Repita-se o último poema da “MENSAGEM”,
para corroborar a nossa pobreza, de que, tanto o texto de José Manuel
Fernandes como o de António Barreto, se fazem eco. Sem resultado prático, os vícios de educação e de feitio estando
subjacentes ao marasmo construtivo, e à chiadeira pipilante, esperando o cibo.
Bonita a foto de António Barreto, e a explicação.
Afinal, somos bem discípulos
de Pessoa, tal como de Eça, na insatisfação argumentativa:
Quinto
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Valete,
Fratres.
O PSD está uma coisa muito deprimente
OBSERVADOR, 6/12/2017
A disputa pela liderança do
PSD lembra um penoso regresso ao passado, uma disputa fulanizada sem propostas
diferenciadoras e sem a capacidade de dizer ao país o que ele precisa de ouvir.
E quer ouvir.
Deve haver poucas coisas
mais deprimentes do que a actual corrida à liderança do PSD. Pela ausência
de ideias novas, pela vetustez dos protagonistas, pelo desinteresse do país,
pela percepção de que ali não há alternativa credível ao actual estado das
coisas.
Nem sei bem por onde
devo começar, pelo que começo pelo óbvio: quando uma corrida à liderança do
maior partido da oposição é reduzida, pelos próprios, a uma espécie de concurso
para saber quem pode ser melhor a ganhar eleições fica-se de imediato com a
ideia de que apenas estamos a debater quem é o mais capaz para as perder por
pouco – o que é em si mesmo uma receita para perder por muito.
Há quem defenda que a
política é hoje quase só um jogo de personalidades, mas defendê-lo é não
perceber nada do que está a mudar na política. É não perceber que todos os
fenómenos eleitorais recentes, do americano Trump ao britânico Corbyn, do
francês Macron à catalã Arrimadas, resultam não apenas da singularidade dos
seus protagonistas, mas sobretudo de protagonizarem projectos políticos fortes
e afirmativos que despertaram o entusiasmo de certas faixas decisivas do
eleitorado. Mais: como estes exemplos demonstram, isso tanto pode acontecer
nos extremos do espectro político e ser detestável, como surpreender
exactamente naquele centro onde se costuma dizer que se ganham e se perdem as
eleições e ser magnífico.
Nem Rui Rio nem
Santana Lopes parecem ter percebido que procurarem apenas surgir
como políticos bem-comportados, responsáveis e experientes não serve para nada.
Tal como não serve para nada deixarem cair umas frases soltas bombásticas (como
as de Rio sobre as “doenças do regime”) mas falhas de substância. Tal
como ainda é menos produtivo tratarem de se posicionar por referência a Passos
Coelho, pois isso apenas os deixa prisioneiros de um jogo de lealdades ou
ressabiamentos cuja exibição pública pelas duas candidaturas chega a ser
penoso.
Eu sei que o ponto de
onde ambos partem não é fácil. Nos últimos anos o PSD deixou-se aprisionar num
discurso que valorizava (justamente) a coragem, determinação e rigor com que
governara o país nos anos da troika, reconduzindo-o a uma trajectória de
crescimento e emprego, mas que ao mesmo tempo dependia de as coisas correrem
mal ao Governo para demonstrar que o PS não se libertara da sua congénita
tendência para a irresponsabilidade orçamental. Fazendo eu parte daqueles que
estão convencidos que as escolhas da geringonça não só não asseguram
crescimento económico sustentado no futuro como, num prazo que pode ser mais
longo ou mais curto, acabarão por revelar-se desastrosas também a nível
orçamental, não creio que seja uma boa estratégia de oposição ficar apenas à
espera que António Costa prove o fel das dificuldades no dia em que a factura
das “reversões” deixe de estar coberta pela folga dada pelos juros baixos
(suportados pelas políticas do BCE) e por um crescimento económico quase
exclusivamente dependente do turismo e da procura externa.
Acontece, porém, que,
escutando o que os candidatos à liderança do PSD nos têm para dizer, não se vê
como possam eles extrair o partido dessa armadilha, desta espécie de beco sem saída.
Não porque não tenham razão nas críticas que fazem às políticas da geringonça e
às suas opções orçamentais, mas porque as escolhas do país não são, não
podem ser, apenas entre a austeridade dos impostos directos (a de Vítor Gaspar)
e a austeridade dos impostos indirectos e das cativações (a de Mário Centeno).
A escolha é, ou devia ser, entre um país centrado no que faz e oferece ao
Estado, e, portanto, prisioneiro de todas as suas clientelas e dependente dos
seus serviços, e um país com mais fé nos portugueses e no seu engenho, mais
livre e, por isso, mais aberto à mudança, ao risco e à inovação.
