Também os tivemos cá, e bem
espertos, alguns, dos tais que a Santa Inquisição perseguia. É problema antigo,
que já a Bíblia refere, esse da diáspora, com Pedro encarregado de lançar a Primeira
Pedra de uma igreja Cristã, e Paulo a difundir a Boa Nova… Mas os Judeus
seguiram outros trâmites, nunca se adaptaram bem, inteligentes que eram. E na
Segunda Guerra foram vítimas de horrores. Mereceram o seu espaço, o seu Israel,
a sua Tora. Merecem a sua Jerusalém. Diogo Queirós de Andrade receia as
consequências do gesto atrevido de Trump, Paulo Tunhas aceita-o bem e fala de
hipocrisia da camada da esquerda, que condena a democracia, José Milhazes reaviva
histórias – russas - de Judeus, a incitar novamente aos ódios causados talvez
por invejas ocidentais. Mas que Trump foi atrevido e arrogante, isso também me parece. Oxalá não haja consequências de
maior.
1- EDITORIAL: Trump
enterrou a paz no Médio Oriente
DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE Público, 7 de Dezembro de 2017
O argumento da capital
partilhada seria algo que poderia forçar a vivência conjunta, essencial para o
reconhecimento mútuo entre dois vizinhos inimigos que se conhecem demasiado
mal.
Donald Trump não quer a
paz no Médio Oriente. O anúncio de que vai definitivamente mudar
a embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém equivale ao reconhecimento da
capital de Israel. Com este passo arruinou décadas de esforços diplomáticos
americanos no Médio Oriente e assumiu o fervor por um dos lados em disputa,
enterrando qualquer possibilidade de ser visto como credível pelo outro. Ao
fazer a vontade aos israelitas, condenou a possibilidade de ser levado a sério
pelos árabes, criando mais rancor e um novo vazio numas negociações que já
estavam em coma.
Pior, ao anunciar
unilateralmente esta mudança, inventa uma duplicidade na estrutura de poder
israelita: os EUA serão os únicos a colocar a embaixada em Jerusalém e a
reconhecê-la como capital do Estado, todos os outros países deverão manter a
presença diplomática em Telavive — porque continuam a considerar a parte leste
de Jerusalém como capital de um futuro estado palestiniano.
O argumento da
capital partilhada seria algo que poderia forçar a vivência conjunta, essencial
para o reconhecimento mútuo entre dois vizinhos inimigos que se conhecem
demasiado mal. Os acordos de Oslo previam a possibilidade de futura partilha da
capital, mas este movimento unilateral americano torna mais difícil esta
possibilidade.
Com o gesto acabou por
unir as oposições palestinianas tradicionalmente desavindas que concordam em
pouco. Desta vez, o anúncio americano teve unânimes condenações da Fatah e do
Hamas, bem como da generalidade das nações muçulmanas. Isto vai retirar os
palestinianos da mesa negocial durante meses, talvez anos. Até porque ninguém,
a não ser os americanos, tinham peso e credibilidade suficiente para forçar um
entendimento entre as partes — a União Europeia não tem sido suficientemente
coesa para o fazer e terá outras prioridades na mesa diplomática.
Para mais, fazer esta
cedência ao Governo israelita de Netanyahu é passar um grande cheque de
simpatia a um executivo que tem feito tudo para matar a paz — os israelitas
passaram os últimos anos a expandir colonatos, a reduzir a liberdade dos
palestinianos e a apostar em dividir o bloco árabe na questão da paz. Será
também nisso que está a apostar Trump, ao forçar uma união entre Israel e a
Arábia Saudita contra o Irão — prejudicando definitivamente a paz com a
Palestina, que pelos vistos não interessa minimamente à Casa Branca.
Jerusalém
Paulo Tunhas OBSERVADOR,
7/12/17
A decisão de Trump sobre
Jerusalém rompe com a hipocrisia vigente quando se fala do Médio Oriente, que
tudo na aparência igualiza para na verdade sistematicamente condenar Israel
desde o princípio.
