domingo, 28 de maio de 2017

História contemporânea em três textos



O primeiro, de Alberto Gonçalves, avisa, com o arrojo da sua indignação sem tréguas, sobre a parolice ocidental, revestida de seráfica crença em direitos e igualdades sociais, quando todos sabemos quanto tal nunca existiu, e basta, para o confirmar, a referência de Alberto Gonçalves aos costumes de brutalidades dos machos sobre as fêmeas segundo as práticas religiosas dos povos islâmicos - o que, de resto, não perturba as consciências dos habituais pregoeiros da democracia, ululante sempre, sim, mas contra uma “direita”, segundo esses, única beneficiária nas benesses da vida. «Milhões de mutilações genitais, casamentos forçados, apedrejamentos e o genérico desprezo pela humanidade pouco dizem acerca da realidade islâmica. E as matanças cometidas em nome do profeta ainda dizem menos.» - isso é irrelevante para as mentalidades dos afectos e da inteligência, segundo a cartilha pregoeira da nova moral ocidental. Daí que se finja acreditar no esporádico dos ataques terroristas, com a habitual mobilização policial, hospitalar e psicológica, o sofrimento das famílias, os ramos de flores a complementar as tragédias vividas e o erguer de cabeças orgulhoso dos “Je suis Charlie” cada vez mais esbatido, é certo, e provocando , pelo contrário, o acréscimo dos apoiantes dessas direitas que se julgam com direito ao sossego de um viver eficiente.
Os outros dois textos demonstram que o Islão aí está, cada vez mais avassalador e criminoso - «O terrorismo está a vencer», de José Milhazes, «Há alguma coisa de novo para dizer sobre o terrorismo?» de Rui Ramos.
Para meditarmos, se assim o entendermos.

Entretanto, nós por cá, em rodapé, demonstrando a habitual parolice obsequiadora e delambida, que não escapa à argúcia de Alberto Gonçalves, naturalmente. Assim somos, assim continuaremos. Sem tréguas.

I


O respeitinho é muito bonito, mas pouco eficaz
OBSERVADOR, 27/5/2017
É injusto generalizar? Com certeza. Mas a aversão a generalizações, ou o respeito trémulo pelo islão, não tem corrido bem. Quando o resultado da reverência é este, talvez valha a pena tentar a afronta
Salvador Sobral, o Homem que Salvou a Música, gostaria que não se noticiassem os atentados terroristas. É uma ideia partilhada por muita gente, aquele tipo de gente que, horas antes do atentado de Manchester, marchara em Lisboa e no Porto contra a “cultura de violação”. Ao saber da marcha, que integrou 40 associações e quase tantas outras pessoas, julguei tratar-se de uma denúncia pública, e inédita por cá, da barbárie a que o islão submete as mulheres. Erro meu. Afinal, a coisa fora motivada por uma cretinice a cargo de uns burgessos na Queima das Fitas. Pelos vistos, meia dúzia de burgessos provam que uma sociedade é, toda ela, propensa a abusar de raparigas em autocarros, mas milhões de mutilações genitais, casamentos forçados, apedrejamentos e o genérico desprezo pela humanidade pouco dizem acerca da realidade islâmica. E as matanças cometidas em nome do profeta ainda dizem menos.
De resto, os desejos de Salvador Sobral já estiveram mais longe da realização. Chacina após chacina, as reacções, sentidas ou simuladas, perdem intensidade, e são escassos os “Je Suis…” a enfeitarem páginas do Facebook. Não tardará o dia em que vinte ou trinta criaturas mortas por bomba ou camião desçam às manchetes pequeninas ou sejam embutidas no meio do “telejornal”. E, conforme acontece hoje com episódios “menores” (uma degolaçãozita ou assim), chegará o momento em que o horror não mereça uma linha ou comentário.
É verdade que, face às linhas e comentários que temos, se calhar o silêncio absoluto seria de facto preferível. Aparentemente, não bastam os “jornalistas” que chamam “incidentes” a explosões criminosas. Esta semana, com o regresso do terrorismo em grande escala, regressaram às televisões resmas de indivíduos especializados em comentar o assunto fugindo do assunto a sete pés. Se a primeira rajada de argumentos delirantes se esgota, o que raramente sucede, e os especialistas não conseguem remover o assassino do islão, adoptam com agilidade o Plano B, que consiste em remover o islão do assassino. O essencial, além de não mostrarmos medo (do ridículo, presume-se), é perceber que não se pode confundir os muçulmanos com o terror, embora os comentadores se vejam regularmente desmentidos pela impressionante quantidade de muçulmanos que insiste em confundir-se com o terror e pela quantidade maior que, não praticando o terror, legitima-o pela aprovação tácita ou, no mínimo, pela indiferença. O espectáculo não é desprovido de piada. Porém, o sangue real que procuram esconder sob abstracções modera um bocadinho a vontade de rir.
O método não se distingue do utilizado pelo conhecido Sheik Munir. Instado a explicar Manchester, o homem cujo cavalheirismo nunca inspirou marcha alguma, optou por ignorar as vítimas, reduzir o autor ao maluquinho do costume e, sobretudo, exigir “respeito” pelo islão (Paulo Tunhas dissecou aqui o estilo). Nem de propósito, respeito é justamente aquilo que, da parte do Ocidente, o islão tem tido de sobra – no sentido literal da palavra. A cada novo atentado, dedicam-se desmedidos louvores à “religião de paz”, os quais curiosamente não impedem o atentado seguinte. Nos intervalos, exerce-se rigorosa cautela para não beliscar a vasta susceptibilidade da crença e, de brinde, oferece-se abrigo aos seus desvalidos. Salvador Sobral, através de t-shirt, foi apenas um dos que convidaram os refugiados para sua casa. Não que os refugiados careçam de convite: dois deles vieram da Líbia para a Inglaterra, lá criaram os filhos e, ao que consta, ajudaram um deles a arruinar as vidas de dezenas de inocentes.
É injusto generalizar? Com certeza. Porém, a aversão a generalizações, ou o tal respeito trémulo pelo islão, não tem corrido bem. Quando o resultado da reverência é este, talvez valesse a pena tentar a desconsideração e a afronta. Não temos nada a perder, principalmente se a alternativa é perder tudo.

