Li um artigo de Jorge Miranda, professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa sobre “Mestrados em Inglês?”, no “Diário de Notícias” em 3 de Agosto. Protesta contra a proposta da União Europeia de tornar a língua inglesa como língua oficial dos mestrados de Bolonha, além de outras considerações que faz sobre os mestrados em si.
Também vi na Internet comentários pró e contra. Um dizia que porque não em “Xinês”?, e via-se que estava zangado, mas não há razão para zangas, quando se escreve assim em português, isto é, tanto lhe deve fazer, "ça lui est égal" como ao Meursault.
E a minha amiga :
- Ai, a língua vai ao ar! Troca-se tudo e não se leva a mal. E vai ser mais e mais e mais, e nós não temos a mínima força. Lá aparece um ou outro a defender...
Ainda por cima, ela diz as coisas sempre numa entoação extremamente vigorosa, que me deixa caída e com peso na consciência. Como se eu tivesse culpa. E como, por vezes, no momento, estou a levar a bica à boca, lá me cai um pingo com o sobressalto. Tento justificar:
- Que o Inglês é uma língua poderosa, isso é mais que sabido, basta-lhe a língua e o porte e o mundo que os Ingleses construíram, pelo mundo fora, para lhes dar direito à universalidade linguística.
Como me estava a correr bem o discurso, continuei com digno saber:
- Ainda bem que os Chineses não se lembraram – ainda! – de impor a sua, que parece que é a língua mais difundida. Mas eles são pacatos, até ver, diz-se, sem o que, lá teríamos nós que aprender a desenhar, da direita para a esquerda, os seus logogramas, no caso da escrita.
- E no caso da fala , nem se fala, se tivéssemos que o aprender. Então é que era o caos.
- Pois, mas antigamente foi o Latim, foi um ver se te avias de estudiosos do Latim e de línguas que se forjaram a partir do Latium onde aportou o troiano Eneias, depois de despedaçar o coração da rendida e depressiva Dido.
- Nunca ouvi falar.
- Hei-de trazer-lhe a “Cantata de Dido” de Correia Garção. Foi a fundadora de Cartago, que se apaixonou por Eneias, e se suicidou quando ele se fez à vela direito ao Lácio. Vem na “Eneida”. Acaba assim, a cantata, muito bonita: “...Dido infelice / Assaz viveu; / D’alta Cartago / O muro ergueu. / Agora, nua, / Já de Caronte, / A sombra sua / Na barca feia / De Flegetonte / A negra veia / Sulcando vai.” Eu costumava dar isto em literatura portuguesa dantes, e tentava que os alunos descobrissem o fio condutor do discurso labiríntico por ser alatinado: (“Agora, a sua sombra nua já vai sulcando a negra veia de Flegetonte na barca feia de Caronte”). É muito giro.
- Realmente! Temos tanta coisa bela que queremos enterrar!
Continuo, embalada, a minha lição, mas a minha amiga acha-se com direito à retribuição das suas e não se importa:
- O latim foi permanecendo entre o clero e os eruditos, que não se davam mal nem protestavam, pois falavam entre eles e compunham obras de grande calibre, que enchem as bibliotecas dos conventos para os estudiosos modernos, se não para as moscas e a traça. Mas o latim esmoreceu e até mesmo a Igreja o sacrificou nos actos litúrgicos da missa.
- Sim, bem me lembro! Deve ter sido pelos anos sessenta. Falou-se muito nisso, na altura. A missa agora tem menos solenidade, acho eu.
- Eu também! Perdeu o secretismo do sagrado. Mas o efeito é o mesmo.
A minha amiga não se conforma:
- Agora é o Inglês! Mas ainda não para a missa.
- Não. Fala-se nos mestrados segundo Bolonha, em Inglês, e até já há adeptos da uniformidade no Parlamento Europeu.
- E nem avisam, nem consultam os outros povos da União, ao que consta!
- Ah! Mas nós, não tarda, estamos lá caídos! Já cá temos o Acordo! Porque não o Inglês nas nossas Universidades? Mesmo no ensino do Português e seus escritores, porque não os havemos de fazer em Inglês? Para estrangeiros também, que somos muito tímidos.
- Pois é! A nossa língua vai mesmo ao ar!
- O que eu não entendo é o pedantismo disto tudo. Se nem o português aprendemos convenientemente, como temos a pretensão de aprender um inglês capaz?
- Também pouco importa. Isto está por pouco, que o que nós não aprendemos é nada.
