segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A união faz a força


Ou: «Um por todos e todos por um.»
Mas também se aprendia na Igreja, que criou padrinhos e afilhados. Lembro-me até de um hino que fixei, creio que quando acompanhava a minha irmã à catequese, que foi assim que conhecemos a doutrina precisa para a comunhão:
Prometi no dia do meu batismo / A Jesus sempre, sempre, adorar, / Meus padrinhos em meu nome falaram / Hoje as promessas venho renovar.
Fiel, sincero / Eu mesmo quero / A Jesus prometer meu amor (bis).
 Mesmo assim, faziam-se concursos, para apurar das competências, naqueles tempos de ditadura, com um único partido de União Nacional, mais ordeiro na análise das competências, apesar de também se deixar contaminar pelos encostos, ou cunhas, uma imagem de sabor marceneiro. Agora enviam-se currículos, para se penetrar num qualquer serviço público ou privado, as pessoas mais tímidas ficam sempre a perder, é claro, na exibição das suas qualidades, nas entrevistas, que o tempo está para os mais decididos, de oralidade mais contaminante.
Para o bloco governativo, é, naturalmente, a trupe partidária que conta, são esses os competentes momentâneos, até ao bloco seguinte. Se aquele for duradoiro, os da sua união também o serão (embora substituíveis aquando de desvios malandros, infelizmente frequentes), e assim o desemprego decresce, o que é positivo.
O texto de João Miguel Tavares faz a devassa dos nomes, o de Luís Aguiar-Conraria revela a candura de um adepto honesto do PS – Francisco Assis – que defende a hombridade desse PS, acusado por JMT de compadrio.
Mas de facto, a prática já é antiga. Foi por isso também que Cristo se fez acompanhar dos seus apóstolos, como ficou registado, embora estes o tenham feito à borla, o pensamento fixo no lucro futuro, post-mortem. Não queiramos ser mais isentos do que esses, que é o mesmo que dizer, mais papistas que o Papa. Falo das nossas críticas aceradas contra a tessitura governativa de natural amizade. Não, nada a ver com seitas, Deus nos livre..


OPINIÃO
A Monarquia Socialista Portuguesa
A endogamia do Governo de António Costa compete com a casa dos Habsburgo. Mais parece uma seita.
Público, 16 de Dezembro de 2017
João Miguel Tavares
Ferreira Fernandes escreveu uma crónica no Diário de Notícias onde classificava como “chicana política” andar por aí a criticar a nomeação de Rosa Zorrinho como secretária de Estado da Saúde somente por ela ser mulher de Carlos Zorrinho. Disse ele: “Está aí talvez a pior das consequências da chicana política: insinuando, sem provas e contra factos, que uma pessoa com currículo bastante foi escolhida indevidamente só desvaloriza a crítica necessária e urgente à prática demasiado comum do PS e do PSD de darem cargos por compadrio.”
Permitam, então, que me dedique à chicana política, para tentar demonstrar que ter “currículo bastante” não pode de forma alguma ser o único critério para nomear alguém, e que a nomeação por compadrio é perfeitamente compatível com um excelente currículo. É certo — aí estou de acordo com Ferreira Fernandes — que existe uma espécie de grau zero da nomeação política, que consiste em escolher um boy semianalfabeto que se distinguiu a colar cartazes a quatro metros de altura para dirigir a segurança social de Freixo de Espada à Cinta. Essa é, sem dúvida, a forma mais tenebrosa e imbecil de compadrio. No entanto, como o país tem felizmente evoluído em termos de literacia, hoje em dia qualquer alminha consegue exibir uma licenciatura pomposa e citar três frases eruditas, o que lhe confere automaticamente “currículo bastante” para ocupar qualquer lugar na função pública.
Só que o alfabetismo funcional não deve ser o único critério de nomeação. Mandam as boas práticas republicanas que um Estado, ou um governo, deva ser preenchido pelos mais competentes de entre todos os competentes disponíveis, e não pelos mais amigos com “currículo bastante”. Ora, o que vemos nós quando olhamos para o actual Governo? Permitam-me actualizar a lista que aqui elaborei há coisa de dois meses: Eduardo Cabrita (ministro da Administração Interna), Pedro Siza Vieira (ministro adjunto) e José Apolinário (secretário de Estado das Pescas) foram colegas de António Costa na Faculdade de Direito de Lisboa. Tal como Diogo Lacerda Machado, um dos nomes favoritos para suceder a Eduardo Catroga como chairman da EDP. Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, é mulher de Eduardo Cabrita. Vieira da Silva, ministro da Segurança Social, é companheiro de Sónia Fertuzinhos, deputada do PS. E a sua filha, Mariana Vieira da Silva, secretária de Estado adjunta de António Costa. António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é irmão de Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS. E a sua mulher, Patrícia Mendes, adjunta no gabinete do primeiro-ministro.
Passo por cima de Carlos César e respectivo agregado familiar. O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, é filho do antigo secretário de Estado da Justiça José Matos Fernandes. Guilherme W. d’Oliveira Martins, secretário de Estado das Infraestruturas, é filho do ex-ministro Guilherme d’Oliveira Martins. A ministra da Presidência Maria Manuel Leitão Marques é mulher do ex-eurodeputado socialista Vital Moreira. E a nova secretária de Estado da Saúde Rosa Zorrinho é mulher do eurodeputado socialista Carlos Zorrinho.
A endogamia do Governo de António Costa compete com a casa dos Habsburgo. Mais parece uma seita, em que todos se conhecem desde a infância e se casam entre eles. Isto não é saudável. Nem aqui nem na Áustria. Eu sou republicano. Não aprecio habitar na Monarquia Socialista Portuguesa. Num país sério, ter “currículo bastante” não basta.