Nota de rodapé
Madonna andou por Lisboa e não foi recebida pelo presidente da câmara: o sujeito, que sinceramente desconheço, visitou-a no hotel e, à saída, declarou que o hipotético interesse da cançonetista por uma casa em Sintra é – acreditem – “importante para o país”. Mas a coisa, já de si extraordinária, não ficou por aqui. Parece que o ministro da Cultura, que também não sei quem é, requisitou o fecho do Mosteiro dos Jerónimos para que a senhora e os filhos o visitassem, cito um jornal, “sem qualquer incómodo” e sob a orientação especializada da própria directora do monumento. Consta igualmente que Madonna assistiu a uma exibição de cavalos lusitanos, preparada de propósito para a ocasião. E há boatos de que a intérprete de “La Isla Bonita” se terá encontrado com o dr. Costa, em circunstâncias por esclarecer.
Perante isto, a tendência da tradicional má-língua é resmungar contra os privilégios das celebridades, o provincianismo das “elites” (perdão) e uma nação que, pelo menos nas instâncias “oficiais”, atingiu níveis de demência pouco explorados. Infelizmente, a má-língua deixa-se dominar pela inveja e, à semelhança dos que não compreendem as motivações dos “jihadistas”, não consegue colocar-se no lugar do “outro”.
O erro é partir do princípio de que a hospitalidade em causa é uma regalia desejável. Não é. E quem presume o inverso deveria imaginar o que sentiria se, em viagem a uma cidade estrangeira, fosse constantemente importunado por criaturas rústicas e irrelevantes, se visse condicionado a levar crianças a um claustro, tivesse de contemplar uma prova de hipismo e, ao que li algures, aturasse um ex-futebolista do Benfica ao jantar. O único fogacho de sorte de Madonna consistiu em ter escapado miraculosamente ao prof. Marcelo e às divagações em torno de Craveiro Lopes. Mesmo assim, haverá gente a passar férias mais agradáveis no Cazaquistão.
Nada disto é por acaso. Mal se percebeu que o turismo sustenta, quase sozinho, a nossa patética economia, os ponderados indivíduos no poder tomaram de imediato a atitude que se impunha: acabar com ele. Depois de um período dedicado a combater as companhias “low-cost”, a condenar a evolução das cidades e a introduzir taxinhas para financiar o regresso a 1970, o PS lembrou-se há dias de impor a autorização dos condomínios para arrendamentos de curta duração. Na prática, isto visa enxotar metade dos turistas. A metade restante enxota-se mediante a sujeição dos desgraçados a suplícios como o de Madonna. E se ainda resistirem um ou dois incautos, é então que aparece o prof. Marcelo, a propor “selfies” e a resolver o problema de vez.

