terça-feira, 2 de maio de 2017

O Papa avisou



A nossa amiga usou a frase repetidas vezes, com a serenidade superior de quem tinha escutado, já nós tínhamos despejado, de par com a bica e acompanhantes, entre os quais o copo de água favorecedor da nossa saúde irrigada segundo os preceitos da moderna hidratação, a série de assuntos introdutórios, de reprodução fofoqueira das nossas andanças semanais, onde a saúde nossa e dos familiares e amigos não deixa de ser registada, com os desvios e as fofocas a propósito. Mas a frase soou-me a estribilho, mesmo ao modo das tais cantigas do medievo, encerrando por vezes um gemido de dor ou preocupação, como esse do “ai Deus, i u é?” de apelo animístico às “flores de verde pino” sobre o paradeiro do amigo faltoso da menina que se lhes dirige, ou aquele outro da ermida de S. Simeão, onde a menina vai rezar pelo amado, descuidada da maré que enche, e ela bem que morrerá formosa no alto-mar, pois não tem barco nem sabe nadar, (embora seja manifesto o desvio semântico da constatação), “eu atendendo o meu amigo, eu atendendo o meu amigo”. Tal estava a nossa amiga, numa de advertência, quando a conversa descambou nas preocupações noticiarísticas ameaçadoras da tranquilidade do mundo, ao repetir em estribilho “o Papa avisou”, como reforço de autoridade superior, que não deixa margem a dúvidas, “foi o papá que mandou”.
Na verdade, tínhamos aflorado o tema à volta do Trump - “mais louco é impossível”, segundo o remate da nossa amiga, depois de lhe citarmos atitudes e discursos desconcertantes - ignorantes, no conceito da minha irmã, que troça das suas falas e pronúncia de americano rústico - o homem que detesta jornalistas, que está cansado e saudoso da sua paz anterior, que ameaçou ou prometeu e não cumpriu, que gasta mais dinheiro do que ninguém, diz a nossa amiga, contando dos seus fins de semana no seu palácio na Flórida, e da filha que foi vaiada na Alemanha, onde fora explicar das razões do papá, um homem que “parece que não joga bem da bola” que vai encaminhando a Terra para uma terceira guerra, ao confrontar-se com esse outro Kim Jong-un da Coreia do Norte, que parece anormal, com a cara atenta aos “soldadinhos de chumbo” humanos da sua diversão actual, juntamente com as experiências com os seus mísseis atrevidos sobre os mares do Japão…
A minha irmã culpou a China por alimentar a Coreia do Norte: “Se não fosse a China, eles morriam à fome, eu acho que a China se está a portar muito mal”, explicou com muita elegância mas uma ferocidade inusitada - (eu até me lembrei - salvo as respectivas distanciações entre os ditos da sensatez repudiante e as enormidades de extremismos partidaristas ferrenhos - daquelas claques do Porto a desejarem que a selecção do Benfica fosse no avião que, ao despenhar-se, liquidou uma selecção quase inteira de um clube brasileiro, insensatezes criminosas que provocaram a nossa recriminação estupefacta).
E a nossa amiga mais uma vez concluiu:
- O Papa avisou! Se o Trump não acredita que estamos a dar cabo disto, é burro!
E eu em reforço:
- Quem dera que houvesse um avião como esse para a Colômbia com o Jong Un a bordo! Mas… “está quieto!”, como tão bem exprime Passos Coelho. Não há avião de desastre para o Kim, que ele só não se importa de arriscar a vida dos outros, mesmo que sejam da Terra inteira. A dele… “está quieto!”
Estamos realmente preocupadas. E nem foi preciso o aviso do Papa. Mas oxalá o ouvissem os homens.

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