O primeiro sinal de que
tanto Rui Rio como Santana Lopes têm as cabeças presas a referências do passado
é a sua insistência na chamada “matriz social-democrata”. Claro que
estamos a falar de um partido chamado PSD, claro que estamos a falar do partido
fundado por Sá Carneiro, mas 2017 não é 1974 ou mesmo 1980. Arejem as cabeças e
não finjam que o mundo não mudou com Thatcher e com Reagan. Abram os olhos e
percebam que até a esquerda socialista é outra coisa depois de Clinton e Blair.
Não façam de conta e percebam que, na Europa, se sentam ao lado dos
cristãos-democratas e já se sentaram entre os liberais. Deixem de ter complexos
e afirmem as diferenças em relação ao PS em vez de se sentirem bem no
“centro-esquerda”, como se o país tivesse apenas como escolha socialistas
ortodoxos e socialistas envergonhados.
Há quem no PSD dê
indicações interessantes sobre as linhas de fractura com o PS – e não apenas
com o PS da geringonça. Quem defenda, por exemplo, que o partido deve ser pela
igualdade solidária, e não pelo igualitarismo social, que deve acreditar num
Estado social que liberta, autonomiza e responsabiliza o cidadão e não num
Estado social que o cativa, condiciona e infantiliza. Quem acredite que a
exigência na educação pode tornar os cidadãos mais iguais em vez de presumir
que o facilitismo os trata por igual, tal como defenda que a família e a
comunidade devem guiar a educação em vez de ser o Estado a formatá-la. E por aí
adiante, já que estas frases estão todas, quase palavra por palavra, num artigo recente de
Paulo Rangel, um artigo que era quase um manifesto da candidatura à liderança
do PSD que afinal nunca existiu.
O problema é que cada um
destes pontos necessita de ser concretizado e defendido com convicção. O
problema é que por trás desta visão há uma ideia liberalizadora do papel do
Estado e, no PSD e no país, tem-se horror à palavra liberal. O problema é
que o PSD (ou pelo menos o aparelho do PSD) está hoje quase tão colado ao
Estado como o PS. O problema é que um país envelhecido, dependente e temeroso
como Portugal é um país que receia mudanças, é avesso ao risco e onde boa parte
da população mais depressa tem inveja de quem triunfa do que está disposta a
tentar a sua sorte.
Sempre defendi, mesmo nos
anos mais duros da troika, que no discurso do governo de então havia medo de
assumir que ao país não bastava ser mais poupado e mais contido – precisava de
ser diferente. E ser diferente implicava pensar de forma diferente a relação do
Estado com os cidadãos. Num país com muitos pobres a questão não é querer
menos Estado social, é defender um Estado social onde o sector público partilhe
mais responsabilidades com a sociedade civil (o que incluiu as empresas e o
sector social) em nome de uma maior eficiência e de mais liberdade. Da mesma
forma que num país já cheio de burocracia e de regras não se deve ter medo de
descomplicar fazendo desaparecer regulamentos em vez de pensar que tudo se
resolve colocando um “simplex” por trás de cada nova complicação.
Podia continuar a
multiplicar os exemplos, mas não vale a pena sequer abrir um debate se não
se tiver consciência que num país onde a direita é quase tão estatista e
dirigista como a esquerda fazê-lo implicará sempre percorrer o caminho das
pedras. Mas se nunca se começar a fazer um discurso político diferente é que
nunca sairemos da actual pasmaceira e desta tonta concorrência entre partidos
feita apenas de uma mistura de promessas e de juras de rigor orçamental.
Infelizmente nem Rui Rio
nem Santana Lopes parecem querer ir buscar a Sá Carneiro aquilo que realmente o
diferenciava, e que não era a adesão a uma social-democracia que à época
significava algo bem diferente do que significa hoje. E o que o diferenciava
era a férrea vontade reformista, a coragem de fazer rupturas e acreditar mais
nos portugueses do que nas suas elites bem-pensantes e temerosas.
Infelizmente, repito, o
PSD de hoje é uma coisa muito deprimente.
COMO NAS CLAQUES
ANTÓNIO BARRETO
DN, 10/12/17
A comparação já foi
feita: o debate político parece-se cada vez mais com o futebol e respectivas
claques. O que interessa é a cor e a camisola. O que conta é
saber quem apoia e quem critica. Ou quem é apoiado e quem é condenado. O caso,
o objectivo, a decisão, o programa, o valor e a ideia são de menor apreço e
quase indiferentes. Importa, isso sim, é saber se é a favor ou contra o grupo,
o chefe e o partido. Importa berrar e bramar, ameaçar e apoiar, vibrar de
prazer ou rosnar de ódio, bajular ou agredir. Se os meus são criminosos,
desculpam-se, porque a culpa é dos outros, batoteiros por definição.
