Ângela Merkel, Emmanuel Macron,
e a ruptura do Reino Unido, e o apoio aos refugiados, prova da bondade de
Merkel, e tudo o mais que se tem passado, e agora até o ministro Centeno a dar
o seu parecer… dois textos de Teresa de Sousa, o último seguido de dois comentários:
o primeiro, visivelmente de alguém da esquerda patrioteira, esquecido de que a
própria Rússia teve a sua pata – mas essa extremamente pesada, sobre países do
leste e do centro europeus e isso não incomoda JOSÉ, o tal que receia a perda
de identidade do velho Portugal, ingrato ante os empréstimos que nos
valorizaram o espaço do seu patrioteirismo. Foi desmascarado, e bem, por Tiago
Pereira. Acima de tudo, convém ter-se um pensamento honesto, a demagogia é,
naturalmente, pouco lúcida no argumento.
Só mais dois anos, se faz favor
Não é por acaso que os países do Sul passaram a confiar em Angela
Merkel. Foi aprendendo no cargo.
Teresa de Sousa
Público, 26 de Novembro de 2017
1. “Parem o mundo. A Alemanha está a sair” é
o título irresistível da mais recente coluna de Philip Stephens
no Financial Times. Dramatiza e ironiza, ao mesmo tempo, a sensação
de orfandade que se sente hoje na Europa, mas também para lá das suas
fronteiras, quando a chanceler alemã está em dificuldades e pode perder a magia
que fez dela não só a líder da Europa, como a líder que sobrava para liderar o
“mundo livre”, depois da saída de Obama. Isto quer dizer alguma coisa
sobre Angela Merkel, sobre a sua determinação de salvar a Europa de si própria
(e da própria Alemanha) e do seu apego aos valores ocidentais, numa altura em
que eles parecem estar em venda ao desbarato. Significa também que a paisagem
política europeia não nos oferece grande escolha em matéria de coragem
política, à excepção de Emmanuel Macron, que chegou em boa hora, que ergueu as
boas bandeiras, mas que sozinho não consegue levar por diante a reconstrução
urgente que o projecto europeu necessita.
2. Porquê esta “adição” a Merkel? A chanceler até
começou bem, quando ganhou as eleições pela primeira vez, em 2005, afastando a
coligação SPD-Verdes do poder. Mas não estava preparada para fazer o que era
preciso quando rebentou a crise financeira nos Estados Unidos, em 2008. Começou
por negar os seus efeitos, rejeitando qualquer intervenção pública. Acabou
por ter de injectar biliões de euros na banca (apenas o Reino Unido gastou
mais). Quando a Grécia se aproximou da bancarrota, só viu diante dos olhos a
famosa cláusula de no bail-out, inscrita nos tratados, que
responsabilizava cada país do euro pela resolução dos seus problemas
financeiros. Foi uma das cedências de Mitterrand a Kohl, para que o chanceler
pudesse “vender” o euro aos alemães, que viam o marco como a sua única bandeira
nacional. Acabou por perceber no último minuto que as coisas não eram bem
assim. Seguiu-se o contágio da crise da dívida a outros países.
Berlim começou por ver aí uma oportunidade para remodelar o euro à sua maneira,
incluindo aliviá-lo dos “indisciplinados” do Sul. Foi nessa altura que tudo
esteve em causa, até o BCE intervir. Merkel acabou por perceber que a
“amputação” da zona euro poderia arrastar com ela o próprio projecto europeu.
Fez o que era preciso para afastar esse cenário, mas à custa da “punição” dos
mal comportados, com programas de ajustamento brutais, feitos de qualquer
maneira, a troco da ajuda financeira. O erro maior que cometeu foi deixar que
os alemães acreditassem que os países do Sul apenas se queriam aproveitar do
dinheiro dos seus impostos para ir até à praia. A “xenofobia”, versão europeia,
abriu feridas que só agora começam a sarar. Mas a verdade é que, com o seu
estilo prudente, a chanceler percebeu que tinha de salvar a Europa da sua maior
crise de sempre. Contrariando todas as expectativas, não é por acaso que os
países do Sul passaram a confiar nela. Foi aprendendo no cargo. Sem ela, não
teria havido uma resposta europeia ao nacionalismo agressivo de Putin. Salvou
a honra da Europa ao abrir as portas aos refugiados. Vencida, no curto
prazo, a batalha do euro, sabe que será preciso percorrer metade do caminho até
Paris, se a Europa quiser sobreviver à turbulência mundial. O resultado das
eleições de Setembro, apesar da sua vitória, acabou por pôr muita coisa em
causa.