Candura a mais é pecado
OBSERVADOR, 13/12/2017
A tradição socialista é isto, não conseguir distinguir a ética da lei. São incontáveis os governantes que, depois de o terem sido, foram trabalhar para as grandes empresas do sector energético.
A aprovação e subsequente desaprovação do imposto especial que o Bloco de Esquerda propôs sobre o sector da energia trouxe-nos o Bloco de Esquerda de volta. Se calhar, já vem tarde, mas mais vale tarde que nunca.
Catarina Martins, numa excelente entrevista ao Expresso — excelente do ponto de vista político, não estou a dizer que concordo com tudo o que Martins defende, nem sequer com a maior parte — atira-se ao Partido Socialista e ao seu Governo. Faz acusações duras e certeiras, nomeadamente quando diz que o Partido Socialista é permeável aos grandes interesses económicos.
Francisco Assis reagiu. Cito: «O PS tem que defender a sua honradez», porque é um partido «que sempre colocou o interesse público acima de qualquer interesse particular». Francisco Assis, não. Vai-me desculpar, mas não dá para engolir essa. Tenho muito respeito por si. É até possível que em alguma eleição futura eu vote em si, mas não dá para dizer que o Partido Socialista «sempre colocou o interesse público acima de qualquer interesse particular». O Partido Socialista sempre fez parte do Bloco Central de interesses. Sempre. Faz parte da sua tradição.
Nem sequer é necessário lembrar o que foi José Sócrates e a teia de interesses particulares que criou à sua volta — não falo em corrupção para não me acusarem de me querer substituir aos tribunais. Basta lembrar o mais histórico dos seus dirigentes, Mário Soares, e o seu comportamento quando foi o Caso Melancia, despoletado pelo fax de Macau a pretexto da construção de um aeroporto nessa região.
Mas analisemos especificamente as acusações de Catarina Martins. Quando fala na permeabilidade do PS aos interesses económicos, refere-se essencialmente a três temas: energia, leis laborais e saúde. Em relação às leis laborais, não concordo. Nesse domínio, as divergências entre PS e BE são essencialmente ideológicas. O PS, e basta ler o programa com que se candidatou às últimas legislativas, defende mesmo um mercado laboral mais flexível. O BE defende um mercado mais “garantista”. O equilíbrio encontrado para esta legislatura é pouco ou nada fazer no que respeita a leis laborais (excepto salário mínimo). Mas em relação aos outros assuntos, independentemente das nossas opções ideológicas, Catarina Martins tem tanta razão que até dói.
É inaceitável que Maria de Belém tenha sido convidada para rever a Lei de Bases da Saúde. Vale a pena lembrar que Maria de Belém trabalha para grupos privados de Saúde. Mas o caso é mais grave. Maria de Belém não tem um pingo de noção do que é um conflito de interesses. Basta lembrar que ela foi presidente da Comissão de Saúde na Assembleia da República ao mesmo tempo que era paga pelo Grupo Espírito Santo Saúde. Quando em campanha para as presidenciais foi confrontada com este facto, em vez de, naturalmente, reconhecer que tinha errado e que teria mais cuidado no futuro, limitou-se a dizer que a única ética que interessava era a lei e que nada tinha feito de ilegal. É esta pessoa que o governo socialista convidou para liderar os trabalhos da revisão da Lei de Bases da Saúde. Lamento, caro Francisco Assis, mas não dá mesmo para argumentar que a tradição do PS é pôr o «interesse público acima de qualquer interesse particular».
Quando olhamos para o sector da energia, a revolta de Assis com as acusações feitas ao PS ainda parece mais surreal. As rendas da energia foram identificadas pela “Tróica”, que exigiu a sua redução. Grande parte dessas rendas foram criadas pelos governos socialistas de José Sócrates. E, já que falei no conceito de ética de Maria de Belém, recordo que também Pina Moura, ministro nos tempos de Guterres, presidiu à Iberdrola. Quando questionado sobre a falta de ética de ocupar esse cargo enquanto era deputado e depois de ter sido ministro da Economia, respondeu que não havia nenhuma falta de ética porque não estava a violar a lei. A tradição socialista é isto, não conseguir distinguir a ética da lei. São incontáveis os ministros e secretários de estado que, depois de o terem sido, foram trabalhar para as grandes empresas do sector energético. Pina Moura é um pequeno exemplo.
Caro Francisco Assis, o PS já reagiu oficialmente ao facto de EDP ter pagado centenas de milhares de dólares à Columbia University, sendo que uma das contrapartidas era contratar Manuel Pinho, ex-ministro de um governo socialista, para lá dar umas aulas?
Mas voltemos ao Orçamento do Estado. Num primeiro momento, há um acordo entre o governo e o Bloco de Esquerda (Catarina Martins até nos conta que fez mudanças à sua proposta inicial por sugestão do Ministério das Finanças) para taxar as rendas excessivas da EDP. As receitas desse imposto seriam dedicadas a baixar os preços da energia em Portugal (dos mais altos da Europa). Uns dias depois, os deputados socialistas mudam de opinião e revertem o que foi combinado. Mais uns dias e somos informados que Eduardo Catroga está de saída da EDP e será, provavelmente, substituído como chairman ou por Luís Amado ou Lacerda Machado. Escolha difícil esta, entre um ex-ministro socialista ou um grande amigo do actual primeiro-ministro. E, depois desta sequência de eventos, com tudo o que é conhecido, Assis indigna-se com as acusações de Catarina Martins, argumentando que o «PS tem que defender a sua honradez» e «que sempre colocou o interesse público acima de qualquer interesse particular».
Caro Francisco Assis, desculpe-me a franqueza, candura a mais é pecado.



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