II
O terrorismo está a vencer
OBSERVADOR, 26/5/2017
Os políticos ocidentais continuam em insistir nas meias-medidas, muitas delas fruto de acordos e apoios duvidosos a grupos e Estados que estão na origem do terrorismo.
É importante homenagear as vítimas dos atentados e prometer, jurar que não temos medo, que não iremos renunciar ao nosso modo de vida, mas estas palavras começam a ficar gastas depois de tanta repetição, perdendo completamente o seu sentido. Sendo assim, por muito difícil e doloroso que seja, temos de constatar que estamos a perder a guerra com o terrorismo islâmico.
O mais estranho é ver que as causas e raízes do terrorismo moderno estão determinadas, as receitas para o combate a essa praga são muitas e variadas, mas os políticos ocidentais continuam em insistir nas meias-medidas, muitas delas fruto de acordos e apoios duvidosos a grupos e Estados que estão na origem do terrorismo. E assim será até que os dirigentes ocidentais continuem a manter políticas ambíguas em relação a determinados regimes políticos, pondo os interesses económicos e financeiros à frente da vida dos cidadãos.
Todos sabem qual o principal país que vive segundo as normas que os terroristas querem impor não só no mundo muçulmano, mas também na Europa: Arábia Saudita. Nesta monarquia medieval espezinham-se os mais elementares direitos humanos, a intolerância contra outras maneiras de pensar, religiões faria inveja à Inquisição. Alguém sabe onde fica nesse país um templo católico, budista ou hinduísta, embora lá trabalhem milhares de estrangeiros? Sobre os direitos das mulheres e das minorias sexuais nem vale a pena falar.
Mas todos os dirigentes mundiais vão “beijar a mão” aos príncipes sauditas na esperança de que lhes caia da mesa algumas migalhas. Há poucos dias atrás, o Presidente norte-americano Donald Trump foi à Arábia Saudita e, segundo a imprensa, conseguiu um milionário contrato de venda de armas, e os restantes dirigentes de países que vendem armas, incluindo Vladimir Putin e alguns dirigentes europeus (Alemanha, França e Grã-Bretanha) ficam apenas com “água na boca”, com inveja de não terem conseguido um contrato igual.
Para que servem armas tão modernas? Para combater Israel? Duvido, pois Israel, com a ajuda norte-americana, tem o armamento, incluindo nuclear, necessário para garantir a sua sobrevivência. O inimigo principal dos sunitas sauditas é o Irão xiita, que também não se queixa de falta de armamentos fornecidos pela Rússia. Como é do conhecimento geral, parte do armamento fornecido a esses e outros países do Médio Oriente vai parar às mãos de grupos como o Estado Islâmico, o Hezbollah, etc.
As redes terroristas também não podem substituir sem meios financeiros, não funcionam apenas com base no fanatismo (embora este factor possa ser importante) e eles chegam dos seus patrocinadores através de brancos ocidentais. Como também é sabido, os familiares dos suicidas podem receber subsídios por terem formado um mártir.
Por conseguinte, sem vontade política de pressionar a sério países que patrocinam o terrorismo e de cortar pela raiz o seu financiamento, nenhuma medida contra o terrorismo islâmico resultará, podendo apenas “remendar” o problema. Não se pode deixar de assinalar que os países ocidentais contribuíram em muito para a desestabilização do Médio Oriente e para a derrocada de regimes que, embora pouco recomendáveis, continham forças ainda mais extremistas.
É sintomático, neste campo, a situação na Síria, onde a fragmentação dos grupos armados torna praticamente impossível a solução política da guerra nesse país e poderá originar forças ainda mais extremistas. Igualmente foi feito muito pouco para apoiar os rebentos democráticos e laicos nessas sociedades, principalmente se compararmos com a tolerância de que gozam os pregadores fundamentalistas islâmicos na Europa. Não nos podemos esquecer que foi a partir de Paris que o ayatollah Khomeini preparou o derrube do Xá do Irão Reza Pahvali, em 1979.
Outro fator importante que está na base do terrorismo islâmico é o sério fracasso da política de integração dos imigrantes dos países islâmicos, ou melhor, da sua quase total inexistência em países como França ou Grã-Bretanha.
A continuar a política de meias medidas, será impossível pôr fim ao Estado Islâmico. Pode-se apenas fazer o mesmo que está a feito com os talibãs no Afeganistão. Não obstante a forte presença militar ocidental nesse país, esse exército terrorista continua a controlar parte dele. Como se trata de uma força “mais moderada” do que o Estado Islâmico e se opõe a este, a China e a Rússia já mantêm conversações com eles com vista a evitar o alargamento do conflito afegão à Ásia Central e ao Nordeste da China, onde as populações são maioritariamente muçulmanas. Se se continuar assim, resta apenas esperar que novos grupos terroristas irão substituir o Estado Islâmico.