3. Para muitos analistas alemães, esses resultados
foram o prenúncio do fim de uma era em que a paisagem política alemã se
mantivera estável e em que a arte do consenso, imposta pela Constituição da
República Federal, continuava a funcionar. Os dois grandes partidos centrais
que construíram a República Federal já só têm, juntos, metade do eleitorado. O
SPD, com a sua longa história, tem sido o grande perdedor, depois de ter sido o
grande reformador (com Schroeder), que conseguiu adaptar a Alemanha à
globalização económica. Limitar-se a virar à esquerda já não é suficiente. Mas
Merkel não é eterna. Muitas das análises dos grandes jornais alemães insistem
em que não faz mal à Alemanha um choque político que acelere a adaptação a
outras formas de governo e aceite um certo grau de instabilidade política.
“Só mesmo na Alemanha é que ninguém considera possível um governo
minoritário”, escreve o Handelsblatt. “Nada seria pior do que a
coligação Jamaica”, acrescenta a Spiegel. E tem razão. As divergências
entre os partidos à volta da mesa sobre questões fundamentais como a imigração
e a Europa eram de tal ordem, que um eventual governo se esgotaria a tentar
superá-las. A diferença maior está no FDP, reincarnado pelo jovem
Christian Lindner numa versão muito menos liberal e muito mais nacionalista,
portanto, muito pouco europeia. A sua estratégia é encostar-se à AfD para lhe
roubar espaço. A bandeira contra a imigração foi assumida sem qualquer
escrúpulo. Quis manter a sua nova identidade intacta. Saiu.
4. Mas a grande diferença entre a visão que se tem de fora
e a dos alemães que votam está em que eles não se sentem
em crise e também não estão muito interessados em liderar a Europa, com as
responsabilidades inerentes. O que eles sabem é que a economia está em
pleno vigor e que o desemprego se aproxima do pleno emprego. As lojas e
as ruas estão a abarrotar de gente, disposta a gastar dinheiro para o Natal,
quando os salários sobem e o Governo acumula um enorme excedente orçamental.
Não se incomodam se Merkel continuar por mais algum tempo, apesar do seu
“pecado” de abrir as portas aos refugiados. Em geral, continuam a gostar da
Europa, que lhes permitiu regressar ao concerto das nações civilizadas e
recuperar a força da sua economia —desde que não tenham que pagar nada por
isso. Há maior desigualdade social? Sem dúvida. Mas há emprego. O mundo ainda
aprecia a excelência da produção industrial alemã e os seus carros topo de
gama? Sim. Mas por quanto tempo? O escândalo das emissões de carbono
falsificadas que afectou a VW não ajudou muito. A morte anunciada do diesel em
proveito da electricidade vai exigir uma total adaptação da indústria automóvel
alemã. Voar na estrada pode deixar de ser um factor competitivo. A Alemanha é
um dos países menos digitalizados da Europa e há a consciência de que é urgente
recuperar o atraso. Mas quem é que se vai preocupar com isto quando a vida
corre bem? Resta a perda de homogeneidade da sociedade alemã, que prevaleceu
durante décadas depois da guerra, em que os imigrantes eram “trabalhadores
convidados” e a nacionalidade era definida pelo sangue, que já ficou para trás
mas que deixou marcas. A mudança das leis só começou quando Joschka Fischer
levou os Verdes até ao governo federal.
5. Pode o SPD dar a Merkel a sua última tábua de
salvação? Pode. Desde que não faça o mesmo que fez em 2013, cedendo em toda
a linha à chanceler, paralisado pela sua popularidade. Hoje está em melhor
condição para fazer valer as suas políticas, perante uma chanceler visivelmente
enfraquecida. A Europa será um teste. Se os sociais-democratas não tiverem a
coragem de erguer com total convicção as suas bandeiras europeias, levando
Merkel a concluir a sua missão de preparar o futuro da Europa com Macron, não
ficarão para a História. Existe o risco de alimentar os extremos. Mas não é
pela via das cedências que a Alemanha e a Europa se vão salvar.
