Texto de João César das Neves publicado no “A Bem da
Nação”:
A ratoeira
A
situação económica nacional parece uma armadilha montada para caçar o próximo
Governo. Apesar disso, a atracção pelo poder é tal, que todos os partidos se
atropelam para entrar na ratoeira. A insólita circunstância deve mais ao acaso
do que ao planeamento, mas o resultado é iniludível.
Comecemos
pelo queijo que atrai a vítima incauta. A situação conjuntural mostra-se
promissora. A economia cresce há dois anos e o país saiu com sucesso do
programa de estabilização há um; a balança externa é positiva e o défice
orçamental aproxima-se dos requisitos europeus. Tudo aponta para uma época
favorável, aproveitando os próximos governantes os sacrifícios impostos pelos
anteriores.
O
petisco, porém, é mero engodo, pois os sinais positivos são em grande medida
aparentes. A realidade é muito diferente da imagem que a coligação PSD-CDS usou
como bandeira nas últimas eleições, e que lhe deu a vitória. Há várias bombas
retardadas que gerarão problemas graves nos próximos tempos, exigindo medidas
duras.
O
crescimento não é suficiente ou sequer sustentável. O desemprego continua
altíssimo e perdeu a dinâmica de descida, enquanto o investimento se recusa a
atingir um nível decente. No Orçamento, depois de tanto esforço, atingiu-se
apenas o limite máximo do intervalo permitido. Pior, a indiscutível redução do
défice foi conseguida sobretudo à custa de medidas contingentes e temporárias,
com poucas reformas na máquina. Preferiram-se cortes em salários e pensões, que
na campanha todos os candidatos se propuseram eliminar. Por isso a tão falada
consolidação orçamental está ainda muito longe. Por sua vez, o lado privado da
situação financeira não é mais favorável. As empresas continuam
descapitalizadas, os bancos permanecem frágeis e a taxa de poupança das
famílias encontra-se no mínimo histórico. A conjuntura só é boa se comparada
com a anterior.
Dois
elementos agravam o quadro periclitante. Primeiro, o cansaço da austeridade. O
país, embora longe de ter suportado o ajustamento necessário, sente-se com o
dever cumprido e merecedor de alívio. O segundo é a vontade explícita que todos
os partidos manifestaram na campanha de lho conceder, prometendo tudo o que a
ilusão exige.
Assim,
qualquer Governo que resultar da negociação pós-eleitoral vai ficar mal, faça o
que fizer. Se cumprir as promessas, verá a troika regressar em breve; se tiver
juízo e proceder como a situação exige, é crucificado por engano aos eleitores.
Esses não perdoarão o terrível choque quando a dureza da realidade for
compreendida por um país mergulhado em ilusão. A surpresa será fatal para quem
estiver no poder, que só então compreenderá ter caído numa armadilha.
A
culpa da ratoeira é do anterior executivo, que mostrou incapacidade para
realizar reformas verdadeiramente sólidas e duradouras. Mas a esquerda não se
pode dizer inocente, pois sempre negou a emergência nacional e foi-se opondo
violentamente até às tímidas medidas ensaiadas.
Se
a Coligação PSD-CDS se mantiver no poder, haverá uma certa justiça poética,
sofrendo ela as consequências da sua timidez reformista. Mas a situação mais
irónica é a de um Governo do PS. Presidindo ao longo desequilíbrio que
precipitou a crise e vendo-se forçado a pedir ajuda externa, esteve na oposição
durante a execução da austeridade. Então fingiu hipocritamente opor-se às
medidas indispensáveis. Agora, com a limpeza feita, quer regressar para
beneficiar do equilíbrio arduamente conquistado. Não contava perder as eleições
mas, emendando com a inesperada unidade à esquerda, mantém o plano de
aproveitar o próximo surto de progresso.
Quando
a expectativa se mostrar cruelmente falsa, o Governo anterior, agora na
oposição, dirá credível mas hipocritamente que deixou o país em boas condições,
pelo que a culpa dos sofrimentos, realmente inevitáveis, cabe toda à liderança
de esquerda. A qual, por sua vez, carrega dois problemas adicionais. O primeiro
é a falta de credibilidade junto de mercados e parceiros, seja pela sua
aberrante composição ideológica seja pelas promessas ilusórias que insiste em
apregoar. O segundo é que António Costa tem de enfrentar todas as dificuldades
enquanto executa um número de verdadeiro malabarismo político. Precisa de, com
as duas mãos, manter no ar, sem nunca se tocarem, pelo menos quatro bolas: PCP,
BE, ala esquerda e ala direita do PS, os inimigos mais irredutíveis da política
portuguesa.
Por
ilusão do povo e cobiça política, estamos a entrar num período de surpresa e
desilusão, até a troika voltar com maioria absoluta.
Outubro
de 2015
João César das Neves
Mais uma análise sem senão aparente, sobre a situação económica
do país. Mas os futuros novos zeladores dos bens nacionais terão muito onde
mergulhar, para restabelecer o equilíbrio, muitos Ricardos Salgados a quem
exigir contas, para cumprir as promessas de reposição das contas. Não sejamos
tão derrotistas, nem chamemos de ratoeira ao espaço para o novo governo, mas
antes de ratoneira, visto que se tratará de um governo de ratoneiros, definição
que não incomoda ninguém, nem mesmo o honrado Francisco Assis - não il
poverello, certamente, que o nosso papa tomou por modelo – mas um outro que,
fazendo menção de condenar os ratoneiros, para criar uma aparência de salvação
possível, foi deixando resvalar o arranjinho à esquerda, que igualmente lhe
convém, embora de mãos lavadas, pelo arremedo da sua tentativa de última hora.
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