Não global. Nossa. / Aldeia de
afectos, de certezas, / Aldeia de espertezas, de vilezas, / Aldeia de competências
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Bagão Félix, / Tais tantos mais / Artistas, / Articulistas, / Sensíveis
e sofredores / Nos desmandos dos comandos / Nas pieguices dos avisos / Desses repórteres convictos, / Do alto de um púlpito
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Pequeninos, pobrezinhos, / Aconselhando em doçura / De bondade e de ternura / Bons
paizinhos, /Causando vómitos amargos / Em decepção e tortura, / Aos filhinhos,
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dos outros escritores / Que escreviam com nexo / Em requintes de saber / Para
gente, afinal, / Mais normal, / Capaz de compreender / Os requintes da
retórica / Sem as baboseiras em ais / De jornalistas / Em circulação nos
jornais / Como se fosse em quintais. / Os tais / Que Bagão Félix ironiza. /
Desgostoso. / Enjoado. / Sensível. / Conhecedor. / Bom ledor. / Um senhor.
Iº Texto: É fartar, camaradagem!
Público, 28 de Dezembro de
2017 António Bagão Félix
Entre
o Advento e a Epifania, há festa. Não só na “aldeia”, mas, este ano, também no
Parlamento, com os partidos a fazerem de colectivo de Reis Magos, oferecendo-se
uns aos outros não mirra, nem incenso, mas generosas e endogâmicas leis.
Para tal, mãos à obra e, de
mansinho e caladinhos, em jeito de Consoada plenária, os partidos aprovaram
legislação vertida em quase 80 páginas, alterando quatro importantes leis
orgânicas relativas ao seu financiamento, contas e controlo.
Partindo da necessidade de
alteração processual para acautelar o princípio da separação de poderes sobre o
controlo das suas contas e financiamento, os partidos aproveitaram a onda
para legislar em proveito próprio, num estilo de desbragadas permutas de
favores distintos, mas complementares. Um consenso alargado (embora não
unânime, honra seja feita ao CDS) que todos dispensaríamos.
Começo por dizer que
abomino a vertigem não democrática e anti-partidária que, nestas ocasiões,
incendeia designadamente as redes sociais. Mas, uma coisa é certa: os
partidos têm de se dar ao respeito dos portugueses e ser eticamente exemplares,
a única forma de terem autoridade democrática. Tal exige transparência de
processos, sentido de equidade entre eleitores e eleitos, qualidade da
representatividade democrática.
Neste texto,
concentro-me apenas nas mudanças do IVA. Os partidos que, há
pouco tempo, aprovaram sofregamente mudanças que obrigam os trabalhadores
independentes a arranjar facturas e facturinhas sob pena de pagarem mais IRS,
são os mesmos que agora se geringonçaram para
cozinhar a restituição do IVA pago para toda e qualquer sua despesa e, ao que
parece, com efeitos retroactivos. Um café consumido numa qualquer sede
partidária, uma refeição no restaurante por conta do partido, o combustível dos
automóveis ao serviço seja de quem for e para o que for, etc. são
patrioticamente exonerados deste encargo fiscal, quem sabe se por terem uma
natureza superior que não têm o café, o almoço ou o combustível de qualquer
cidadão contribuinte.
Até percebo como, no actual
regime, era complicado, fantasioso e vulnerável à fraude distinguir a devolução
do IVA na “aquisição e transmissão de bens e
serviços que visem difundir a sua (dos partidos) mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer
suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia” da não
devolução no referente à actividade corrente partidária. Mas, vai daí, o que
decidiram os parlamentares: a uniformização e maximização do benefício fiscal
que passa a incidir sobre a “totalidade de aquisições de bens e
serviços para a sua actividade”. Esta situação agrava, ainda, a
inconstitucionalidade de tratar desigualmente candidaturas eleitorais
apartidárias, a nível presidencial e local, que não têm IVA devolvido.
Ao contrário de qualquer
contribuinte, os partidos juntam agora a isenção total do IVA às do IMI e
IMT, imposto do selo, imposto automóvel, taxas de justiça e custas judiciais.
Aliás eu nunca percebi porque é que quem tem o poder de fixar impostos – o
parlamento (no taxation without representation)
– tem a prerrogativa de se isentar dos mesmos.
