sábado, 6 de maio de 2017

É preciso travar o degelo



Perante os desastres ecológicos que se anunciam e mais as doenças antigas que o gelo preserva mas está em vias de fazer deflagrar ao derreter-se, essa coisa assustadora de mais um fenómeno mediático a atropelar as vidas de jovens sem ideais e talvez assustados com o bombardeamento diário de “casos” do caos crescente em que vivemos, até perde relevância, porque talvez tenha solução, as famílias e os governos desencadearão meios para debelar o mal e - utopicamente, talvez - punir os infractores, acolitados no seu anonimato cibernético, de atrocidade monstruosa, caso da "Baleia Azul". Ao menos os jihadistas expunham-se ante as câmaras, embora tapados, quando degolavam os prisioneiros, sujeitos a milagroso atentado, cada vez o crime é mais sofisticado.
Tempo de apocalipse? Haja Deus! Voltemos à normalidade, leiamos Eugénio de Andrade, ontem nasceu-me o Nuninho, o meu segundo bisneto, filho da Catarina, neto da minha filha Paula, e todos os outros, haja Deus!:
Urgentemente
É urgente o amor É urgente um barco no mar É urgente destruir certas palavras,  ódio, solidão e crueldade,  alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente  permanecer.
Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

Há doenças presas no gelo permanente do Ártico que podem escapar com o aquecimento global
OBSERVADOR, 4/5/2017
As camadas permanentes de gelo estão a derreter com o aumento das temperaturas. Neste gelo estão bactérias e vírus que consideramos erradicados - ou que não conhecemos.
Um aumento de apenas 1,5 graus Celsius nas temperaturas médias da Terra possibilita o degelo destas camadas
As camadas permanentes de gelo do Ártico estão a derreter como consequência do aumento das temperaturas em todo o planeta. Mas além do aquecimento global, há outros perigos à espreita. Neste gelo estão presas bactérias e vírus que pensamos erradicadas e algumas que nem sequer conhecemos.
Ao longo dos tempos, a humanidade enfrentou epidemias devastadoras, desde a peste negra (que se estima ter morto mais de metade da população da Europa no século catorze), a crises de varíola. Mais recentemente, vimos o mundo enfrentar epidemias como a gripe suína e a gripe das aves.
Temos antibióticos há quase um século, desde que Alexander Fleming descobriu a penicilina em 1928. Com o tempo, os sistemas imunitários desenvolvem resistência a novas estirpes e simultaneamente as bactérias e vírus que as provocam desenvolvem resistência aos antibióticos. É um jogo sem fim.
Mas como será se, num futuro próximo, formos expostos a bactérias e vírus fatais que considerávamos erradicados, ou que nem sequer conhecemos?
A resposta a esta pergunta pode estar próxima de ser conhecida. As alterações climáticas e a exploração petrolífera estão a provocar o degelo e a exposição do pergelissolo (permafrost), o solo encontrado em regiões árticas que se encontra permanentemente congelado há séculos ou milénios. À medida que estas camadas permanentes de gelo descongelam, vão libertando agentes patogénicos que estavam “adormecidos”.
Em 2016, deu-se o caso de um rapaz de 12 anos da península de Yamal, na Sibéria, que morreu depois de ter sido exposto a antraz. Pelo menos outras vinte pessoas foram hospitalizadas pela mesma doença. Em causa estava uma rena que, há mais de 75 anos, morreu infetada e a sua carcaça ficou preservada no pergelissolo até à onda de calor de 2016 que a expôs e infetou cursos de água à sua volta.
Pessoas e animais nestas regiões são enterrados no pergelissolo há séculos e, portanto, entende-se que muitas mais doenças possam estar congeladas. Por exemplo, em 2007, cientistas descobriram vírus da gripe espanhola de 1918 vivos, preservados em cadáveres encontrados em valas comuns no Alasca.
Estirpes de varíola e peste negra podem também estar preservadas na Sibéria, onde algumas cidades perderam cerca de 40% da sua população para estas doenças e onde os mortos foram enterrados em valas comuns relativamente perto da superfície.
Em fevereiro, cientistas da NASA anunciaram que tinham encontrado micróbios preservados em cristais dentro de uma mina mexicana. As bactérias estavam concentradas em líquido no interior dos cristais e, mal foram expostas ao exterior, voltaram à vida e começaram a multiplicar-se. Estamos a falar de bactérias que não viam a superfície há mais de 4 milhões de anos.
Uma questão climática
A temperatura no Círculo Ártico está a aumentar rapidamente, a um ritmo três vezes mais acelerado do que o resto do mundo. À medida que o gelo derrete, zonas do norte da Sibéria que vão ficando expostas tornam-se mais acessíveis por mar e começam a ser exploradas para extração mineira e petrolífera, aumentando o risco de se atingirem camadas profundas que contêm agentes patogénicos, como explicou o biólogo Jean-Michel Claverie, numa palestra dada em França.
De momento, estas regiões são desertas e as profundas camadas de pergelissolo são deixadas em paz. Contudo, estas camadas vão sendo expostas por perfurações. Se estirpes vivas estiverem preservadas nestas camadas, isto pode ser um desastre.”
Claverie explica que podemos esperar o regresso de vírus das primeiras espécies humanas como os Neandertais que se estabeleceram na Sibéria e sofriam de várias doenças virais. Fósseis de Neandertais com 40 mil anos foram encontrados na Rússia.
A possibilidade de podermos ser infetados por um vírus de um já extinto Neandertal sugere que a ideia de que um vírus pode ser “erradicado” do planeta é errada, e dá-nos uma falsa segurança.”
O risco que agentes patogénicos preservados em pergelissolo representam para os humanos é bastante desconhecido. Mas as alterações climáticas podem provocar ainda outras epidemias. Em regiões nórdicas, um aumento das temperaturas pode significar o aparecimento de doenças como dengue, cólera e malária, em populações que nunca foram expostas a estas doenças – que têm especial incidência em temperaturas mais quentes.
Os cientistas acreditam que as gerações atuais serão testemunhas do degelo dos pólos, previsto para 2040.

