Houve tempos em que a Terra
ocupava o centro do Universo, e este girava à volta dela, mas o Copérnico e o
Galileu mostraram, através das mudanças ou fases de Vénus, em relação à Terra,
e os seus diferentes tamanho aparente e brilho, que Vénus se movia em volta do
Sol, e daí que também a Terra fazia o mesmo, que era, como aquela, um planeta, perdendo
esta o seu protagonismo geocêntrico. Ou direi antes, antropocêntrico, que ainda
se não descobriram outros exemplares habitacionais nas esferas do mundo, apesar
dos selenitas e marcianos de que se chegou a falar, antes desta revolução
tecnológica que cada vez nos tira mais do sério, na questão dos conceitos, e
bem fez o Einstein em lhes chamar relativos, embora tudo isso nos deixe muito desconcertados.
Já não há certezas de nada, a não ser dos ódios que opõem os seres, e dos
amores que os unem momentaneamente. É certo que quando recebo emails com fotos
das maravilhas da Terra, não só as naturais como as construídas pelo Homem, a minha
gratidão a um centro criador disso, porque um centro deve haver criador disso,
encrusta-se-me, suponho, no coração, que é um órgão, ao que dizem, central da
vida, e aí estou eu a agradecer a esse centro criador. Por outro lado, cada ser
da natureza é ele próprio criador, não só de filhos como de tantas outras
coisas, e também isso é milagre que nos arrebata, se for bom, ou irrita, se for
mau.
Não tinha reparado que o
centro desaparecera, como explica Vasco Pulido Valente no seu artigo de 13/11,
para mim o centro polarizador do melhor possível na questão política sendo os
defensores do que eu própria achava justo, ainda que tivesse que pagar por
isso.
Mas realmente, desde que se
tentou aplainar a sociedade, segundo o falso conceito da igualdade, encontramo-nos
mais perdidos, e entregues às disputas e ódios e atropelos.
E retomamos Sá de Miranda, que
observou como se fazia no mundo animal, o que os programas do National
Geographic explicitam ainda melhor:
«a cabeça os membros manda;
seu rei seguem as abelhas.
A seu tempo o rei perdoa;
a tempo o ferro é mezinha:
forças e condição boa
deram ao leão coroa
de sua grei montesinha.
Às aves, tamanho bando,
doutra liga e doutra lei,
por vencer todas voando,
a águia foi dada por rei,
que o sol claro atura olhando.
Essas normas do bom convívio entre os homens são
interpretadas como de carneirada, mais indisciplinados e pretensiosos aqueles do
que os animais ditos irracionais. Até se falava de rebanho, no tempo de
Salazar. E no entanto, não era assim. As pessoas cumpriam – melhor ou pior –
mas dentro de regras que as valorizavam como seres humanos. Os excessos de
liberdade, que não se praticam assim, noutros países mais cumpridores e
ordeiros, conduzem uma juventude universitária, por exemplo, entre nós, a puras
desvergonhas que raiam o grotesco e a infâmia e o próprio crime. E as
universidades permitem, e os governos não actuam, e a justiça ignora.
Era mesmo preciso um centro.
A
misteriosa desaparição do centro
Público, 13/11/2015
Lamento dizer, mas não me preocupa muito a desaparição do
“centro”. As forças muito bem arrumadinhas na Assembleia da República entre a
esquerda e a direita são um bom retrato do que Portugal sempre foi, desde 1820
e principalmente desde a lamentada morte do Senhor D. João VI, em que a
legitimidade (hoje tão discutida) se perdeu para sempre. Em França, nosso
exemplo e guia, aconteceu o mesmo. Depois de 1789, esteve perpetuamente
dividida em vários corrilhos que se queriam matar (e muitas vezes se mataram).
O que nunca conseguiu foi criar um “consenso” sobre o que era indispensável e
básico, ou seja, um regime liberal digno desse nome. Apesar de Tocqueville ou
de Guizot, os franceses continuam a achar o “liberalismo” uma ideia inglesa e
uma palavra porca. Tal qual como cá.
Entre
1829 e 1910, a Monarquia não passou de uma sucessão de guerras civis,
insurreições, pronunciamentos, golpes de Estado ou golpes de palácio. Verdade
que a partir de 1851-52 houve uma certa tranquilidade, embora descontínua e precária.
A crise de 1890-1893 acabou com esse efémero intervalo de civilização. Dali em
diante, o rei, os partidos do regime e o partido republicano entraram num
conflito aberto que levou, como devia levar, ao assassinato do rei e à
revolução. Da I República quase não vale a pena falar. Excepto para
especialistas, as balbúrdias de um regime terrorista, em que um décimo de
Portugal insistia em sufocar os nove décimos que sobravam, não merece nem
grande atenção, nem grande interesse. No fim do “regabofe”, como lhe chamavam,
veio Salazar. Os portugueses, como os franceses, não gostam de liberalismo, mas
suportam bem uma boa dose de despotismo.
O
partido comunista inaugurou a III República com a tentativa de transformar
Portugal numa espécie de Cuba da Europa. Perdeu, mas nunca se arrependeu e não
deixou ainda de intimidar a direita, que se proclama muito “social-democrata” e
amiga dos pobres; por interesse, claro, e também por medo. No meio desta
“hipocrisia institucional”, como dizia Sá Carneiro, o ódio persistiu e, agora,
com a “austeridade” e a corrupção, voltou à superfície. Nada sairá daqui, a não
ser uma tirania qualquer, com o nome ou sem ele. O dr. Cavaco não percebeu um
ponto básico: em Portugal não é o consenso que produz prosperidade; é a
prosperidade que produz consenso. Se houver evidentemente quem nos dê dinheiro.
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