Sendo, na aparência, um
dos poucos portugueses que não é cidadão dos Estados Unidos da América, pouco
falo de Donald Trump. No máximo, com as raríssimas pessoas com quem falo de
política, o que me vem à cabeça é dizer que, com a excepção de Donald Trump,
tudo conspira para me fazer simpatizar com Donald Trump. Não é um raciocínio muito
elaborado, mas confesso que ao ler notícias em jornais onde, a partir de uma
fotografia de Trump com os atacadores do sapato direito desapertados, se
elaboram desenvolvidas doutrinas sobre a sua política nacional e internacional,
é aquilo de que sou capaz.
No entanto, o seu
reconhecimento ontem de Jerusalém como capital de Israel, no seguimento de uma
decisão do Congresso americano datada de 1995, levou-me a sentir com ele um
acordo que antes nunca experimentei inteiro. Porque, na malsã atmosfera de hipocrisia
política em que se vive, o gesto não é despiciendo e manifesta, contrariamente
ao que por aí imediatamente se escreveu, alguma sensatez. Traz problemas? Traz,
sem dúvida. Mas representa a possibilidade de um novo início das coisas, que
rompa com a hipocrisia vigente quando se fala do Médio Oriente, que tudo na
aparência igualiza para na verdade sistematicamente condenar Israel desde o
princípio. Não digo que a hipocrisia não seja por vezes
necessária em política (e, de resto, nas relações humanas em geral) e não
tenha, em certas situações, bons frutos. Acontece que neste caso preciso
nenhuma necessidade a guia e os frutos são maus.
Em 2003, publiquei
conjuntamente com Fernando Gil um livro intitulado Impasses, seguido de Coisas
vistas, coisas ouvidas, por Danièle Cohn. O livro lidava com a reacção
ocidental ao 11 de Setembro e ao terrorismo islâmico, incluindo um capítulo
sobre a segunda guerra do Golfo. Antecipando tudo o que se dirá e
escreverá por estes dias acerca de Israel, fui reler algumas páginas então
escritas. Reproduzo aqui uma passagem do livro. Dada a sua extensão,
decidi omitir as referências ao que então era a opinião comum do muito que se
publicava. Guardo apenas uma que é particularmente ilustrativa. Miguel
Sousa Tavares explicava por essa altura que Israel é “a maior ameaça à paz
mundial”, continuando: “Se algum dia o planeta implodir, vai ficar a
devê-lo a Israel e à dependência política do establishment americano
relativamente ao lobby israelita dos Estados Unidos”. Israel, note-se, é
“a maior ameaça à paz mundial”. O que se segue, entre aspas, é o que no
livro é dito em relação a essa doutrina comum, com que teremos de voltar a
conviver em breve, sobre Israel. Limitei-me, tirando pequenos detalhes, a
alterar o texto num ponto: duas afirmações citadas vêm agora com os seus
autores devidamente identificados. (Quando escrevemos o livro, Fernando Gil e
eu optámos por não referir directamente os autores, porque o que nos
interessava era estabelecer o quadro geral de uma atitude dominante na opinião
publicada no que respeitava ao pós-11 de Setembro.)
“A questão de Israel
é infinita. Os pontos serão portanto aqui selectivos. O ódio a Israel não foi
sempre, muito pelo contrário, uma característica da Esquerda. Ele acompanha-se
da descoberta, nessa mesma Esquerda, de uma paixão, a que nada historicamente a
obrigava, pelo terrorismo. Israel é uma sociedade democrática (segundo qualquer
um dos critérios ao nosso dispor: critérios que remontam ao exemplo do
exercício da sociedade ateniense no século V a. C.), rodeada de sociedades que,
segundo esses mesmos e exactíssimos critérios, não são, nem de perto nem de
longe, democráticas.
“O ódio a Israel
relaciona-se com uma tendência relativamente recente de uma parte substancial
da Esquerda a, em linguagem e em acto, abandonar os patamares da democracia. O
ódio a Israel – e, diga-se por fim, a palavra ódio não é exagerada – tem a ver
com o desprezo crescente que essa mesma parte da Esquerda ostenta pelos regimes
do Ocidente e pelas democracias representativas (“socialmente fascistas”, nas
palavras do Prof. Boaventura Sousa Santos). Israel é objecto do desprezo que só
timidamente – e por vez ou outra mais atrevidamente – se enuncia em relação à
democracia em geral.
