Considerandos de Paulo de Almeida
Sande / que penso não serem da sua avó / embora seja dela a radicalidade / que
ao neto transmitiu com punhos renda / sobre a sociedade / e a bastante dose de ironia / que Sande emprega com cortesia / e saber
feito de experiência / e julgo que também de livros da vária ciência / que o
seu espírito enriqueceram, / para nos transmitir em catadupa / um chorrilho de pensamentos
/ dos contactos que a vida e o estudo / lhe proporcionaram / e não se enganaram,
/ nem mesmo no sentimento de frustração / e algum sarcasmo nele envolto / tanto
no início, no meio, como na conclusão / do seu texto de sentenças cheio / com
bastante delicadeza mas destreza / repito, em primeira mão, / com parabéns à ditosa
avó / que tal neto teve, / barão assinalado agora / não como os de outrora, embora.
Crónica de Natal: Acantologia da minha avó
OBSERVADOR, 26/12/2017
Hoje escrevo baboseiras.
Palavras vulgares. Lugares-comuns. Hoje, meus queridos leitores, proponho um
artigo contra os cânones e em nome dos sentimentos nobres que já quase não
valorizamos, da vida que vivemos, dos dias de alegria ou de angústia ou de
medo.
São epigramas da minha
avó, elevação das mentes jovens: lembrei-me deles neste tempo de Natal, fruição
disponível a quem deles queira fruir. A semelhança de alguns dos epigramas com
personagens e factos reais é provavelmente apenas semelhança; provavelmente.
1- Se segues pelo centro meu amigo / irás sozinho e
ninguém vai contigo
2- O bom senso tem limites/ditados pelo bom senso / já
o mau senso é bom que evites / porque esse, não tem limites
3- Uma mulher
conhecida / e um filósofo afamado / são parelha desvalida / dão um exemplo
desgraçado
4- Nunca sirvas quem serviu / diz o popular ditado / mas
raríssima se viu / num mais do que esperado assado
5- Juízo tem finalmente / aquele idoso senhor / que
deixou galhardamente / jovem sem o seu calor / e a trocou recentemente / por um
mais provecto amor
6- Quem de seu
dá o que não tem / sem querer a demasia /acabará sem vintém / milionário de
alegria / mas quem só por caridade /der de sobras o que tem / acabará por
vaidade / mais pobre do que ninguém
7- Um juiz douto e sabedor / não sabe nada do amor
8- Fica a imagem do mal / a arder este país / ardeu-nos
Portugal / mas não foi Deus que o quis / pois Deus sendo real / não é o que se
diz / Deus é menor que o ser / que em Deus se quer rever
9- Não choveu / choro eu
10 – Futebol / é meu sol /minha vida / vitriol
11- Por cada erro crasso/por cada aberração/a força
de um abraço/o orgulho da nação
12 - Em cada dia o Mundo termina / para quem a vida
se fina
13- Quem leu de Dostoiévski o Idiota / e na sua
candura encontra Cristo / que tente descalçar agora a bota / de tantos idiotas
que andam nisto
14- Um homem abusa da sua mulher /reiteradamente com
ademanes vis / reencarnará, mas não como quer /em vez de xy trará dois xx
15- Escuta / o que te digo / cumpre o teu destino / eleva-te
e brilha
16- Da sua voz surde / tanta coisa bela / gente que
age e urde / jurando por ela / Nessa imensa mole / há milagres há /promessas,
joelhos / esfolados / E crianças à disposição / ou não?
17- Se eu digo não / eu digo tudo / e sem senão / sequer
de um surdo
18- Não morras ainda / tenho tanta coisa / para te
dizer / ah o tempo que perdemos / nos nossos momentos de silêncio
19- O Mundo
mudou / a bola de cristal partiu-se / caminhamos alegremente / em direcção a um
ocaso qualquer
20- Mais um plástico a nadar / e um peixe vai-se
afogar
21- Um afecto é um toque de mão mágica / no coração
dilacerado da Humanidade
22- Amar / é viver / estimar / e saber / Amar
23- Envelhecer ao lado de alguém / continua a ser
envelhecer / mas é melhor envelhecer com quem / nos quer bem
24- A política é a arte do possível / alguns dizem / outros
dizem/ a política é a arte do impossível / entendam-se por favor
25- Juntei os meus amigos no Natal / Comemos e bebemos
e falámos / saímos era quase madrugada / com a pressa um sem abrigo atropelámos
/ mas não faz mal/era Natal
Orgulho neste pequeno
país, neste povo que, entre poucos, sabe quem é e se identifica com o todo
nacional. Somos invejosos, chico-espertos, estrangeirófilos, somos de brandos
costumes, timoratos, dados a excessos e ao remorso deles, somos simpáticos,
acolhedores, imaginativos, desenrascados. Temos em tese auto-estima a mais que
resulta, na prática, em falta de auto-estima. Somos do fado, formais, doutores
e engenheiros. O elevador social, entre nós, funciona, com soluços. Somos do
café, do vinho e da gastronomia mais diversa do Mundo per capita. Acreditamos
ser os melhores do mundo em tudo se outros, estrangeiros, o disserem.
São muitas as receitas
que trocamos nesta quadra festiva, desejando-nos coisas boas. E é fácil,
afinal: potenciar as qualidades, superar os defeitos. Conhecermo-nos. Dar mais
do que receber. Acreditar que somos capazes. Não confundir pessoas com
instituições, perdoar os pecados alheios quando eles espelham os nossos. Ser,
não parecer, boas pessoas.
Como diria a minha avó,
chegou a tua vez, ó português. Talvez avó, talvez.
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