jamais me passou pela cabeça pôr em
dúvida, creia-me, ser Ministro) - onde os alunos pronunciarão novos dislates e
insolências (uma instintiva delicadeza impede-me de usar o termo “bacoradas”) e
onde eu não terei medo de defender, mas tão somente uma pena infinita, por ver
o meu país desgraçado em vias de atingir o caos total, onde os jovens não
aprendem a tornar-se cidadãos autênticos em que liberdade signifique dignidade
e respeito próprio e alheio, mas apenas um descontrolado despudor absoluto.
Como
mulher livre que sempre fui, respeitando-me e respeitando por isso os outros,
sem alienação de espécie alguma, recuso-me a pactuar com este estado de
perversão que a falta de autoridade provocou.
Por
isso dirijo a V. Exª este manifesto, como um grito de dor e um apelo ao bom
senso dos homens que governam o meu país.»
11/5/76
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