“Percebe-se. Israel:
sociedade democrática responsável por si mesma. Israel: sociedade onde os actos
do Governo são fiscalizados e censurados através do voto. Israel: sociedade
onde os cidadãos livremente se manifestam contra as decisões políticas do seu
Governo. Israel: sociedade onde a vida dos cidadãos é livre, onde, entre
outras, as coisas do amor são abertamente discutidas. Israel: sociedade onde o
masoquismo “suicida-ideológico” não faz parte dos costumes políticos e onde,
como optimamente Alain Finkelkraut escreveu um dia, não se encontra nenhuma
disposição para “expiar os horrores da história ocidental”, porque parece aos
seus cidadãos – e não se vê como lhes negar autoridade para essa reflexão –
“terem sofrido eles próprios mais do que lhes calhava nesse capítulo. Israel
(ainda nas palavras de Alain Finkelkraut): “pequena nação: pequena em
superfície; pequena em número de cidadãos; pequena no sentido mais profundo em
que a sua existência não se encontra automaticamente garantida, em que
permanece contestada trinta e cinco anos depois da criação do Estado
[Finkelkraut escrevia em 1983]”. Israel: sociedade cuja auto-defesa – os
problemas são esses, e não os mais alambicados da “auto-estima” – se joga
dia-a-dia, contra terroristas que assassinam cegamente. Israel: voltemos ao
princípio – sociedade democrática.
“O ódio a Israel é o
ódio recalcado que uma parte do Ocidente vota a si mesmo. Não é acidental que
as críticas à democracia e as críticas a Israel se fundam no mesmo gesto. Elas
transcendem largamente a preocupação com os sofrimentos que palestinianos ou
israelitas experimentam no seu dia-a-dia. De facto, nada disso conta – nada
disso tem de contar. O que interessa é a questão da existência, pura e simples,
de Israel: é ela que está perpetuamente em causa. Tal como a da democracia.
“O jornalista (Miguel
Sousa Tavares) que escreve que Israel é “a maior ameaça à paz mundial”, diz,
sem obviamente o dizer com as palavras todas, que a democracia é a maior ameaça
à paz mundial. Quando, levado pelo seu alegre raciocínio, conclui: “se
algum dia o planeta implodir vai ficar a devê-lo a Israel”, diz (continuando a
não se servir das palavras todas) que a democracia é a causa da destruição do
mundo. E pode bem ser que venha a ter razão. Esperemos que não, mas pode ser
que sim. Em todo o caso, não convinha que falasse como se estivesse a falar
defendendo a democracia: o que ele pede é que se abdique de tudo. Não de várias
coisas acidentais e secundárias, nem sequer daquilo que poderíamos pensar, com
razão ou sem ela, ser o essencial – mas de tudo; nada mais e nada menos do que
de tudo. Está, em suma, a pedir uma coisa impossível. Em primeiro lugar,
impossível para ele mesmo. Mas não está, sem dúvida, a ser original.”
Citei esta longa
passagem – escrita, repito, em 2003 – porque o que vem aí vai ser mais do
mesmo. Não é que Israel não seja continuamente demonizada. É-o, de facto, sem
interrupção. Não há cantor pop que não se veja policiado pelos profissionais
dos “boicotes”. Mas a intensidade aumentará por estes dias. Entre outros por
aqueles que, em nome de “negociações de paz” que se perpetuam de modo puramente
fantasmático, desejam a todo o custo manter uma ficção que lhes é conveniente:
a da possibilidade de um acordo entre quem quer continuar a existir e aqueles
que apenas desejam a destruição. O que Trump fez tem pelo menos um mérito:
introduzir um novo princípio num estado de coisas onde nenhuma solução
verdadeiramente era possível. Pelo menos, com Jerusalém como capital de Israel,
as coisas ficam mais claras. O que a médio prazo só pode ser bom.
A Igreja Ortodoxa Russa,
pela voz de alguns altos dignitários, vem levantar novamente a questão do
“assassinato ritual” (uma referência aos judeus) de Nicolau II, último czar
russo, da esposa e filhos
Quando regimes
autoritários, como é o caso daquele que hoje impera na Rússia, começam a ter
problemas com a sua estabilidade interna ou externa, tentam sempre arranjar
inimigos dentro e fora do país. No caso do “czar” Vladimir Putin, já necessita
de ressuscitar temas e métodos claramente medievais.
