A de La Fontaine, autêntico tratado
de ambição, mostra uma rã que incha, para igualar o tamanho do boi. Até que
estoira. Lembra bem as promessas de António Costa que Vasco Pulido Valente
reduz a duas e logo as desfaz na sua insignificância. O dinheiro que ele diz
que vai dar aos espoliados da austeridade e mais qualquer outra coisa a que
Valente minimiza a importância. Valente sabe do que fala, eu lembro apenas, mais
uma vez, a esmola de Álvaro de Campos ao pedinte, para o paralelo:
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se
lhe vê na cara
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante,
dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde
trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).
Eis o artigo de Vasco Pulido Valente, no Público de 14/11/15, que tanto põe em relevo a questão da algibeira mais endinheirada de Álvaro de Campos, onde ele não toca nem nós na nossa, incluindo Costa, que oferece peanuts para obter adesão - não da sua algibeira, contudo, que enche a boca com outras miragens, as quais Valente logo destrói, sempre céptico:
Chover no
molhado
O
programa do presuntivo governo de António Costa não vai, coitado, muito longe.
Em grosso, tem duas partes principais. A primeira é uma pequena redistribuição
(ou reposição) de rendimentos, que não fará grande diferença aos beneficiários.
A segunda é a eliminação das leis laborais que limitavam a força e a
liberdade de manobra da CGTP. Nada disto ajudará, como espera Centeno e
espera Costa, o consumo a crescer ou a produção doméstica a aumentar. Para
não falar do investimento interno e externo. As pessoas têm de pagar
dívidas, não sabem se a bonança não acaba amanhã e desconfiam de aventuras.
O camponês que vendia a vaca e abria um café morreu anteontem. Os tempos não
estão para brincadeiras. E hoje a concorrência aperta muito mais.
Ficam
as miragens. Sobretudo, a velha miragem da “educação”. Numa
entrevista à RTP, Centeno tornou a dizer, repetindo Costa, que “o investimento
na educação é o melhor investimento que um país pode fazer em si próprio”. Já
ouvi esta frase milhares de vezes na boca de toda a gente e até, se bem se
lembram, o PS já dedicou um governo a este santo princípio. Mas, para
informação da nossa esquerda de hoje (que não se distingue da
esquerda de ontem), essa ideia nasceu no século XVIII, foi adoptada e
acarinhada pela “intelectualidade” portuguesa inteira, desde Verney ao pobre
António Sérgio – e abortou sempre. Nunca ocorreu a ninguém, como Centeno e
Costa brilhantemente demonstram, que a economia desenvolve a educação, a
educação não desenvolve a economia.
Por
isso os portugueses que o Estado educa, ou pretende educar, abandonam a escola,
ficam no desemprego ou rapidamente emigram. Antigamente, os pais que precisavam
das crianças no campo faziam manifestações contra o ensino obrigatório. Hoje os
“diplomados” abandonam a escola ou a universidade, vivem na miséria ou fogem
para o estrangeiro, onde têm emprego e lhes pagam bem. Costa e Centeno não
perceberam uma verdade simples: como as mercadorias, as pessoas também
circulam na Europa e os ricos compram o melhor. Mas, na falta de outros
recursos, os governos continuam a acreditar numa via mágica para a
prosperidade, sobretudo quando os senhores ministros são célebres doutores e
julgam que se promoveram à custa das suas privilegiadas cabecinhas. Erro
deles. Seis meses na Gomes Teixeira bastarão com certeza para os devolver à
sobriedade.
Mas continuemos na senda de Álvaro de
Campos, embora a opinião de Costa seja própria dos que se afligem generosamente
e por isso ele dirá exactamente o contrário daquele, deitando-se e levantando-se
cheio de penas – igualmente caso da Amália, meu Deus, quanta beleza, quanta
recordação!, - ou do próprio Pessoa com o seu “tudo vale a pena”,
desfazendo no cinismo do seu heterónimo Campos:
Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Efectivamente, o que faz mover o Costa mais os seus
acompanhantes, sabemo-lo, é pura e simplesmente a pena da gente – pelo menos de
parte dela - a quem a austeridade aconteceu. Seria mais um inútil chover no
molhado, falar-se nisso.
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