terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Três grandes textos: Uma história com final feliz?

Com os agradecimentos a Esther Mucznik , estudiosa de temas judaicos
I-  OPINIÃO:     A Declaração Balfour: cem anos de uma história de luz e sombra
Há precisamente 100 anos, a declaração constituiu um marco fundamental na caminhada do povo judeu para a criação um lar na Palestina
Esther Mucznik , estudiosa de temas judaicos
Público, 2 de Novembro de 2017
Há precisamente 100 anos, a 2 de Novembro de 1917, o governo britânico emitiu uma declaração que iria acelerar a história do povo judeu e de todo o Médio Oriente. Com efeito, a Declaração Balfour, do nome do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Lord Arthur James Balfour, e endereçada a Lord Rothschild, então presidente honorário da Federação Sionista da Grã-Bretanha, manifestava a simpatia quanto às aspirações sionistas afirmando que “O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um Lar Nacional para o Povo Judeu e empregará os seus melhores esforços no sentido de facilitar a realização deste fim [...]”.
O que levou o governo britânico a emitir esta declaração em plena Primeira Grande Guerra? Lloyd George, primeiro-ministro, e o próprio Balfour simpatizavam com o sionismo e a sua visão cristã de retorno do povo judeu à terra de Israel terá eventualmente pesado, tal como a intensa vaga de perseguições anti-semitas na Europa e, especialmente, na Rússia, onde os judeus eram massacrados em violentos pogroms. Mas sobretudo e de forma mais pragmática, a imperiosa necessidade de vencer a guerra procurando, através do apoio ao sionismo, a simpatia e influência das grandes comunidades judaicas dos então países neutros, EUA e Rússia.
Na verdade, na sua guerra contra as potências centrais, a Grã-Bretanha promete tudo a todos: um futuro reino árabe no crescente fértil ao Sherif Hussein de Meca, em troca do apoio militar contra o Império Otomano, ao mesmo tempo que na Primavera de 1916 assinava secretamente com a França os acordos Sykes-Picot, que previam a distribuição dos despojos do Império Otomano entre as duas potências. No final da guerra, a criação dos novos Estados tem em conta acima de tudo os interesses das potências vencedoras, a Inglaterra e a França: na conferência de San Remo em Abril de 1920, a França recebe da Liga das Nações o Mandato sobre a Síria e o Líbano, enquanto a Inglaterra fica com o Mandato sobre o Iraque e a Palestina, em contradição com os compromissos estabelecidos com o Sherif de Meca e com as promessas contidas na Declaração Balfour. Para além disso, as fronteiras entre aqueles territórios não foram claramente delimitadas o que, permitindo interpretações contraditórias, se traduzirá num pomo de discórdia e disputa que se mantém até aos dias de hoje. 
O próprio texto da Declaração era muito mais vago do que aquele que Lord Rothshild efectivamente solicitara a Balfour por carta datada de Julho de 1917. Não contém nenhum compromisso britânico com o estabelecimento de uma entidade ou de um Estado Judaico na Palestina, nem sequer alude a uma qualquer hipótese de autonomia política. Era sobretudo uma declaração política, sem força de lei, e podendo ser interpretada de diferentes maneiras, como o será mais tarde a começar pelos próprios ingleses, que nunca desenvolveram qualquer estratégia para a implementar na prática.
Muito pelo contrário: em 1922, para além de amputar o território palestiniano de quatro quintos da sua superfície, “oferecendo” a Abdallah, filho de Hussein, a extensa faixa na margem oriental do Jordão — o reino da Transjordânia —, o governo britânico publica um primeiro “Livro Branco” restringindo a imigração judaica à capacidade de absorção económica da região, o que mais tarde, nos anos de 1930, terá consequências trágicas.
Apesar de tudo isto, a Declaração constituiu um marco fundamental na caminhada do povo judeu para a criação um lar na Palestina. Veio culminar um intenso esforço político e diplomático do sionismo ao longo da Primeira Grande Guerra no apoio à Grã-Bretanha e seus aliados a fim de subtrair a Palestina do domínio otomano. Foi também de alguma forma o início da consagração vitoriosa do combate do fundador do sionismo político, Theodor Herzl: o reconhecimento internacional através da legitimação por uma grande potência das aspirações sionistas. O principal obreiro desta declaração foi Haim Weizmann, cientista judeu inglês. O seu nome está indissoluvelmente ligado à Declaração Balfour e a partir daí a todas as etapas decisivas da história do sionismo, até à sua eleição como primeiro Presidente do Estado de Israel, em 1948.
