Acabo um serão de prazer em torno de um vasto programa de dança clássica,
na TV5, com a jovem bailarina envolvida nos seus trabalhos de prática do
ballet, os mestres ensinando, sem mimo mas com competência e simpatia, uma
jovem mortal que engravida e tem um filho, retomando meses depois a sua prática
de bailarina, com “sangue, suor e lágrimas” e beleza, rematando com trechos
musicais bastamente aplaudidos por plateias atentas, tais as de outros
programas ricos, em espectáculo e diversão, que por lá se fazem. Logo pensei nos
nossos programas televisivos diários, de diversão popular, fomentadores da gula, da laracha, do
interesse – o que não é despiciendo, mas cansativo da parte dos animadores desses
programas, repetindo à exaustão a sua “banha de cobra” a distribuir pelo
afortunado do telemóvel que respondeu ao anúncio. Programas do bailarico,
mostrando, de passagem, coisas da materialidade habitual - doenças, crimes do
dia-a-dia, que informam sobre assuntos de importância, mas frustrantes nas suas
limitações fofoqueiras ou paternalistas.
Mas não quis acabar o ano sem deixar de parte um rol de opiniões não só
sobre o nosso país e os nossos patrícios, denunciando falhas ou percursos da
política.
Um texto de António Barreto, (DN), sempre rico e claro de informação,
sobre o problema de despovoamento e envelhecimento das populações, problema referido
anteriormente, por Diogo Queiroz de Andrade, em diferente perspectiva,
mas valorizando as tomadas de posição de algumas zonas do país, cujas
universidades atraíram gente estrangeira, susceptível de se fixar por cá.
Da Página 42 do PÚBLICO, para guardar do ano denúncias graves, cito, pois,
a EDITORIAL por D. Queiroz de Andrade, seguida de Cartas ao Director,
que exploram sucintamente e com graça crítica, quer acontecimentos recentes
sobre Tartufos criminosos de seitas impunes, quer opiniões públicas
desconcertantes, sobre acontecimentos alheios, encarados segundo o interesse
próprio que a hipocrisia dita.
E, como remate, em “As minhas Fotografias” de António Barreto, o texto explicativo sobre “O Claustro de
D. João III” no Convento de Cristo, a necessitar de obras
de restauro, mas, de preferência, a canalizar dinheiros em papelada apelativa
de distinção, em ano de Património Cultural. O bla bla bla do costume, formal e
mísero em solução, apesar de vários monumentos já terem sido reparados.
I- Criar raízes, fixar populações
António Barreto
DN, 31/12/17
Os desastres deste
ano vieram actualizar um velho problema: o despovoamento, para uns, ou a
desertificação, para outros, de grande parte do país. Não apenas do
interior clássico, mas do interior social e económico que por vezes se aproxima
a escassos quilómetros do litoral ou até que inclui muita praia do centro do
país ou do Alentejo. Aliás, visto de São Petersburgo ou de Istambul,
Portugal é todo litoral.
Por causa da violência dos
fogos e do número de vítimas mortais, os incêndios do Verão e do Outono deixaram
marca indelével no território, nos espíritos e na política. O governo reagiu
mal, mas, justamente corrigido pelo Presidente da República, mexeu-se e
tentou recuperar o tempo perdido.
Rapidamente se começou a
discutir as grandes questões, o ordenamento florestal e do território, as
funções do mercado, a criação de parques nacionais e o destino a dar às matas
abandonadas. Prontamente se ouviram promessas, umas velhas, outras muito
velhas. A grande demagogia regressou. Quase não há político que não fale das
"raízes", não as das árvores, mas as das populações. Com o que se
pretende "fixar populações", evitar as migrações, controlar a
urbanização, trazer novas pessoas para "criar raízes" Chega
facilmente a dizer-se que é necessário fazer que as pessoas "devam"
(na versão despótica) ou "possam" (na versão liberal) ficar a viver
onde nasceram e cresceram. São temas inúteis que rendem sempre qualquer coisa
em comício ou à saída de jantar: "revitalizar o interior",
"impedir o despovoamento" e "incentivar a natalidade". Ao
que não falta "trazer empresas para o interior", "criar
incentivos fiscais", "proteger a produção local", "criar
emprego" e "encorajar o artesanato". Há 50 anos e agora. As
intenções são tão boas que falta coragem para criticar o erro, a demagogia e a
ilusão.
A verdade é que, para
fixar populações, só se conhecem meios ditatoriais, já bem rodados na China, no
Camboja e na União Soviética. Com centenas de milhares de vítimas. Ou milhões.
Fixar populações ou é demagógico e não serve senão para tentar ganhar votos, ou
implica retirar aos cidadãos algumas grandes liberdades que são as de movimento
e de mudança de local de vida. Para fixar populações, é necessário talvez o
planeamento integral da vida das pessoas.
Confundir despovoamento
com abandono é uma das raízes do problema. Terras despovoadas
podem ser economicamente úteis, desde que bem tratadas. Em muitos casos, é
mesmo o contrário que se produz: gente a mais significa incêndio, desleixo e
acidente. A decisão de viver na vila, na pequena cidade, na grande metrópole ou
no estrangeiro não é sempre uma decisão de miseráveis e desprotegidos. A
decisão de mudar é muitas vezes um passo para a promoção e a mobilidade, para
melhorar e subir na vida. Viver nas cidades traz quase sempre vantagens para a educação,
a saúde, o emprego, a cultura, o casamento, a justiça e o conforto. Em poucas
palavras, a liberdade é urbana. Em grande medida, o progresso também. Já se
conhecem em Portugal centenas de agricultores que vivem na cidade e trabalham
no campo. Felizmente que ninguém se lembrou de os fixar.
Evitar o abandono?
Sim. Impedir a degradação do meio? Sim. Aproveitar os recursos sem os destruir?
Sim. Fixar as populações? Não. Mas sim ao estímulo e à remoção de obstáculos.
Assim como evitar que sejam as autoridades as primeiras a acelerar o abandono.
Destruir instituições pode ser fatal. É o que tem feito o Estado, de esquerda
ou de direita, para poupar pouco a fim de gastar muito. Não faltam exemplos por
todo o país: escolas, centros de saúde, repartições, bancos, centros de emprego
e da segurança social, centros de formação, esquadras de polícia, quartéis da
GNR, regimentos militares, lares de terceira idade, serviços florestais,
parques nacionais, áreas protegidas, serviços de conservação da fauna Houve decisões
racionais? Talvez. Mas também as houve insensatas e de curtos horizontes.
Manter instituições
pode ser muito mais barato, democrático e livre do que acudir depois a
subsidiar causas perdidas. Áreas despovoadas podem não ser abandonadas. Áreas
despovoadas podem ser ricas e aproveitadas.
As minhas fotografias - Claustro de D. João III, Convento de
Cristo, Tomar
O convento é uma obra
maior de vários estilos: gótico, manuelino, renascentista, maneirista. Com obras-primas como o Claustro Grande
e a Charola. Deixaram lá o nome o Infante D. Henrique, D. Manuel I, D. João
III, D. Filipe I e os arquitectos Diogo de Arruda, João Castilho e Diogo de
Torralva. Ali perto, o Aqueduto dos Pegões, a Ermida da Nossa Senhora da
Conceição e a Sinagoga são obras de excepção a merecer toda a atenção neste Ano
Europeu do Património Cultural que amanhã se inicia. Os textos portugueses e
europeus relativos a este programa são recheados de lugares-comuns. Coesão.
Diversidade. Riqueza. Diálogo intercultural. Patamar de visibilidade. Desafios.
Oportunidades. Interesse transversal. Sustentabilidade. Está lá tudo. Uma
parte dos recursos será gasta em gabinetes e publicidade. Numa palavra: eventos!
Mas uma parte bem mais importante poderia ser gasta com operações simples (o
que não quer dizer fáceis): tratar das coberturas dos monumentos, tirar a erva
dos telhados, limpar as pedras, preservar a estatuária, restaurar esculturas,
vitrais e pinturas. Conservar, cuidar. Era bom que fossem estas as iniciativas
do Ano do Património!
II- EDITORIAL
Trazer
imigrantes para ganhar cidadãos
Com a crise financeira os imigrantes deixaram de
aparecer. Agora, graças aos estabelecimentos de ensino e a empregos sazonais,
estão a regressar.
Diogo Queiroz de Andrade
Público, 26
de Dezembro de 2017
O envelhecimento do país é particularmente sentido no interior, onde
o cenário é dantesco: com as políticas de centralização a agravarem a
falta de crianças, temos na prática metade do país a morrer aos poucos. Podemos fazer muita campanha em defesa do “vá
para fora cá dentro”, mas não há políticas activas de fixação de populações
no interior que possam fugir a uma palavra: emprego.
Para fixar populações, sejam elas imigrantes ou nacionais, é preciso que
exista trabalho que as sustente. Com Lisboa e Porto a entrarem numa espiral de custos que prejudicam
especialmente os jovens profissionais, outras capitais de distrito ganham apelo
e interesse – até porque em várias cidades a qualidade de vida já pede meças à
da capital. Mas sem emprego nada irá acontecer a não ser a criação de
periferias mal reguladas, que colocam mais pressão sobre as maiores cidades e
pioram o nosso índice médio de felicidade.
O trabalho de jornalismo de dados que hoje publicamos demonstra bem o
impacto que políticas sensatas podem ter na aquisição de cidadãos. Exemplos
como o de Bragança, que está a aumentar a população imigrante graças ao bom
trabalho do Politécnico, são retemperadores. Que Bragança tenha uma das
ruas mais cosmopolitas de Portugal é uma bela bofetada no suposto
internacionalismo de Lisboa e Porto, onde muitos imigrantes representam mais
problemas que soluções – exactamente ao contrário do que se passa no interior.
Também há bons exemplos em Aveiro ou na Covilhã, casos em que as
respectivas universidades se têm assumido internacionalmente e trabalham
activamente na aquisição de alunos estrangeiros.
É certo que os estudantes equivalem a populações móveis e cíclicas, mas a
boa gestão pode ajudar a que o ciclo se renove. Populações estudantis
crescentes equivalem a clientes para bens e serviços, que acabam por ajudar a
criar empregos e a fixar famílias nestas regiões. Se a isto se juntarem
políticas que ajudem licenciados a ficar na região, com empregos, será meio
caminho andado para diminuir o maior problema estrutural do país.
E, já que o estado central há décadas que nada faz nada para contrariar
a desertificação do interior do país – estimulando até a concentração no
litoral – resta pouco às regiões para agir no sentido de renovar populações.
O nosso problema é tão grave que não serão os imigrantes a resolvê-lo, mas
podem ser eles a evitar que algumas cidades morram. Ao menos isso.
OPINIÃO
III - Cartas ao director
26 de Dezembro de 2017
Os vendilhões do tempo
Emanuel Caetano, de Ermesinde
Graças às privatizações
e à abertura do capital de empresas públicas portuguesas ao exterior, vimos
estrangeiros a apropriarem-se de firmas nacionais, mas o que nunca tínhamos
visto era forasteiros a apoderarem-se de crianças através de adopções
ilegais! Dizem que é uma igreja, eu digo que é uma seita que exige um dízimo
mensal aos seus crentes. Dizem-se bispos e pastores com curas milagrosas mas eu
só vejo um conjunto de empresários religiosos com influência política e
que tem um império de comunicação.
À boleia destes alegados
raptos, já era hora do Governo português impedir que estes vendilhões do templo
comercializem a fé e desmascarasse o poder sobrenatural que engana os
ignorantes e fragilizados.
Curiosidades luso-catalãs
José A. Rodrigues, Vila Nova de Gaia
Ao que parece, a
Catalunha está dividida em duas partes. Cada uma delas é atravessada
transversalmente pelos espectros políticos habituais, a esquerda e a direita.
Contudo, em Portugal, constato que todos os meus amigos de direita são adeptos
do soberanismo espanhol, e que todos os meus amigos de esquerda se inclinam
para, ao menos, reconhecerem o direito de expressão aos independentistas. O
conjunto de todas essas pessoas é demasiadamente exíguo para poder servir de
amostra em qualquer sondagem, e é possível que a conclusão a tirar possa estar
enviesada. Mas que é um facto curioso, é! Ou talvez não…
Desigualdade de critérios
Jorge Morais, Porto
Em Novembro de 2016 após
a aprovação dos resultados das eleições nos Estados Unidos da América, onde
Donald Trump apesar de ter tido menos votos que Hillary Clinton, saiu vencedor
já que as regras assim o impõem, seja quem for o vencedor. De imediato, por lá
e pasme-se, também por cá, logo se passou à discussão se aquela regra devia ser
ou não respeitada.
Por vontade dos nossos
politólogos, analistas, comentadores, políticos, mesas redondas, redes sociais,
etc., Donald Trump jamais tinha legalidade para tomar posse. A 21 de Dezembro
de 2017, nas eleições realizadas em Espanha na Comunidade autónoma espanhola da
Catalunha saiu vencedor o bloco independentista, apesar do bloco
unionista/neutral ter tido mais votos.
Claro que sabendo do que
a casa gasta, jamais me passou pela cabeça que os mesmos viriam defender aquilo
que defenderam nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América. Mas
afinal que espécie de gente é esta? Eu disse gente? Gente não é, certamente a
gente de bem não se comporta assim.
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