A Igreja Ortodoxa Russa,
pela voz de alguns dos seus altos dignitários, vem levantar novamente a questão
do “assassinato ritual” de Nicolau II, último czar russo, da esposa e
filhos. Na conferência “Processo do assassinato da família do czar: novas
investigações e materiais. Discussão”, Tikhon, bispo de Egorevski,
declarou: “Olhamos da forma muito séria para a versão do assassinato ritual.
Mais, parte significativa da comissão da Igreja não tem dúvidas de que assim
foi”.
Na noite de 16 para 17
de Julho de 1918, revolucionários comunistas, entre os quais havia alguns
judeus, fuzilaram 11 pessoas na cidade de Ekaterimburgo, entre as quais estavam
sete da família real.
Marina Molodtzova,
representante do Comité de Investigação da Rússia, anunciou que “a investigação
planeia realizar uma investigação judicial psicológico-histórica para resolver
a questão ligada nomeadamente ao carácter possivelmente ritual do assassinato
da família do czar”.
É verdade que nem o
bispo ortodoxo, que os órgãos de informação russos dizem ser o “confessor” de
Putin, nem Marina Molodtzova pronunciaram a palavra “judeus”, mas qualquer
cidadão russo minimamente informado compreende que ele se refere a esse povo.
Esta tese não é nova e foi
avançada por emigrantes monárquicos russos que fugiram da Rússia depois da
revolução comunista de 1917. Nomeadamente, acusaram os assassinos de terem
decepado as cabeças das vítimas e enviando-as para o Kremlin como prova de que
tinham cumprido a missão. O facto de esse crime ter sido cometido sob a direcção
de um bolchevique judeu Iakov Iurovski a mando de outro judeu, o líder
comunista Iakov Sverdlov, é apresentado como uma espécie de “ritual
cabalístico”.
Investigações forenses e
científicas realizadas posteriormente vieram desmentir essa tese. Depois de
vários estudos realizados na Rússia e Inglaterra com os restos mortais
(incluindo crânios) de várias pessoas encontradas enterradas perto de
Ekaterimburgo, o Comité de Investigação da Rússia reafirmou, em 2015, que se
tratavam dos restos mortais da última família real russa.
O historiador russo Andrei
Zubov considera que essas acusações não têm sentido porque “o Judaísmo não
conhece a prática dos assassinatos rituais e os sacrifícios humanos são
considerados um crime grave na Torá (livro sagrado dos judeus)”. Além de mais,
ele chama a atenção para o facto de os comunistas, “sendo ateus aguerridos, não
cometeram, nem podiam cometer assassinatos rituais”.
Porém, a Igreja Ortodoxa
Russa, que elevou à categoria de santos Nicolau II e a sua família no meio de
grande polémica, continua com dúvidas sobre os resultados da investigação e
apoia publicamente, ao mais alto nível, a tese do “assassinato ritual”.
Isto provocou uma
reacção imediata das organizações judaicas da Rússia. “O emprego de semelhantes
expressões é indigno, não sei o que nelas há mais: ignorância, estupidez ou
obscurantismo. Em qualquer dos casos, isso mostra a degradação da sociedade
russa e exige uma reacção por parte da Igreja e da direcção do país”, declarou
Borukh Gorin, porta-voz da Federação das Comunidades Hebraicas da Rússia.
Alexandre Boroda,
presidente dessa organização, vai mais longe e recorda: “as acusações de
assassinatos rituais realizados por chefes provocou numerosas vezes a centenas
e milhares de vítimas”.
Tendo em conta as perseguições
a que os judeus foram sujeitos no Império Russo e na União Soviética, seria de
esperar uma reacção clara do Kremlin, mas Vladimir Putin, através do seu
porta-voz Dmitri Peskov, lava as mãos como Pilatos, considerando que esta
questão não é da competência do Presidente.
“Essa questão não está na
nossa ordem de trabalhos”, declarou Peskov.
À medida que se vai
aproximando a data das eleições presidenciais russas, marcadas para Março de
2018, a propaganda tenta apresentar o Presidente Putin como o salvador da
Rússia e do mundo face aos “inimigos externos e internos”, o que tem levado
também o Parlamento a aprovar novas medidas contra os órgãos de comunicação
estrangeiros, a pretexto de evitar “ingerências externas” no escrutínio.
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