O jogo da baleia azul e o hiperindividualismo
Pedro Afonso, Médico Psiquiatra
OBSERVADOR, 4/5/2017
O hiperindividualismo, alimentado por esta cultura dos ecrãs, tem agravado o desinteresse dos jovens relativamente à vida pública, reduzindo a sua participação quer no associativismo, quer na política.
O jogo da baleia azul veio criar uma onda de pânico e alarmismo entre pais, professores e alunos. O tema não deve ser abordado de forma sensacionalista, descrevendo-se, por exemplo, os pormenores mórbidos do jogo, como aconteceu com algumas notícias veiculadas pela comunicação social. Esta abordagem aguça a curiosidade dos jovens, podendo aumentar o número de participantes, e o risco de mimetismo suicida em indivíduos fragilizados. No entanto, pais e professores podem e devem advertir os jovens para os riscos deste jogo perigoso e de outros similares, aplicando-se aqui as regras gerais de segurança da utilização da internet. O resto deve ser entregue ao cuidado da polícia e do Ministério Público.
Nunca como hoje os seres humanos tiveram tantas possibilidades de estarem conectados, através das novas tecnologias de comunicação, e nunca como hoje houve tantas pessoas a experimentar o abismo da solidão. O ciberespaço, proporcionado pela internet, tem contribuído para o desaparecimento das comunicações presenciais, tornando cada vez menos frequente a experiência de estar na presença do outro. Os laços sociais têm vindo a ser substituídos por ligações virtuais, digitalizadas, em que cada pessoa comunica com a outra dentro do seu casulo isolado, nalguns casos sob a cobertura do anonimato.
Os ecrãs dos telemóveis e dos computadores transformaram-se em autênticas máquinas de dessocialização. Basta olhar à nossa volta para vermos casais em restaurantes, sem proferirem uma palavra entre si, com os olhos vidrados nos ecrãs dos telemóveis. Somos confrontados com grupos de jovens reunidos em silêncio, martelando freneticamente com os dedos o teclado virtual do telemóvel, trocando, numa azáfama aflitiva, mensagens com alguém que não está presente. Observamos diariamente multidões de pessoas, hipnotizadas a percorrerem as ruas, viajando nos transportes públicos, com um telemóvel erguido em frente a um olhar vidrado, totalmente indiferentes sobre o que se passa à sua volta.
Aprisionadas no presente, numa cultura do efémero e na adição da hiperestimulação proporcionada pelos ecrãs, a vida interior de muitas pessoas transforma-se numa aridez preocupante. Uma parte da sociedade está desorientada num mundo de superficialidade, sem ter capacidade para efetuar uma reflexão mais profunda sobre vários assuntos, e sem ambicionar obter respostas sólidas e duradoras. Nesta relação doentia entre o Homem e a máquina, a máquina tem vindo a capturar o Homem, retirando-lhe o interesse social e estupidificando-o.
O hiperindividualismo, alimentado por esta cultura dos ecrãs, tem agravado o desinteresse dos jovens relativamente à vida pública, reduzindo a sua participação quer no associativismo, quer na política. Este fenómeno ajuda-nos a compreender por que é que os partidos tradicionais estão a perder cada vez mais influência política na sociedade, bastando dar como exemplo as recentes eleições presidenciais francesas. Muitos não votam e não mostram qualquer entusiasmo pela política, nem tão-pouco revelam interesse pela própria vida.
Os “desinteressados da vida” formam um verdadeiro exército de pessoas desvinculadas, sem pertença, que vivem adormecidas numa indolência perigosa, em risco de serem recrutadas por líderes populistas e extremistas. Este recrutamento tanto pode servir para matar em nome de uma ideologia radical ou de um grupo terrorista (veja-se o tipo de recrutamento realizado pelo Estado Islâmico nos jovens europeus), como pode ser utilizado para morrer, num jogo absurdo e perverso, como é o caso da baleia azul.
O Homem tem uma inclinação natural para socializar. Quando essa característica é comprometida, o indivíduo fica fragilizado, favorecendo o aparecimento de comportamentos imprevisíveis e autodestrutivos. As novas tecnologias estão a modificar a relação entre as pessoas, se o seu uso não for equilibrado podem colocar em risco a coesão social. Citando Ortega y Gasset, “convém salientar que não há nenhum progresso seguro, nenhuma evolução, sem a ameaça de involução e retrocesso”.

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