Depois do colapso das
negociações Jamaica, a maioria dos governos europeus faz figas para que volte a
ser possível uma “grande coligação”, que assegurará a continuidade da política
europeia de Merkel. A Europa ainda precisa da chanceler por mais uns dois anos
para concluir as grandes reformas que podem garantir-lhe um futuro. Não é pedir
muito.
OPINIÃO
Abriu a época dos compromissos sobre o futuro da zona euro
Macron tem tido o cuidado de não insistir naquilo que é mais difícil
para a chanceler.
Teresa de Sousa
Público, 5 de Dezembro de 2017
1. A questão que está no âmago da reforma da
União Económica e Monetária (UEM) é simples: de que forma é que o euro pode
permitir a convergência real das economias que partilham a mesma moeda. Não é
regressar ao passado, antes da crise económica e financeira de 2008, em que os
mercados olhavam para a zona euro sem diferenciar as economias mais fortes das
mais fracas. A crise da dívida eclodiu precisamente quando os mercados passaram
a olhar para elas de forma distinta. A Europa não estava preparada para isso.
As hesitações dominaram os primeiros tempos, agravando a crise. O pior já ficou
para trás, com as saídas “limpas” da Irlanda e de Portugal e com o caso grego,
o mais difícil, a correr bem. As políticas ofensivas do BCE, com programas de
compra de dívida e com juros negativos, foram fundamentais. Passados oito anos
de “revolução permanente”, em que a Alemanha assumiu o comando das operações
para transformar o euro num verdadeiro marco, com um novo quadro institucional
e novas regras, ainda falta a resposta à pergunta inicial.
2. Como garantir a coesão e a estabilidade
da zona euro no futuro, perante inevitáveis choques externos, é o corolário da
primeira questão. As divergências ainda são profundas, com várias propostas em
cima da mesa, que serão um dos temas da próxima cimeira europeia, a 14 e 15 de
Dezembro, mesmo que ainda sem o novo governo alemão. Jean-Claude Juncker
anunciará a sua proposta amanhã, em Bruxelas. O seu discurso sobre o estado da
União dava várias pistas, algumas das quais polémicas, como a extensão da zona
euro aos 27 países, depois da saída do Reino Unido. Esta proposta só se
compreende à luz da sua preocupação com uma Europa a várias velocidades, que
teme venha a traduzir-se em novas divisões. A outra preocupação de Juncker é a
transferência de responsabilidades que são da Comissão para outras instituições
de natureza intergovernamental. A crise acentuou a perda de poder da Comissão,
que já estava implícita no Tratado de Lisboa. Donald Tusk, o presidente do
Conselho Europeu, já apresentou na cimeira de Outubro passado a chamada “Agenda
dos Líderes”, que contém todas as reformas que a Europa tem de levar a cabo até
meados de 2019, incluindo a da UEM. As suas ideias aproximam-se bastante das de
Paris e são partilhadas por vários países do Sul, incluindo em grande medida o
Governo português.
A questão que está no
âmago da reforma da União Económica e Monetária (UEM) é simples: de
que forma é que o euro pode permitir a convergência real das economias que
partilham a mesma moeda. Não é regressar ao passado, antes da crise económica e
financeira de 2008, em que os mercados olhavam para a zona euro sem diferenciar
as economias mais fortes das mais fracas. A crise da dívida eclodiu
precisamente quando os mercados passaram a olhar para elas de forma distinta. A
Europa não estava preparada para isso. As hesitações dominaram os primeiros
tempos, agravando a crise. O pior já ficou para trás, com as saídas
“limpas” da Irlanda e de Portugal e com o caso grego, o mais difícil, a correr
bem. As políticas ofensivas do BCE, com programas de compra de dívida e com
juros negativos, foram fundamentais. Passados oito anos de “revolução
permanente”, em que a Alemanha assumiu o comando das operações para transformar
o euro num verdadeiro marco, com um novo quadro institucional e novas regras,
ainda falta a resposta à pergunta inicial.
3. Mas em Paris, Berlim ou Bruxelas as propostas ainda
são suficientemente vagas para evitar radicalizar posições e prejudicar os
compromissos futuros. Pierre Briançon lembrava recentemente no Politico que
as propostas de Macron abriram uma discussão dentro do próprio Governo. Bruno
Le Maire, o ministro das Economia e Finanças (que vem do centro-direita),
preferia uma negociação “passo a passo” (como costuma dizer a chanceler), em
vez de um “grande plano” (muito francês), demasiado ambicioso, quando, nos dias
que correm, muitos governos europeus não querem grandes saltos em frente.