Também vi na Internet comentários pró e contra. Um dizia que porque não em “Xinês”?, e via-se que estava zangado, mas não há razão para zangas, quando se escreve assim em português, isto é, tanto lhe deve fazer, "ça lui est égal" como ao Meursault.
E a minha amiga :
- Ai, a língua vai ao ar! Troca-se tudo e não se leva a mal. E vai ser mais e mais e mais, e nós não temos a mínima força. Lá aparece um ou outro a defender...
Ainda por cima, ela diz as coisas sempre numa entoação extremamente vigorosa, que me deixa caída e com peso na consciência. Como se eu tivesse culpa. E como, por vezes, no momento, estou a levar a bica à boca, lá me cai um pingo com o sobressalto. Tento justificar:
- Que o Inglês é uma língua poderosa, isso é mais que sabido, basta-lhe a língua e o porte e o mundo que os Ingleses construíram, pelo mundo fora, para lhes dar direito à universalidade linguística.
Como me estava a correr bem o discurso, continuei com digno saber:
- Ainda bem que os Chineses não se lembraram – ainda! – de impor a sua, que parece que é a língua mais difundida. Mas eles são pacatos, até ver, diz-se, sem o que, lá teríamos nós que aprender a desenhar, da direita para a esquerda, os seus logogramas, no caso da escrita.
- E no caso da fala , nem se fala, se tivéssemos que o aprender. Então é que era o caos.
- Pois, mas antigamente foi o Latim, foi um ver se te avias de estudiosos do Latim e de línguas que se forjaram a partir do Latium onde aportou o troiano Eneias, depois de despedaçar o coração da rendida e depressiva Dido.
- Nunca ouvi falar.
- Hei-de trazer-lhe a “Cantata de Dido” de Correia Garção. Foi a fundadora de Cartago, que se apaixonou por Eneias, e se suicidou quando ele se fez à vela direito ao Lácio. Vem na “Eneida”. Acaba assim, a cantata, muito bonita: “...Dido infelice / Assaz viveu; / D’alta Cartago / O muro ergueu. / Agora, nua, / Já de Caronte, / A sombra sua / Na barca feia / De Flegetonte / A negra veia / Sulcando vai.” Eu costumava dar isto em literatura portuguesa dantes, e tentava que os alunos descobrissem o fio condutor do discurso labiríntico por ser alatinado: (“Agora, a sua sombra nua já vai sulcando a negra veia de Flegetonte na barca feia de Caronte”). É muito giro.
- Realmente! Temos tanta coisa bela que queremos enterrar!
Continuo, embalada, a minha lição, mas a minha amiga acha-se com direito à retribuição das suas e não se importa:
- O latim foi permanecendo entre o clero e os eruditos, que não se davam mal nem protestavam, pois falavam entre eles e compunham obras de grande calibre, que enchem as bibliotecas dos conventos para os estudiosos modernos, se não para as moscas e a traça. Mas o latim esmoreceu e até mesmo a Igreja o sacrificou nos actos litúrgicos da missa.
- Sim, bem me lembro! Deve ter sido pelos anos sessenta. Falou-se muito nisso, na altura. A missa agora tem menos solenidade, acho eu.
- Eu também! Perdeu o secretismo do sagrado. Mas o efeito é o mesmo.
A minha amiga não se conforma:
- Agora é o Inglês! Mas ainda não para a missa.
- Não. Fala-se nos mestrados segundo Bolonha, em Inglês, e até já há adeptos da uniformidade no Parlamento Europeu.
- E nem avisam, nem consultam os outros povos da União, ao que consta!
- Ah! Mas nós, não tarda, estamos lá caídos! Já cá temos o Acordo! Porque não o Inglês nas nossas Universidades? Mesmo no ensino do Português e seus escritores, porque não os havemos de fazer em Inglês? Para estrangeiros também, que somos muito tímidos.
- Pois é! A nossa língua vai mesmo ao ar!
- O que eu não entendo é o pedantismo disto tudo. Se nem o português aprendemos convenientemente, como temos a pretensão de aprender um inglês capaz?
- Também pouco importa. Isto está por pouco, que o que nós não aprendemos é nada.
Um comentário:
Nova estratégia de ensino que vou experimentar para o ano: o óbulo na boquinha de cada um dos meus alunos que não progrida de maneira decente. Pode ser que a cenoura funcione... "Tá" mais de acordo com a sociedade neo-liberal e com o choque tecnológico e com Bolonha e com a licenciatura dos nossos governantes queridos. (O com é à Eça, foi de propósito)
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