III
Há alguma coisa de novo para dizer sobre o terrorismo?
24/5/2017
O terrorismo islâmico pode transformar as sociedades ocidentais, e é uma ilusão pensar que impedir isso é apenas uma questão de boa vontade e abertura de espírito.
Perante cada barbaridade do terrorismo islâmico na Europa e na América, percorremos sempre o mesmo caminho.
Primeiro, há a demora em admitir que se trata de um atentado. A seguir, vem a reserva sobre a identidade do autor. Depois, a incerteza sobre as suas cumplicidades e filiações. Nesta relutância em reconhecer a realidade, não há apenas uma prudência preliminar: há, muito claramente, o desejo desesperado de que não haja a lamentar senão um acidente trágico, a selvajaria de um doido ou, quando muito, o ataque desenquadrado de um “lobo solitário”.
Por fim, quando já não pode haver dúvidas de que se trata de uma atrocidade planeada por um jihadista imigrante ou filho de imigrantes muçulmanos do Médio Oriente ou do Norte de África, com sócios entretanto presos, como aconteceu agora em Manchester, jorram as admoestações do costume: o terrorismo quer-nos dividir, e nós temos de nos manter unidos; o terrorismo contesta o nosso modo de vida, e nós temos de prosseguir as nossas vidas o mais habitualmente possível. Como se tudo dependesse apenas de nós e dos sentimentos que ostentamos nas redes sociais.
Há muitas sociedades, no Médio Oriente ou em África, para quem o horror jihadista é parte do quotidiano. As democracias ocidentais, porém, não estão preparadas para aceitar as bombas como uma nova normalidade. Porque a nossa liberdade requer segurança, mas também porque não é compatível com todas as formas de segurança. É significativo, a esse respeito, que em Manchester, tal como em quase todos os últimos atentados, o perpetrador fosse alguém conhecido da polícia pelas suas ideias ou conexões islamistas. Mas as nossas autoridades não privam ninguém de direitos apenas pelas suas origens ou convicções, antes de provada a conspiração para cometer um crime. Até quando, sob a pressão do terrorismo, será assim?
A tese de que os terroristas nunca vencerão tem o conforto da nossa supremacia tecnológica. Mas não é pelo nivelamento tecnológico que os jihadistas nos ameaçam. É pela aglomeração do nosso mundo com o mundo deles. A Europa, no tempo dos impérios, quando administrava a África e policiava a Ásia, estava separada por longas viagens desses mundos exóticos. Em 1881, houve uma grande revolta jihadista no Sudão, liderada por um auto-denominado Mahdi. O público ocidental seguiu o acontecimento pelos jornais e alguns livros. Hoje, através das migrações e dos meios de transporte e de comunicação, essa distância desapareceu: o Sudão do Mahdi fica actualmente nos subúrbios de Manchester, de Paris ou de Berlim, porque com as pessoas vêm as suas culturas.
Os regimes ocidentais promoveram a circulação, com muitos benefícios. Agora, não têm solução para os seus efeitos secundários. Uns pensam em acabar de ocidentalizar a África e o Médio Oriente, através da intervenção militar; outros esperam integrar os que vão chegando; e outros ainda, exigem o encerramento das fronteiras. Mas, como se tem visto, faltam os consensos e os recursos não só para as intervenções e as assimilações, como também para os distanciamentos.
Por isso, faz-se o que se pode: manter a polícia atenta na Europa e na América, para não deixar a jihad desenvolver “células”, e ajudar aliados no Médio Oriente e na África, de modo a não consentir “santuários”. Mas que acontecerá se um dia os ocidentais se sentirem verdadeiramente fracos e inseguros, como é objectivo dos terroristas? Conseguiremos não nos tornar noutra coisa, por exemplo, em comunidades exclusivistas determinadas a retaliar brutalmente? Talvez pouca gente deseje isso, mas é uma ilusão pensar que é apenas uma questão de boa vontade e abertura de espírito.
No fundo, a única coisa que falta dizer sobre o terrorismo é evidente: pode mesmo mudar a maneira como vivemos, e também a maneira como pensamos. Por enquanto, no Reino Unido já há tropa na rua, como em França, e até Morrissey começar a estar farto do “politicamente correcto”.

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