Macron tem tido o cuidado de não insistir naquilo que é mais difícil para a
chanceler. Alguns exemplos ajudam a perceber que ainda há muita coisa por
clarificar, ao ponto de as mesmas palavras significarem coisas diferentes em
Paris ou em Berlim. Para a França, é fundamental um orçamento próprio da zona
euro com uma robustez significativa. Macron esclareceu que deve
representar “vários pontos percentuais do PIB da zona euro”, para poder
emitir eurobonds, financiar o investimento público ou as reformas e
assegurar o apoio aos países que sofram choques assimétricos. Para a Alemanha,
deve ser modesto e menos ambicioso. Merkel, sem rejeitar a ideia, já disse que
deverá ser financiado por “pequenas contribuições e não por milhões de milhões
de euros”, e deve servir para recompensar os países que levem a cabo reformas
estruturais. Quando Wolfgang Schäuble (agora a presidir ao Bundestag)
abre as portas a um Fundo Monetário Europeu, não está a falar do mesmo que
França. Para ele, seria o Mecanismo Europeu de Estabilidade (o actual
mecanismo de bail-out), mesmo que reforçado, mas mantendo a sua natureza
de órgão burocrático para socorrer financeiramente países em dificuldades a
troco de novos programas de ajustamento. O ministro das Finanças da zona euro,
que contaria com o beneplácito alemão, também teria funções distintas na versão
alemã e na versão francesa. Na primeira, seria um “fiscalizador” do cumprimento
das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, mais do que um coordenador
das políticas económicas e financeiras dos Estados-membros, o papel que Macron
lhe atribui, com a sua ideia de que é preciso um governo económico na zona euro
que vá além do Eurogrupo. Mesmo assim, Merkel já foi um pouco mais longe ao
admitir, em Setembro passado, que essa função poderia ajudar a garantir “mais
coerência” das políticas económicas e “assegurar que os factores competitivos
sejam harmonizados”.
4. É aqui que chegamos à escolha de Mário Centeno,
confirmada ontem à tarde. Centeno apresentou-se como candidato, não como aluno
disciplinado e obediente de Berlim, mas para demonstrar que havia alternativas
à austeridade a todo o custo, mantendo os compromissos do défice e criando as
condições para um maior crescimento, devolvendo dinheiro às famílias e
incentivando o consumo interno. Estará no centro deste debate fundamental. Se
foi aceite por Angela Merkel, isso também quer dizer que Berlim percebe que a Europa
está a entrar numa nova fase, na qual ultrapassar as divisões profundas
provocadas pela crise é do interesse de todos. As propostas do
primeiro-ministro português para o futuro da UEM, apresentadas em Bruges,
contêm, também elas, o grau de moderação necessário para as tornar aceitáveis
em Berlim. A negociação a sério terá agora de começar.
COMENTÁRIOS:
JOSÉ: 5.12.2017 :
Portugal já sofreu bem as consequências de ter cedido as politicas:
aduaneira, monetária, financeira, cambial, bancária, orçamental, negócios
estrangeiros... Um país que vem de 1143 deixou de existir enquanto país
independente para ser um protetorado, onde só se obedece. É esse o destino de
todos os países que se submetam a Tratado Orçamental, União Económica e
Monetária, União Bancária, Defesa Comum... Está bom de ver que os países, seus
povos e nações não aceitarão a sua castração e o apagão das suas identidades.
Esse caminho acentua, explícita e agrava as contradições internas ao continente
europeu. É o caminho da guerra, não o da paz. O caminho da paz é o que respeita
a identidade dos povos o território das nações e a concorrência livre de todos
com todos em liberdade. Mais que CEE, não.
Tiago Pereira:
«Uau a sua falta de evidências é incrível Diga-me onde é que
Portugal sofreu? Estes anti UE são uma comédia. Fartam-se de ver vídeos no
youtube vindos da Rússia com desinformação e mentiras. E depois ainda apregoam
mais mentiras. Esse comentário não tem um único ponto de verdade. Como é que
consegue mentir tanto, José?
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