Para as massas judaicas, a Declaração representou uma imensa esperança e foi recebida com manifestações de júbilo e fervor. Em Odessa, uma manifestação de 100.000 pessoas, convocada pela Organização Sionista, junta-se em frente do consulado britânico, cantando o hino Hatikvá em hebraico e o God Save The Queen, no meio do delírio geral. Por todo o lado, na Europa e na América, saúda-se efusivamente o acontecimento e alguns oradores comparam Balfour a Ciro, o rei da Pérsia que 2500 anos antes autorizara o regresso a Jerusalém dos judeus exilados na Babilónia. Recebida e interpretada pelo mundo judaico como a legitimação internacional das aspirações sionistas, a Declaração Balfour tornou-se no segundo grande marco da história do sionismo político — após o primeiro congresso sionista em 1897 — e o início de uma nova fase do árduo combate pelo Estado.
Esta semana, Londres comemora o centenário da Declaração Balfour, rejeitando o pedido de perdão solicitado pela Autoridade Palestiniana para quem a Declaração apenas trouxe “catástrofes, miséria e injustiça”. Na sua recusa, o governo britânico afirma: “Estamos orgulhosos pelo nosso papel na criação do Estado de Israel... Estabelecer um lar para o povo judeu na terra com a qual tinham laços históricos e religiosos tão fortes era a coisa certa e moral a fazer, em particular tendo em conta os séculos de perseguição.”
Na verdade, a história não volta atrás. Mas é possível construir uma nova história onde a “miséria e a injustiça” não tenham mais lugar. Desde que os seus intervenientes, todos os seus intervenientes, assim o queiram verdadeiramente...
II- OPINIÃO:              O voto que mudou a história
Há precisamente 70 anos, a aprovação do Plano de Partilha da Palestina foi o Dia da Vitória para os judeus do mundo inteiro.
Esther Mucznik, estudiosa de temas judaicos
29 de Novembro de 2017
“Trinta e três a favor. Treze contra. Dez abstenções e uma ausência. A resolução está aprovada.” Ouvida pela rádio na Palestina e em todo o mundo, a voz do brasileiro Oswaldo Aranha, na época presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, acabava assim de anunciar a 29 de Novembro de 1947 a aprovação do Plano de Partilha da Palestina prevendo a criação de dois Estados independentes: um Estado Judaico e um Estado Árabe.
No dia do voto, a Palestina parou, a vida suspensa de uma decisão que iria mudar a sua história. Entre os países que votaram sim, estavam a União Soviética, os Estados Unidos e a França. Contra, votaram os seis Estados árabes membros da ONUEgipto, Síria, Líbano, Iraque, Arábia Saudita, Iémen — mais quatro países muçulmanos não árabes: Afeganistão, Paquistão, Irão e Turquia, assim como a India, a Grécia e Cuba. Entre as abstenções, a Argentina, a Etiópia e a Jugoslávia e a própria Grã-Bretanha — voz isolada entre as grandes potências e entre todos os países da Commonwealth britânica.
No mundo judaico, e muito particularmente na Palestina, foi o delírio: multidões saíram à rua, abraçando-se, dançando e cantando o hino sionista, o Hatikvá — A Esperança. Depois da Declaração Balfour, 30 anos antes, este foi o segundo e decisivo marco para a proclamação do Estado de Israel. Para o mundo árabe, esta data ficou registada como o dia da “Nakba”, a “Catástrofe”: os países árabes rejeitaram liminarmente a resolução, opondo-se a qualquer plano de partilha e ao reconhecimento de um Estado judaico.
Para trás ficavam duas décadas de instabilidade e violência: pogroms árabes em 1929 e 1936 contra os judeus, represálias judaicas e um crescendo da luta antibritânica. Na realidade, depois do final da guerra os judeus esperavam uma mudança de política do governo inglês na Palestina, nomeadamente a revogação do “Livro Branco”, que ao longo do conflito manteve a Palestina praticamente fechada aos refugiados judeus em fuga da Europa de Hitler. Mas isso não aconteceu: apesar do final da guerra trazer à luz do dia a terrível dimensão do massacre do judaísmo europeu, os ingleses mantiveram o “Livro Branco”, optando pela conciliação com os árabes. Os judeus concluem que a situação exigia uma aceleração da sua própria história: o fim do Mandato Britânico e a criação imediata de um Estado judaico na Palestina.
Na verdade, nesse ano de 1947, a Grã-Bretanha já perdera o controlo da Palestina. Impotente face à degradação crescente da situação, o governo britânico entrega à ONU a solução do problema. É decidida a constituição de uma comissão especial, a UNSCOP (United Nations Special Committee on Palestine), que entre Junho e Setembro percorre a Palestina e dá-se conta do clima de extrema tensão que aí reina — agravado pela tragédia do barco Exodus 47 que tem lugar nessa altura. Será com base no relatório da UNSCOP e respectivas propostas que será elaborado o Plano de Partilha.