Os meus têm valores. Os
outros têm interesses. Os meus têm causas. Os outros têm bolsos. Os meus
preocupam-se com o interesse nacional e o bem comum. Os outros só pensam nos
seus grupos e nas suas corporações. Os meus são democratas, justos, racionais,
eficientes, com causas, pergaminhos sociais, cultura e mérito. Os outros são
candidatos a ditadores, oportunistas, mentirosos, prisioneiros dos lobbies e
defensores de interesses ocultos. Se entre os meus já houve corruptos e
aldrabões, esquecemo-nos facilmente. Os corruptos dos outros, por seu turno,
são eternos.
Ouvir os socialistas
falar hoje dos sociais-democratas e dos populares é ficar a conhecer um rosário
de insultos e calúnias. Só comparável ao que se ouve aos sociais-democratas
quando estes se exprimem sobre os socialistas; aos comunistas e aos bloquistas
quando se referem aos partidos da direita; e a todos e cada um quando se
exprimem sobre os outros. Um dos objectivos desta oratória consiste em
explicar os saneamentos políticos e as nomeações dos amigos: os que vão sair
são incompetentes, mentirosos e eventualmente corruptos. Os que entram, os
meus, são exemplos de virtude e competência.
Outra dimensão de fino
recorte intelectual é a da culpa. Não fui eu, foste tu! Não fomos nós, foram
vocês! O vosso governo fez muito pior! A culpa é do governo anterior! As causas
já vinham de trás! A pobreza e a miséria dos professores, a destruição do
Serviço Nacional de Saúde, a imprevidência na Protecção Civil e a
vulnerabilidade das instalações militares são da total responsabilidade do
governo anterior. Assim como o aumento das desigualdades sociais. Ou o
escândalo das energias renováveis. Tal como o anterior governo dizia. E o antes
desse.
A este tom grave de
acusação não corresponde depois acção judicial. Nem sequer demonstração pública
das malfeitorias dos outros. Bem se pode esperar para saber mais sobre as
famigeradas parcerias, as falências bancárias, as fugas de milhares de milhões,
os offshores, a descapitalização fraudulenta, o mero roubo e os ajustes
directos! Bem se pode esperar pela conclusão de processos de negligência na
Protecção Civil!
Como o futebol, a
política tem regras próprias e especiais. É permitido mentir, ameaçar,
caluniar, roubar, corromper e não cumprir os contratos... E quando não é
permitido é tolerado. E se não é tolerado, o autor fica, em geral, impune. A
verdade é que, como no futebol, o que os meus fazem é justo, o que os outros
fazem é crime. Os meus podem "meter a mão", quebrar os pés do
adversário e faltar às regras, desde que o árbitro ou o juiz não vejam. A
grandeza deste debate e a qualidade destes termos são surpreendentes! A escola
de oratória política e parlamentar é hoje o comentário desportivo das
televisões, horas a fio, diariamente, em todos os canais! O que criou o estilo
político parlamentar foi a televisão, o futebol, a democracia directa dentro
dos partidos e o sistema eleitoral. O que se diz, mente ou berra não se destina
a ser ouvido pelos eleitores, mas sim pelos colegas de partido. São eles que
decidirão se um deputado é fiel ao chefe e se é suficientemente agressivo
contra os inimigos. Não parece que tão cedo haja condições para alterar este
estado de coisas. A calúnia e o insulto têm uma função redentora: a de servir
de biombo à falta de justiça.
As minhas fotografias - Judeu em oração, com chapéu, na esplanada do Muro das
Lamentações
Este senhor usa um chapéu
tradicional, um dos vários usados habitualmente, com relevo para a kipá
(solidéu) e o shtreimel (de pele), os mais curiosos de todos. Jerusalém é um
dos sítios mais carregados de história. Todas as variedades de cristãos, judeus
e muçulmanos têm aqui os seus lugares sagrados. Além de outros, David, Salomão,
Cristo e Maomé andaram por ali. Na cidade, com seis mil anos, há centenas de
sinagogas, igrejas e mesquitas. Nada é simples, nada é fácil. Se há sítio no
mundo onde há problemas sem solução, Jerusalém é um deles. Equilíbrio instável,
paz provisória, tempo de espera... são estas as expressões que substituem as de
paz, estabilidade ou solução. Há milhares de anos que é assim. A recente
decisão do presidente Trump é estranha. É um governo estrangeiro que, de facto
e não de direito, designa a capital de Israel! O gesto, criticado por quase
todo o mundo, tem potencialidades para desencadear mais uma série interminável
de acidentes e incidentes. Mais uma...
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