Entretanto, “descoberta”
a esperteza, choveram comunicados dos partidos que aprovaram a lei, com o
desplante de até dizerem que desta “não resultam quaisquer encargos públicos
adicionais para com os partidos políticos”. Então o não
recebimento pelo Estado do IVA não tem o mesmo efeito nas contas públicas?! E
eis que a esquerda verte lágrimas de crocodilo e proclama ter votado … sem
concordar. Poupem-nos a estas tristezas!
A esperança para que
tudo não venha a passar de uma tentativa abortada está agora nas mãos do
Presidente da República.
2º Texto: A palavra de 2017 (onde falta … turismo)
Público, 5 de Dezembro de
2017 António
Bagão Félix
Está
a terminar o período da eleição da “palavra do ano”, iniciativa da Porto
Editora desde 2009.
As dez palavras escolhidas
para este ano foram afecto, cativação, crescimento,
desertificação, floresta, gentrificação, incêndios, independentista, peregrino e vencedor. Acho que deveria ter estado
na lista uma outra: turismo. Por
razões óbvias e que são anteriores à escolha de Portugal, Lisboa e Madeira
como os melhores locais de turismo no Mundo.
As palavras
seleccionadas são comuns, se exceptuarmos gentrificação. Este vocábulo (mais um neologismo
anglo-saxónico) é apresentado como exprimindo um “processo de transformação e valorização imobiliária de uma zona
urbana, que acarreta a substituição do tecido socioeconómico existente (geralmente
constituído por populações envelhecidas e com pouco poder de compra, comércio
tradicional, etc.) por outro mais abastado e sem condutas de pertença ao lugar”
(Infopédia, Porto Editora). Sem dúvida, um fenómeno contemporâneo que, em
Portugal, é já notório em Lisboa em bairros populares.
Se exceptuarmos afecto que foi constante em 2017
graças à acção do Presidente da República, nota-se, como aliás em todos os
anos, uma escolha que recai mais sobre palavras da segunda metade do ano e
que desfavorece outros vocábulos com presença e significado mais fortes no seu
início, mas que mergulham na sombra do esquecimento. Ainda aqui a lei do
tempo e a desvalorização da correnteza da memória.
Das 10 palavras há 4
notoriamente políticas e económicas: cativação, nem sempre
cativante (há quem cative sem afecto…); desertificação, dita
para aquilo que não é desertificação, mas sim despovoamento; crescimento, que não é necessariamente o
mesmo que desenvolvimento e independentista, a
única de pendor internacional. A importância do que se passou por Portugal
é dada pela escolha de três palavras que, em boa verdade, são os vértices de um
mesmo dramático triângulo (incêndios, desertificação e floresta).
A tecnologia não teve, desta vez, o seu habitual quinhão, apesar do endeusamento
algo quixotesco da Web Summit (recordo, nos
últimos anos, drone, selfie), assim
como a saúde ou falta dela (recordo microcefalia, legionela e ébola). Restam uma, de matiz mais religiosa (peregrino) que bem poderia também ter sido Fátima e uma mais mundana (vencedor), associada à vitória portuguesa na
Eurovisão. Por falar em vencedor (que me perdoem, os não benfiquistas), falta
o, simultaneamente prefixo e nome, tetra.
Ao invés de anos
anteriores, as palavras submetidas á votação (exceptuando gentrificação) são velhinhas e simples.
Desta vez não há cibervadiagem, gamificação, entroikado,
vuvuzela, swap e outras que tais, que qual cometas, tão
rapidamente surgiram, como logo se esvaneceram. Como diria Churchill, “palavras breves são as melhores e as palavras velhas, quando
breves, são as melhores de todas”.
Ah, claro não podia faltar
um vocábulo com grafia acordista. Desta vez, alterando a própria raiz
etimológica da palavra. Refiro-me ao absurdo modo de escrever afecto sem c, assim se afastando de affectio (latim), affetto (italiano), affection (francês e até inglês) e afecto (castelhano). Originalidades nossas…
Em que palavra votei? Floresta. O meu palpite para o vencedor? Incêndios. Ou, se calhar, afecto, mesmo que sem c.
P.S. A mesma iniciativa em língua
inglesa promovida por Oxford Dictionaries já
foi anunciada. Trata-se de youthquake, um neologismo
curioso que, partindo de earthquake(terramoto),
lhe associa youth (juventude),
significando uma “mudança cultural, política ou social
desencadeada por acções ou influência de jovens”.
3º Texto - O frio,
esse desconhecido
Público, 21 de Dezembro de
2017 António
Bagão Félix
Estamos
finalmente no Inverno-criança, depois do solstício de ontem, 21 de Dezembro.
À míngua de chuva, mostra-se-nos o frio. Relativo, pois dez a catorze graus
centígrados em Lisboa a meio do dia é uma incipiente amostra de frio, mesmo por
cá. E noutras zonas do país, mais frias, também já não é como há décadas.
O frio não é apenas o
contrário do calor, mas também o modo de procurar não o ter. Neste aspecto, o
frio é mais meu amigo porque me dá a possibilidade de com ele saber conviver ou
de o afastar. Ao contrário do calor, para o qual – insuficiência minha – não
sou capaz de encontrar o antídoto eficaz para além do agressivo ar
condicionado.
Vem isto tudo a
propósito, ou talvez não, da apoplexia meteorológica por causa de uns graus
Celsius a menos. Sempre pensei que o frio (e a chuva) fizessem
parte dos Invernos, como o calor faz do Verão. Mas agora parece que não.
Passou-se para a moda dos “alertas” de várias cores, amarelo, laranja e
encarnado, sempre proclamados com voz vibrante. Não há um santo dia que, agora,
não se sinalize com um qualquer aviso amarelo, senão mesmo laranja, porque está
frio ou vai chover. Não imagino sequer a cor do frio em Moscovo, Berlim ou
Toronto, certamente muito para além do mais retinto vermelhão.
Tudo por causa da
anormalidade da normalidade. Alertas por haver frio no Inverno
são tão despropositados, quanto inúteis. Entrevistam-se respeitáveis técnicos
de meteorologia do agora arrebicadamente designado Instituto Português do Mar e
da Atmosfera (curioso o Marestar antes da Atmosfera, mesmo que no interior do país!) e
guarnece-se a “notícia” com um banal anticiclone ou uma habitual superfície
frontal. E, claro está, tudo culmina com pessoas entrevistadas nas ruas,
através de perguntas que envergonhariam o Senhor de la Palice e de óbvias
respostas.
Toda esta excitação
invernal culmina com as declarações dos serviços de saúde, que não param de nos
dar conselhos a toda a hora. Fico pasmado, confesso. Não porque os evidentes
aconselhamentos não sejam correctos, mas porque, no fim de contas, há um
retrocesso ao considerarem-se as pessoas comuns como indigentes ou seres
meteorologicamente atrasados.
Vejamos alguns desses
doutos avisos, textualmente: 1) proteger-se do frio; 2) vestir várias
camadas de roupa quente; 3) agasalhar-se quando se está na rua; 4) manter o
corpo quente, através do uso de luvas, cachecol, gorro/chapéu, calçado e roupa
quente; 5) tomar bebidas quentes (creio que não alcoólicas); 6) ingerir
líquidos e sopas para manter o corpo hidratado; 7) no exterior, ter cuidado com
situações de queda; 8) manter as casas quentes; 9) verificar se os equipamentos
de aquecimento estão em condições de ser usados; 10) trocar informações e
conselhos com amigos e vizinhos e manter-se em contacto com eles; 11) vedar bem
as portas e as janelas; 12) em caso de chuva, ter à mão um chapéu-de-chuva e
usar calçado adequado… etc., etc.
Não que desconsidere –
bem pelo contrário – tudo o que seja a prevenção de doenças. Mas todos estas
“achegas” quase partem do princípio que as pessoas são acéfalas e incapazes de
se orientar com uns pingos de chuva ou uma temperatura absolutamente normal
para a época.
Enfim, conselhos que
estão para as pessoas, como as conferências de imprensa antes dos jogos de
futebol estão para a inutilidade da palavra.
Mas atenção, caro leitor.
Não se esqueça que está no Inverno. À cautela – se for distraído – ponha um
alerta no seu telemóvel a dizer-lhe que pode chover e, pior do que isso, que
pode fazer frio. E atenção não se esqueça dos cremes para sobreviver (sic) ao frio, como já li algures.
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