Às 7h da manhã do dia 30 de Novembro, algumas horas depois do voto da Assembleia Geral das Nações Unidas, cinco judeus foram mortos num ataque árabe a uma ambulância em Jerusalém. Por todo o país, sucedem-se as investidas contra comércios, mercados e bairros judaicos. Os confrontos generalizam-se a Telavive e a Haifa, os árabes declaram oficialmente a sua decisão de se opor pela força das armas à aplicação do Plano de Partilha. Têm o apoio político, material e militar dos países árabes vizinhos e contam com a simpatia das autoridades mandatárias ainda presentes.
O Estado de Israel seria criado 167 dias depois, numa sexta-feira, véspera de Shabat, a 14 de Maio de 1948. Mas, escreve Amos Oz, “um por cento da população judaica, um em cada cem homens, mulheres, velhos, crianças e bebés, um em cada cem dos que dançavam, bebiam, festejavam e choravam de alegria, um por cento da nação que enchia as ruas nessa noite, morreria na guerra que os Árabes iriam desencadear menos de sete horas depois da decisão da Assembleia Geral em Lake Success [...]”. Mas naquela noite, nas ruas de Telavive, Jerusalém e Nova Iorque, de Praga e Viena, nos campos de “deslocados” da Alemanha e nos kibutzes da Galileia, a hora era de júbilo e de esperança. Foi o Dia da Vitória para os judeus do mundo inteiro, o primeiro em mais de 2000 anos.
Esta é muito sumariamente a história da votação do Plano de Partilha da Palestina. Mas não é a história da criação do Estado de Israel. Por muito importante que tenha sido a decisão da ONU, e foi-o sem dúvida alguma, Israel não foi criado pelas Nações Unidas: foi edificado pedra a pedra pelos homens e mulheres que um século antes começaram a construir os seus fundamentos — a sua agricultura, a sua indústria, as suas universidades, a sua rede sanitária e educacional, o seu exército, a sua estrutura política democrática. Tudo isso já existia e estava praticamente pronto antes de 1947/1948. Se os judeus da Palestina tivessem perdido as guerras que lhe foram movidas pelo mundo árabe depois da aprovação do Plano de Partilha e da Proclamação de Independência em 1948, nenhuma votação internacional lhes teria valido. A decisão das Nações Unidas foi fundamental, mas é bom lembrar que ela veio legitimar uma realidade já existente.
Nenhum Estado tem condições de sobrevivência através do simples reconhecimento internacional. É preciso vontade política e estruturas sociais e políticas capazes de assegurar uma existência soberana e autónoma. Os judeus da Palestina tinham isso e também a clara consciência de que nada tinham a perder...
III- OPINIÃO                      Ó Jerusalém!
Independentemente do que vier a acontecer, Jerusalém não deixará de ser a capital do Estado de Israel.
Estter, MuczniK, estudiosa de temas judaicos
Público,13 de Dezembro de 2017
Palco de sucessivas disputas ao longo da história, nenhuma cidade no mundo desencadeia tantas paixões como Jerusalém. A reacção à recente proclamação de Donald Trump reconhecendo Jerusalém como capital de Israel e anunciando a transferência da embaixada dos EUA vem mais uma vez comprovar esta realidade. Na verdade, Trump vem apenas reconhecer uma realidade já existente: Israel é um país soberano e, independentemente de ser ou não reconhecida como tal, Jerusalém é a sua capital e não Telavive, como alguma ignorância mediática já o afirmou.
Não vou aqui invocar o carácter sagrado de Jerusalém para o judaísmo, nem os três mil anos de presença ininterrupta judaica na cidade. Vou apenas lembrar que depois da Guerra da Independência de 1948/49, movida por cinco Estados árabes contra o recém-proclamado Estado de Israel, uma das primeiras medidas do seu Governo foi a declaração de Jerusalém como capital do novo Estado: a 13 de Dezembro de 1949, o Parlamento israelita, o Knesset, é transferido para Jerusalém, seguido em Janeiro de 1950 por todo o Governo.
Um século antes, em 1855, Sir Moses Montefiori fundara as primeiras casas fora da Cidade Velha de Jerusalém, no bairro que ainda hoje ostenta o seu nome. A população da cidade, maioritariamente judaica, vivia essencialmente dentro das suas muralhas e o novo bairro, assim como outros que lhe seguiram, alargaram para ocidente as fronteiras de Jerusalém, permitindo o crescimento e desenvolvimento da cidade que em vésperas da Primeira Grande Guerra contava com 70.000 habitantes, dos quais 50.000 judeus.
Mas no final da Guerra da Independência e pela primeira vez na sua história, Jerusalém foi dividida. Israel ficou com o lado ocidental e a Jordânia com o oriental, incluindo a Cidade Velha, anexando esse território em 1950. Resistindo às pressões das forças militares judaicas que insistiam em libertar Jerusalém e obrigar a Legião Árabe a recuar para lá do Jordão, o Governo israelita resolve manter o statu quo e não prosseguir a guerra. Com efeito, para David Ben-Gurion, era mais importante consolidar o Estado judaico do que aumentá-lo: “Confrontados com a questão da totalidade do país sem Estado judaico, ou um Estado judaico sem a totalidade do país, escolhemos o Estado judaico sem a totalidade do país.” Ao assinar o acordo de armistício com o rei jordano Abdallah, o Governo de Israel também esperava salvaguardar a hipótese de um acordo futuro de paz mútua.
Mas a paz não existiu: sob controlo jordano e em contradição com o acordado, os judeus ficaram impedidos de orar nos seus lugares sagrados, incluindo no Muro Ocidental, dito “Muro das Lamentações”. Foram destruídas 58 sinagogas ou transformadas em estábulos e aviários, assim como numerosas pedras tumulares. Por seu turno, os cristãos, embora pudessem frequentar os seus lugares santos, também eram sujeitos a restrições várias e a um controlo severo.
No seguimento da Guerra de 1967 — na qual Israel conquista Jerusalém oriental e reunifica a cidade —, o Governo israelita restabelece a liberdade de acesso a todos os espaços sagrados das três religiões. Apesar de uma lei do Parlamento de 1980 oficializar a anexação de Jerusalém oriental, mais tarde, no quadro de negociações israelo-palestinianas de Camp David no ano 2000, o então primeiro-ministro Ehud Barak propõe ao então líder da Autoridade Palestiniana, Yasser Arafat, a entrega de parte de Jerusalém oriental para futura capital de um Estado palestiniano. Mantendo a política suicida de tudo ou nada, a proposta é rejeitada.
Hoje, 17 anos depois, apesar de a maioria das embaixadas estarem sediadas em Telavive, os consulados de oito países estão em Jerusalém, mantendo relações diplomáticas com a Autoridade Palestiniana: Grã-Bretanha, Turquia, Bélgica, Espanha e Suécia estão em Jerusalém oriental, enquanto os consulados dos EUA, França, Itália e Grécia se encontram em Jerusalém ocidental. Mesmo sem reconhecer a anexação de Jerusalém oriental por Israel, nada impede a instalação das embaixadas em Jerusalém ocidental que, independentemente do que possa vir a acontecer, não deixará de ser a capital do Estado de Israel. Tal como acaba de anunciar a República Checa, que decidiu instalar a sua embaixada em Jerusalém ocidental dentro das fronteiras de 1967. Talvez seja esta uma forma de desbloquear a situação...
Não tenho simpatia nenhuma por Donald Trump, nem pelas suas políticas externas e internas. Acredito que esta decisão foi essencialmente motivada por motivos internos, sem qualquer consideração pelas suas consequências que, do ponto de vista político, recaem sobretudo sobre Israel, unindo contra si o mundo árabe e islâmico mesmo que esporadicamente. Mas neste caso concreto pior é a hipocrisia da União Europeia que, invocando um “processo de paz” inexistente, mais não faz do que perpetuar um statu quo que torna a “paz” cada vez mais distante. 
A desgraça palestiniana não é uma coisa boa para Israel. Quer se goste ou não, ambos os destinos estão ligados: ambos os povos têm o direito a viver entre o Jordão e o Mediterrâneo e a sua coexistência pacífica apenas será possível no quadro de dois Estados independentes e soberanos. Não adianta negar a ligação histórica de um ou outro à terra tão disputada, porque não é de história, sonhos ou mitos que se fará a paz. Foi a lucidez de David Ben-Gurion e de Haim Weizmann, ao reconhecerem a existência de um outro povo na Palestina, que permitiu a criação do Estado de Israel. Da mesma forma que foi essa negação que levou os palestinianos à sua própria tragédia.

Youtube: Ó Jerusalém Oh Jerusalém

Compositor: Ana Paula Valadão Bessa
Óóóóóó
Ó, Jerusalém
Que matas os profetas
Desprezas Teu Messias
Tu não o verás de novo
Até que digas:
Baruch Haba
B’shem Adonai
Bendito é o que vem
Em nome do Senhor
Óóóóóó
Ó, Jerusalém
Que os corações se abram
Que o véu seja removido
Yeshua Hamashia
ó Israel querido
Baruch Haba
B’shem Adonai
Bendito é o que vem
Em nome do Senhor
Óóóóóó
Ó, Jerusalém
Que haja paz em Teus muros
Yeshua Sar Shalom aqui
Isaque e Ismael se beijem
E venha paz sem fim
Baruch Haba
B’shem Adonai
Bendito é o que vem
Em nome do Senhor.

Nenhum comentário: